quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Gatchaman Crowds (2013) – Das Multidões

E os Gatchaman das multidões realmente ganharam as multidões. Gatcha!



O fato que é os fãs mais puristas da série original devem ter se retorcido com essa versão atual, os chamados CROWDS, oriunda da mente criativa de Kenji Nakamura. Que encontrou o timing certo para contar suas fabulas urbanas, iniciada com o fracasso de ‘[C] – Control – The Money and Soulof Possibility’, seguido pela receptividade amena, mas amistosa, de Tsuritama e finalmente... um sucesso, com o Gatcham Crowds. Se [C] era substancial, as duas sequências possuem argumentos mais simplórios, mas com um ritmo melhor e mais sólido.

Faz um tempo desde que o sci-fi Sentai anime Gatchaman (lançado no Brasil como ‘Batalha dos Planetas’) alçou fama mundial e ganhou inúmeras sequências, diretas e indiretas. Mais de 40 anos, uma vez que a estreia da série clássica se deu em 1972. Para comemorar, o estúdio Tatsunoko Production leva seu clássico pela primeira vez para a tela grande em um filme com atores reais, e na esteira, um anime, por que não? É um comercial sempre válido. O japonês comprou a ideia, e isso não seria surpresa se os novos Gatchamans não fossem algo completamente novo e distinto do clássico.  Acompanhando o anime semanalmente, pude perceber a reação negativa dos fãs ocidentais, que foram abandonando a série, um a um. O primeiro grande impacto é a protagonista Hajime, estereotipo de garota hiperativa, cabeça de vento, mas super prodígio. O que há de resquício aqui da série clássica, além do nome ‘Gatchaman’, são as diversas referencias e tributos ao clássico espalhados pelos episódios, e obviamente, a presença dos super heróis, os seres alienígenas e Berg Katze, dublado fantasticamente por Mamoru Miyano.

Logo, quem estivesse esperando um sucessor da série antiga, a tendência era que se decepcionasse mesmo. Compreensível. Agora, muitos questionaram do porque de não utilizar outro nome para série, se CROWDS segue uma premissa nova e destoante. Além do obvio fator comercial, a série de Kenji Nakamura faz um contraponto peculiar com os Gatchamans de Tatsuo Yoshida (falarei mais sobre, à frente).
A história de Gatchaman Crowds se passa na cidade japonesa de Tachikawa, no ano de 2015. Após o advento das mídias sociais na década de 2000, um novo conceito de rede social surge apontando para um novo futuro através de um aplicativo chamado GALAX (não confundir com Galaxy), que premia seus usuários com pontos para várias “missões” que completar. Sempre sorridente e feliz, a estudante Hajime Ichniose (Maaya Uchida) é o novo membro do grupo de super-heróis conhecido como Gatchaman, que defendem a cidade dos ataques de entidades alienígenas conhecidas como MESS, que se assemelham a cubos de rubik. Completando o time, o assertivo estudante Sugune Tachibana (Ryota Ohsaka), a introspectiva e sempre depressiva Utsutsu (Kotori Koiwai), o alienígena O.D, o descontente Jou Hibiki (Daisuke Namikawa) e o líder alienígena com baixa estima, Paiman (Aya Hirano, também em um ótimo trabalho). Hajime provoca uma revolução na equipe ao fazer amizade com os MESS e mostrar uma nova ideologia, deixando os Gatchamans sem trabalho e função, uma vez que Paiman os proíbem de enfrentarem o arquirrival da equipe. Adepta ao GALAX, ela acredita que o necessário seja atualizar o mundo, transformando-o em um lugar em que Super Heróis não sejam mais tão fundamentais. Em meio a isso, os Gatchaman se deparam com uma [nem tão] nova e terrível ameaça chamada Berg Katze (Mamoru Miyano), uma entidade alienígena que pretende colocar a humanidade uns contra os outros e levar o mundo à sua destruição. Katze já destruiu diversos planetas e já enfrentou os Gatchamans outras tantas. Agora ele manipula Rui Ninomiya (Ayumu Murase), que cria a plataforma GALAX com seu auxilio, na espera de atualizar o mundo em um lugar melhor. Katze dá a ele o poder de materializar o que for de sua vontade em forma física, o poder das multidões. Rui utiliza a plataforma GALAX para formar os Crowds; 100 voluntários que ganham dele habilidades especiais, para que ajudem a humanidade em anonimato. Mas nem todos compartilham os mesmos ideais de Rui e acaba que Crowds, ao invés de ajudar, pode é levar o mundo a uma decadência ainda maior.

Hajimi-su e Rui-Rui

Utsu-Tsu e Rui-Rui. Como dizem que todo post meu tem uma imagem safada, tive que honrar a tradição

O ponto mais positivo de Gatchaman Crowds é sua simplicidade e suas camadas de enredo de fácil acesso, compreensivos a qualquer espectador, sem que precise ficar pensando naquilo após o termino de cada episódio. Gatchaman Crowds é um show divertido do tipo pipoca, que traz um conto com execução ingênua, mas esperançoso e feliz, trilha sonora elétrica e sequencias visuais que são um verdadeiro carnaval. Isso reflete nos próprios personagens, com seus bordões, looks extravagantes e backgrounds rasos. Diabos!, reflete até na direção de fotografia e na trilha sonora! Mas nos atenhamos aos personagens. Acredito que não seja erro dizer que sua experiência com a série vai depender muito de como encara a personagem central, Hajime. Ela grande parte do tempo parece viver em um mundo próprio, e apesar da inerente infantilidade e ingenuidade, demonstra muita astúcia e inteligência. Pontos negativos? Sua hiperatividade. Mas depende. Eu por exemplo, me diverti bastante com as peripécias e língua solta de Hajime. No final das contas, é algo que gera reações muito polarizadas.

Ai vai uma verdade: é intencional. Parte dos personagens que convivem com ela a principio têm a mesma impressão, do quão chato e irritante são os modos de Hajime. E embora ela permaneça do inicio ao fim como uma personagem plana, Hajime cresce exponencialmente e se torna uma personagem extremamente simpática. A recapitulação existente em metade do episódio 11 traça uma perspectiva fundamental do ponto de vista desses personagens com relação à Hajime, para que possamos compreender melhor o seu papel ali. Este é o ponto onde quero chegar. Nenhum dos personagens tem qualquer desenvolvimento muito profundo. O melhor personagem aqui é Rui, é o único que se desenvolve constantemente, além de ser o mais explorado pelo roteiro, possuindo uma construção um pouco mais conflitante, ao contrário de uma segurança inabalável por parte de Hajime. Em outro extremo, Katze é um vilão incrível; extrovertido, caótico, infantil, maldoso, afetado. Com exceção de um momento no episódio final, Katze nunca suja suas mãos, mas age nas sombras manipulando o ser humano no que ele tem de mais frágil e tirando vantagem disso: o ego. É como um demônio vil despertando o que há de pior em cada um. Aqui vai outra verdade: Katze é o que é, muito em parte à excelente interpretação de Mamoru Miyano, numa das melhores atuações do ano.

Todos os personagens são assim, representações de uma ideia, com boas motivações por trás que formam a base do enredo e sua temática flutuante. Como por exemplo, Paiman e sua crise de liderança é algo que vai de encontra à temática central da série, mesma coisa para com Jou, um cidadão desacreditado na máquina que acredita que sendo um herói, conseguirá fazer coisas que não pode enquanto cidadão comum.

>O mundo sendo atualizado.
Nakamura pincela um pouco de diferenças sociais aqui, o papel de cada um na sociedade acolá, mas o grande foco é no que é ser super herói?, o faz de alguém super herói?, pergunta que Hajime faz até o último episódio, e mesmo sabendo da resposta, não à dá; é nas questões politicas; é nas mídias sociais e sua irreversível importância para a sociedade no futuro. Um futuro não tão distante em que idosos (pois vamos envelhecer) e crianças estarão conectadas permanentemente na internet 2.0, se tornando a principal fonte de informação e conectividade. Respondendo a pergunta da Hajime, ser super herói é sair de casa todos os dias para salvar a cidade, ser gari, ser dona de casa, ser bombeiro, empresário, ministro, e desempenhar a sua função todos os dias continuamente. Não devemos levar o conceito de SUPER HERO de Gatchamam Crowds muito a sério, até mesmo porque ele não se leva. Antes mesmo da metade da série, uma observação frequente de minha parte era o fato de que Nakamura não utilizava o conceito de super sentai da história como supostamente deveria. Há um determinado ponto em que os G-TEAM ficam sem qualquer função na história, já que são impedidos de agir. É engraçado, porque CROWDS utiliza apenas 1% da estrutura super sentai e super hero, e dentre esses 1%, está justamente o conceito da série e o uniformes [em CG e, diga-se de passagem, bastante estilosos].

Então não se deve levar o conceito de herói da série de forma literal, o que está em jogo aqui não é o papel do herói na sociedade, mas o da própria sociedade a espera de uma figura salvadora. O contra ponto estabelecido por Nakamura entre o CROWDS de 2013 e o Gatchaman de 72 está nas diferentes perspectivas de mundo entre a sociedade de outrora e a atual. Gatchaman é uma série largamente inspirada nos heróis ocidentais, que por sua vez são considerados parte uma cultura inferior por uma classe elitizada. Seu público alvo é a “massa”, que é considerada amorfa, acrítica, infantil, manipulável. Envolve contextos históricos profundos, mas resumidamente e superficialmente falando, heróis depois da Segunda Guerra Mundial exerceriam o papel de permitir que a imaginação da sociedade ultrapassasse os limites do realismo cotidiano e os levasse a um sonho escapista, onde, entre outras coisas, o peso da responsabilidade pendesse nas mãos de heróis justiceiros representantes do povo.

Na sociedade atual tendemos a deixar todo o peso das responsabilidades nas mãos de uma única pessoa que nos represente, nos lembrando desse representante apenas de períodos em períodos que precisamos escolher outro. Nesse espaço de tempo entre uma escolha e outra, submergimos em nossos próprios problemas pessoais e cotidianos. Isso não quer dizer que não nos revoltemos, pelo contrário, mas as soluções na ponta da língua são sempre radicais ou resignação derrotista, por que é chocante pensar que a única forma viável de mudar o quadro político-social em nossa sociedade envolve tanta atenção e comprometimento de sua parte. A mensagem de Gatchamman Crowds é de que, ser super herói é ter consciência politica e ser participativo na sua sociedade.

>J.J e seus aviãozinhos de papel, que simbolizam a liberdade [dos Gatchamans]
J.J é um deus onisciente, onipresente e onipotente na série, mas ele não faz nada além de previsões. Os Gatchamans são metaforicamente pássaros engaiolados, embora possuam o livre arbítrio, permanecessem incessantemente à espera de uma atitude do seu grandioso representante J.J.  A internet e suas apocalípticas mídias sociais representam um meio ofensivo para o povo, uma arma para que possam fazer valer seus direitos, se manifestarem, se unirem, serem uma voz que deve ser escutada. Uma arma que pode ser usada para o bem social e também para o mal, dependendo de quem a manipula. Nem se trata de futuro, já é uma realidade esse poder da mídia social concentrada na opinião publica e 2013 que ficará marcado neste aspecto, tanto da rede social como fonte de expressão popular, como também de reduto manipulativo por parte da mídia politica.

Dessa forma, não há porque J.J se envolver em uma luta, seu papel é simbólico na série. Não há sequer uma grande luta envolvendo os Gatchamans. Não há porque, eles se misturaram aos cidadãos comuns onde cada um desempenhava uma função para salvar aquela cidade, aquele país, aquele planeta. Berg Katze não é [spoilers, selecione para ler >>] derrotado, não há de fato um confronto entre ele e Hajime. No último episódio é explicito que Katze se tornou parte de Hajime (ver imagem abaixo). Ambo são um contra ponto, duas faces da mesma moeda. Ninguém é tão bom, tão virtuoso, tão alegre, tão sorridente, tão confiante quanto Hajime a todo o tempo. Ninguém é tão amoral, tão vil, tão infantil, tão manipulador, tão egoísta a todo o tempo como Katze. Seres humanos são uma mistura heterogênea e oscilante, que pode ser bom ou mal dependente da perspectiva de cada um que o rodeia, que muda de ideia tão rapidamente que soa até incoerente. O mundo de está cheio de Hajimes, que às vezes são também Berg Katze.

Hajime, sem o seu habitual lenço amarelo. Dessa vez, vermelho.

Gatchaman Crowds em seu final mostra que não há uma solução mágica. Que uma ferramenta como a internet, assim como a opinião popular, nunca deixará de ser utilizada por manipuladores e pessoas de má fé, mas a única saída é se manter consciente e não fechar os olhos e entregar o fardo para um ser salvador. No fim, todos os personagens possuem motivações que vão de encontro à temática social da série. A fotografia também, em sua assimetria e simetria de cores e objetos tão contrastantes, mas combinados harmoniosamente, como se nota principalmente no esconderijo dos G-Team.



Assim é feita a sociedade, uma combinação de cores tão distintas. Essa é a fabula urbana de Nakamura, que tanto em [C], como em Tsuritama e Gatchaman Crowds desenvolve três contos sobre indivíduos na sociedade em diferentes perspectivas político-social.  Japão vive um momento de incertezas politicas em que os jovens que não querem sair à rua para escolher seus representantes, alguns não querem nem deixar os quartos, mas o interessante é que a mensagem de Gatchaman Crowds é mundial. A mídias sociais trouxeram novamente a politica para o cotidiano das pessoas, que como eu, não costumam estar sempre atualizadas com a politica, mas também trouxe consigo uma grande responsabilidade.


G-G-G-G-G-Gatchamaaaaaaaaan!

Nota: 08/10
Diretor: Kenji Nakamura
Composição de Roteiro: Toshiya Ono
Estúdio: Tatsunoko Production
Episódios: 12
MAL: http://goo.gl/6LgRxc