quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Revisitando: Suicide Club (2001) – Clube do Suicídio

Uma onda coletiva de suicídios assola o Japão, mas a resposta pode estar dentro de cada um.


Suicide Club (também conhecido como Suicide Circle ou O Pacto, como é conhecido oficialmente no Brasil), escrito e dirigido pelo diretor-poeta Sion Sono, tem uma das sequências mais famosas do cinema japonês, onde várias colegiais se dão as mãos ante a linha de um metro repleto de assalariados desgastados da rotina e pessoas imersas em seus aparelhos eletrônicos, e quando o metrô surge, elas saltam de mãos dadas e sorridentes nos trilhos para serem retorcidas e moídas pelo vagão que desliga na graxa vermelha, dando um banho de sangue em todos que assistiam perplexos a cena.
Mas a minha sequência preferida e que mostra o domínio técnico de Sono são os minutos iniciais após este prologo, em que Suicide Club parece se desenhar como um filme de terror. A sequência é construída com tamanha sutileza e assombro, que é difícil se manter indiferente quando a atmosfera é descontruída para uma jocosa sátira digna de um terrir trash com um desfecho absurdo. No entanto, isto é apenas o inicio de uma história com diversas tramas entrelaçadas, cada uma com sua própria peculiaridade com pouca assimetria entre uma e outra. O que une todas essas tramas é um tema em comum: o suicídio. Para conduzir e unifica-las narrativamente para que o filme não se transforme em um amontoado de esquetes, há uma trama policial que investiga os misteriosos suicídios que têm atormentado o Japão. Mas o que os detetives Kuroda (Ryo Ishibashi) e Shibusawa (Masatoshi Nagase) vão descobrir ao ponto de levar qualquer um ao horror cósmico?

[PARTE 1]

Kuroda é um pai de família exemplar, com dois filhos e uma mulher. No inicio ele acredita que a onda de suicídio sem aparente conexão entre si faz parte de algum culto. No entanto, ele recebe o telefonema de uma hacker disposta a auxiliar a investigação, revelando a existência de mórbido site com uma fileia de pontos vermelhos [representando as mulheres] e brancos [os homens], se tornando uma espécie de indicador de onde ocorrerá o próximo suicídio coletivo. Mas ela é sequestrada e acaba se tornando mais uma vítima. A verdade vem à tona: não existe nenhum culto, nenhum clube do suicídio. Podemos chamar de histeria coletiva, embora sua real natureza seja um pouco mais efêmera.

Tudo vai ficando mais confuso e Kuroda acredita que a culpa é da Tv, que tem grande domínio sobre jovens muito influenciáveis. Não demora para que mais um suicídio coletivo ocorra, com um grupo d estudantes do ensino médio que se dão as mãos e pulam do telhado. Tudo começou quando alguém disse em tom de brincadeira “vamos todos nos matar” e todos são contaminadas pela excitante frenesi de sentir o friozinho na barriga, o que ninguém ali imaginaria é que eles realmente fossem saltar. O surpreendente: apenas a garota que começou a brincadeira e mais dois colegas não saltaram e ficaram olhando perplexos para os colegas que de fato pularam para a morte. Quem poderia esperar que eles realmente fossem levar a sério e pular de mãos dadas?
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O caso se torna mais sórdido quando um rolo de dez centímetros de tiras de pele humana costurada uma à outra é encontrado em um saco de desporto branco na plataforma do trem. A maioria dos pedaços pertencentes a estudantes mortos.
A cena muda: um pai assiste na tv um grupo idol; no comercial, as mesmas garotas protagonizam uma propaganda de chocolate; ela fica enfeitiçada pelo produto vendido pelas garotas e pede ao pai, que transfere à responsabilidade à mãe, mandando sua filha ir conversar com ela; esta lhe diz de modo automático e sem olhar em seus olhos, que se ela for uma boa garota, vai pensar no assunto; mas a mãe que não tirou os olhos do que estava fazendo, começa a cortar seus dedos juntamente com o preparo da janta, e se por um lado jorra sangue, por outro ela demonstra uma desconfortável indiferença à dor. A filha corre para o pai, dizendo que há algo de errado com a mãe, mas este dá pouca atenção ao que ela tem a dizer.
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Na própria casa de Kuroda, quando ele propõe conversar uma reunião familiar, todos se revoltam. Seus filhos, sua mulher, distraídos em sua própria ocupação não parecem dispostos a se comunicarem olhando um nos olhos do outro. Mediante a insistência do patriarca, todos se reúnem para ouvir o que ele tem a dizer, mas logo têm sua atenção captada por um grupo idol que canta na tv e até mesmo ele se deixa levar, deixando de lado seu objetivo primário. Não demora muito para que se arrependa disto.

[PARTE 2]

As letras de música do grupo Desert – espelho nos grupos idols mirins japoneses – formado por garotas bonitinhas entre seus 11 e 13 anos permeiam todo o longa-metragem, se tornando uma trilha sonora fúnebre, já que está presente na maioria dos casos de suicídio. Essas letras falam sobre como o mundo é um quebra-cabeça e que nem todos podem se ajustar ou encontrar um lugar, e que neste caso, talvez seja melhor “dizer adeus”. As pessoas repetem sua mensagem “qual a sua conexão com você mesmo”, “se você morrer perderá a conexão com você mesmo, mas a conexão com a sua esposa permanecerá”.
Você está conectado com você mesmo. Você está conectado com ela. Você acha que está mesmo conectado. Você tem certeza que está conectado consigo mesmo. Se ela morrer você vai perder a conexão com ela. Se você morrer irá perder a conexão consigo mesmo.

São todas mensagens que, diretas ou indiretamente, permeiam Suicide Club, apontando que a reflexão que Sono propõe está além da temática do suicídio ou do simples festival de sangue.  É sobre estar ligado a si mesmo e ligado aos outros, temas recorrentes em animes que tecem comentários sociais, como em Mawaru Penguindrum, Ai City, Shoujo Kakumei Utena, Serial Experiments Lain e Neon Genesis Evangelion.

Em especial, Lain e Evangelion que usam diretamente os mesmos arquétipos, ainda que com recursos diferentes. A ascendência de Lain a um estado de onisciência, onipresença e onipotência – ligada a todos e em todos os lugares; mais o Projeto de Instrumentalidade Humana de Evangelion – que unifica toda a vida humana em uma única matéria – nada mais são do que a busca de todos os personagens de Suicide Club por uma conexão consigo mesmos e com os demais, de estarem interligados.

Essa é a questão central. A relação do eu em relação à sociedade moderna. Sono trata um assunto complexo de modo igualmente complexo utilizando uma estrutura de experimental e alegórica. Como posso fazer valer minha individualidade sem me afastar da minha família e da sociedade? Como faço para fazer valer a minha opinião sem confrontar a vontade do grupo? São as questões que confrontam os personagens de Suicide Clube.

O Japão é considerado um país coletivista por natureza, com a mentalidade de grupo sendo um dos traços mais marcantes em sua sociedade. São características do coletivismo; a solidariedade do grupo é mais valorizada que individualismo; O grupo é forte, como diz o ditado japonês: uma seta simples é facilmente quebrada, mas não dez [setas] em um pacote. Com isso, a mentalidade de grupo é reforçada e o individualismo é desencorajado (outro ditado: um prego que se destaca é sempre martelado). Inclusive, há uma velha piada envolvendo países, onde estão todos em um cruzeiro de luxo e de repente surge um vazamento e o navio está prestes a afundar. Não há barcos suficientes para todos, as mulheres e crianças vão preencher a maioria e o capitão tem que conversar com os homens e convencê-los a saltar no mar. O que ele vai dizer a cada um para convencê-lo?

-Ao americano ele irá dizer que “se saltar você será um herói (sugestão: Superman pose e big splash)”
-Ao alemão ele vai dizer “de acordo com os regulamentos, todos os homens devem saltar para o mar”
-Para o inglês: “em um momento como este, um verdadeiro cavalheiro iria saltar...”
-Para o italiano “veja que mulher bonita, vai deixa-la ir à água com um cabelo tão bem cuidado enquanto você goza do barco de forma luxuriante? Você pode fazer um splash e impressioná-la...”
-E para o russo “toda a vodka foi lavada ao mar, eu posso ver as garrafas flutuante daqui... se for rápido você pode agarrá-las” (Glu glu glu)

Encurtando o causo, depois de falar com vários países e quando finalmente chega a vez de falar com os japoneses, todos eles já haviam pulado, sem precisarem ser convencidos.
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Cultura coletivista é a estreita ligação entre os indivíduos que se veem como partes de um ou mais coletivos e são motivados principalmente pelas normas e deveres desses coletivos, enfatizando a ligação com outros membros do coletivo. Os estudantes que pularam de mãos dadas do telhado da escola motivados pelo desafio de sua colega e a adesão dos outros, o grupo que saltou frente ao metrô de mãos dadas e cantando, o rolo de carne com pedaços de pele costuradas de várias pessoas – tudo isso esboçado no filme refere-se ao impulso coletivista.

Suicidar-se ou não pode ser visto como a escolha entre o individualismo e o coletivismo. Tornar-se-á parte da sociedade caso você escolha seguir os demais. O ato de saltar ou não que tomou o Japão de Suicide Club ressalta a ideia do agir individual ou pelo coletivo. Mas seria tudo tão simples assim? É claro que não. Sono primeiramente aponta o perigo da falta de racionalização por trás do conceito de cultura coletivista que anula o individuo em prol do grupo [ou seja, o interesse do grupo prevalece sempre sobre o do indivíduo], mas ele também sublinha outro aspecto importante da sociedade coletiva:

Paradoxalmente, aquele que se entrega por inteiro ao grupo, acaba se fechando demais em si mesmo, havendo a uniformidade do coletivo, mas faltando a comunicação para tudo que se diz respeito ao aspecto pessoal e emocional do individual – ou seja, tudo que diz respeito a ele mesmo. Como na trama da família onde o pai e mãe não se comunicam intimamente com o pai atribuindo o papel de educador somente à figura materna e abdicando de envolvimento profundo na criação da filha – enquanto age mecanicamente e um tanto indiferente. Quando a mãe corta os dedos e não esboça dor ou qualquer reação alarmante; mas continua a cortar os dedos junto à comida, e a filha corra avisa o pai, mas ele se mostra indiferente ao que ela está dizendo – aí Sono está apontando um modelo familiar com problemas de comunicação. Ambos tão fechados em si mesmos que não percebem o quão letal suas atitudes podem ser em relação à filha.
Os suicídios confundem porque a sua real natureza se oculta nas músicas pops chicletes, fóruns de internet, mensagens instantâneas, fenômenos pops, revistas e toda uma indústria que cria um grande simulacro de fantasia escapista. Não é quem está por trás da febre de suicídios que assola o Japão de Suicide Club, mas o quê provocou este fenômeno social e cultural, e esta resposta não é fácil e simples, porque o que transforma uma sociedade é sempre uma onda de acontecimentos sincronizados. Ao fazer a pergunta “qual é a sua relação com você mesmo”, a geração mais velha não podia compreender o paradoxo porque eles não conseguem entender ou aceitar os anseios, pressões e incógnitas que assolam a geração mais jovem, que por sua vez, refuta em se conectar com a mais velha e carregar as suas expectativas, afinal, eles têm uma perspectiva própria do que querem.

É a ebulição do individual frente ao coletivo que assola o Japão atual, retratado em obras como Suicide Club de 2001, Lain em 1998 e Evangelion em 1995 – justamente o período histórico em que a bomba eclodiu. Isto é o que se chama de captar o Zeitgeist (espirito do tempo, em alemão. Expressa o saber e características culturais de uma época. Pode-se dizer que é tudo que vemos e sentimos hoje, que é muito diferente da realidade de nossos avôs e com certeza será muito diferente no mundo de nossos netos, mas o que virá a ser o futuro, já podemos notar em um esboço do presente).
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Procurando compreensão em relação a si mesma, a geração mais jovem se transforma não em uma sociedade de núcleo estável, mas reféns da cultura pop, que por sua vez irá mata-los (suicídio). A não ser que encontrem um equilíbrio, como a personagem que doa um pedaço da sua pele para formar o rolo de carne costurada às diversas outras peles, e mesmo com todos os motivos para se suicidar, consegue encontrar alguma razão para continuar vivendo. Quando questionada, diz que a razão está nela mesma, abraçando assim o individual e negando o instinto coletivo. O ato de dar um pedaço da sua pele para o enorme rolo de pele conectadas é tão simbólico quanto a borboleta em suas costas. Ela está conectada aos demais e conectada a si mesma.

Suicide Club não dá uma resposta simétrica, são todas observações e ensaios que convergem em um único tema, do eu perante a sociedade. Deve ser visto como um todo e não como partes individuais. É uma sátira estilizada com comentários sociais que eu vejo mais como uma produção experimental um tanto rustica, um estudo alegórico de uma realidade social, e não exatamente o que se espera de um longa-metragem convencional. Como experiência cinematográfica, Suicide Club é desestruturado e de aspecto trash, mas Sion Sono incorpora riqueza num diamante bruto que recompensa àqueles que querem ver um pouco além da superfície. 

Nota: 06/10
Direção, roteiro: Sion Sono
Estúdio: Omega Project
Duração: 99 min.

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