segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

BOKEN-SHONEN: AVENTURAS DE MENINO

Antes de qualquer coisa, devo dizer a vocês que Bouken Shonen, ou como foi lançado aqui no Brasil, “Aventuras de Menino”, de Mitsuri Adachi tem gostinho de saudade. Sabe quando você acha uma foto antiga sua junto de colegas que atualmente você nem mantêm mais contato? Saudades não têm cor, apesar das opiniões contrarias, mas é como disse sabiamente Letícia Thompsom em seu poema, sei que saudade tem forma, gosto, tem cheiro e possuem asas. Caso contrário, não nos transportaria para tantos lugares distantes e ganhariam formas tão descomunais sempre que tentamos diminuí-la. Saudades é uma dorzinha gostosa que gostamos de sentir, não sabemos explicar, mas é quase palpável. Resumidamente, saudades são emoções guardadas lá no fundo. E se você ler “Aventuras de Menino”, verá que saudades às vezes ganham formas inusitadas, em papel branco e tinta preta.

Mitsuru Adachi é um dos melhores mangakas do todos os tempos.

Okay, não há o que se questionar sobre um artista trinômio, que com delicadeza consegue encantar a todos, escrevendo e desenhando histórias em cima dos gêneros de romance, esporte e comédia. Adachi é um dos artistas mais importantes do Japão, isso eu sei, você também deve saber. Mais quantos realmente já chegaram a ler uma obra dele? “Shame on me”, eu sou uma dessas pessoas que nunca chegaram a ler nada sobre ele, mesmo tendo pleno conhecimento de sua fama. Mas eu comecei muito bem, com essa compilação de histórias curtas do autor, que foram lançadas originalmente na revista seinen Big Comic Original, da Shogakukan, no período de 1998 a 2005.
Acredito que, caso a editora L&PM realmente tenha interesse, como se faz notar, em investir em sua coleção Pocket Manga com títulos mais adultos, certamente fizeram a melhor escolha para introduzir Mitsuru Adachi, com esse “Aventuras de Menino”. Apesar de serem todas histórias curtas (one-shotes), juntas, elas parecem se completar. A sensação que se te é de que se trata da mesma história, e apesar de  inicialmente não ter colocado muita fé neste lançamento em especifico, ao chegar ao final da última história, percebi que fui completamente envolvida por Mitsuru Adachi. 


O ponto de vista é sempre pela perspectiva masculina, e todas as histórias nos trás homens já adultos, tendo que lidar com algum aspecto de seu passado. Tudo remete a adolescência, um dos melhores momentos da vida. E me parece ser algo comum, uma pessoa já adulta, relembrar com saudosismo e certa melancolia aspectos dessa delicada passagem da vida de um garoto para o mundo adulto. Apesar de “Aventuras de Menino” não ser pautado pelo surrealismo, Mitsuru Adachi se permite brincar com elementos de fantasia, como na primeira história; “Do outro lado da porta” – onde um jovem empresário retorna à sua cidade natal após o falecimento de seu avô, e ali acaba se recordando de momentos de sua infância. E aqui, cabe uma referência a Doraemon, um gato robótico que voltou dois séculos atrás para ajudar um estudante. É um dos mais celebres e importantes personagens da cena japonesa. E é exatamente nesse escopo que essa pequena história se desenvolve, onde Doraemon ajuda este jovem empresário a navegar por sua adolescência. Envolto em lembranças, ele conhece um homem que acabara de impedir que este fosse assaltado. Ele acaba introduzindo este homem a uma senhora e sua filha, proprietárias de uma farmácia. O problema é que ele era um vigarista, que com seu apoio, conseguiu dar o golpe perfeito. De volta ao presente, ele olha tristemente para o chão e clama pela ajuda de Doraemon, para voltar ao passado e corrigir o erro que cometeu.
Basicamente, essa é a moral de ambas as histórias; Adultos que precisam lidar com erros cometidos nos passado, que tentam se apegar a memórias da juventude, como se pudessem voltar e apagar com a borracha todos os erros cometidos ou simplesmente voltar àquele precioso momento, antes do envelhecer. Um adulto que se encontra momentaneamente perdido e começa a “nostalgiar” por tempos melhores. Cada história, com sua característica, são pautadas de subtons próprios. Pequenos fragmentos de momentos que devem ser lembrados para todo o sempre. Um simples detalhe, um olhar, uma frase. Funciona de modo diferente para cada pessoa. Não aconteceu comigo, mas não se surpreenda se por acaso se pegar em lágrimas em algumas destas histórias. E talvez seja justamente esse o ponto. A diferença entre a visão de uma garoto nos seus 17 anos, com a de um adulto, já com seus 23/30 anos. Adachi certamente, com sua eterna temática sobre a juventude, conhece bem os atalhos para retratar bem aquilo que vem após os tempos áureos de alguém.

Eu poderia falar sobre cada uma das sete histórias, mas eu estaria batendo na mesma tecla. São pequenos contos lindíssimos, sobre reencontro, chances de fazer tudo diferente, melancólicas recordações e olha, têm até aquelas cápsulas do tempo (quem já fez isso na escola?) – tudo isso através de flashbacks, que funcionam como uma lente para o passado.

A qualidade física que a editora L&PM imprimiu em “Aventuras de Menino” está sensacional. Qualidade de impressão, onde a tinta realmente é preta e não cinza, como acontece bastante em edições de mangás de banca. E claro, sendo um lançamento com foco direto em livrarias, não poderia ser diferente. A qualidade de impressão, papel offset e com uma excelente gramatura, fazem justiça aos 15,00 R$ cobrados pelo título. A lombada costurada também ajuda, pois tem o formato de um livro de bolso, então pra ter uma leitura agradável e satisfatória, é preciso arreganhar o mangá. Eu imagino que, se fizer o mesmo com as edições que tenho aqui de “Uzumaki, A espiral do horror” ou com “Death Note (das editoras Conrad e Jbc), todas as páginas se espalhariam pelo chão. Com a coordenação editorial de Alexandre Boide e a tradução feita diretamente do japonês por Adriana Kazue Sada, Aventuras de Menino segue o padrão de leitura oriental (seguindo a ordem inversa). A tradução está ótima e a leitura segue de forma fluida. A diagramação é instável e não é tão perfeita como as realizadas pelas editoras Panini e Jbc, por exemplo, mas não prejudica em nada o ritmo da leitura. Fica apenas como uma observação mesmo.



E bem, espero que venha mais de Mitsuri Adachi para cá, como seus megassucessos; Touch, Miyuki, Cross Game. Pois com títulos tão conceituados e que somam vendas tão impressionantes como estes (mais de 200 milhões de exemplares vendidos no Japão), é até um pecado não vermos mais do autor por aqui, seja por qual editora for. Adachi tem um traço que lhe é bem característico e que remete aos anos 80. Traçado bem limpo, com nada de poluição visual e character designer que é realmente bem bonito e que casa perfeitamente com o tipo de história que ele cria. Que é o seu melhor, como percebi, com excelente domínio sobre a narrativa. É impressionante o fato de ele conseguir transmitir emoção sem usar quaisquer diálogo, apesar dessa ser uma das características base dos mangás, ele consegue emocionar com sequências estáticas como poucos.  Super recomendado.

Título Original: Boken-shonen
Editora: L&PM
Formato: Pocket Mangá
Autor: Mitsuru Adachi
Tradução: Adriana Kazue Sada
Páginas: 216
Preço: R$ 15,00
Onde encontrar: Livrarias ou Lojas virtuais

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