sexta-feira, 29 de julho de 2011

Shiki especial: Corpse Demon, a despedida do terror



Especiais de animes que terminaram em seus lançamentos em DVD/BD hoje em dia é a coisa mais obvia do mundo. Mas normalmente são apenas para dar um empurrãozinho nas vendas e raramente acrescenta alguma coisa ao plot ou contam alguma história interessante. Shiki é uma das poucas exceções de animes recentes que ganharam especiais (20.05 e 21.05) e souberam se utilizar bem do espaço contido no disquinho. O final apressado e pontas soltas deixadas na série de tv, foi realmente um pena e muitos ficaram frustrados por não poderem obter todas as respostas, mesmo com a obra original, série de Light Novels de Ono Fuyumi (também criadora de Ghost Hunt, que ganhou adaptação em anime há tempos atrás. Fica ai a dica), já estando finalizada. Seria realmente interessante se fosse uma longa série de OVA’s, contemplando todos os eventos que juntos, formam a base principal de Shiki, fecham as pontas soltas e que acabaram ficando de fora. Não foi assim, mas ficou muito bom esses dois especiais que irei comentar. Então, se você não assistiu ao anime, recomendo começar a leitura pela review, aqui (feita pelo Crítico Nippon).



O "Episódio 20.5" e o “Episódio 21.5” são complementares e tem a função de nos mostrar o que aconteceu na cidade de Sotoba e não pôde ser mostrado no vídeo, devido ao tempo. Claro que aconteceram muito mais coisas que só poderiam ser abordados numa longa série de OVA’s, o que nos é mostrado é apenas dois pontos de vistas distintos e interessantes. O primeiro nos trás todo o conflito entre Shikis vs humanos, já no seu ápice e pelo ponto de vista dos despertados. Podemos analisar o primeiro OVA, como uma seqüela direta do episódio 20, por ser passarem no mesmo tempo, com uma parte dos moradores da vila indo atrás dos vampiros que se encontram escondidos. A essa altura do campeonato, o que vemos é praticamente um jogo de sobrevivência, que trás uma mistura ácida de moralidade ambígua na justificativa de ambos para sua auto-preservação e o quão longe ambas as espécies (humanos e vampiros) podem ir para sobreviver.



Shiki trás á tona algo interessante, os humanos que sempre foram vitimas e presas fáceis, se revoltando e lutando em pé de igualdade com os despertos (ou se preferir o seu termo mais cool; Okiagaris), ao ponto de não sabermos ao certo quem é a presa e quem é o predador. Claro que os humanos estavam bem servidos com a versão do Chuck Norris no anime, falo de um dos melhores personagens que já pude ver em animes, o médico Toshio Ozaki e seu ajudante Tomio Ookawa. Fora o fato dos shikis terem se mostrado mais frágeis do que eu imaginava, o que sem dúvida é mais um atrativo pra narrativa, não se tornando um simples conto de “bem VS mal”. Não há aquela manipulação comum em obras que retratam algo trágico. Shiki força o telespectador a decidir por si próprio a escolher de qual lado ficar e qual justificativa é mais plausível.


No episódio 20 do anime, vemos a guerra entre eles, mas ai, já com os humanos com uma enorme vantagem sobre os shikis e a narrativa se foca justamente nesse massacre, sob a perspectiva humana. Se neste episódio mostrado no anime, já fica evidente um certo descontrole humano em lidar com a situação, chegando ao ponto de começar a matar indiscriminadamente. O OVA bota ainda mais sal na ferida, só que dessa vez sob a ótica dos vampiros. Quem protagoniza o 20.5 de Shiki é Nao Yasumori, uma das personagens que aparece logo no inicio e acaba virando alvo da “epidemia”. Ela, juntamente com outros vampiros, se escondem no esgoto da cidade, como citado no episódio 20 no anime. Não chega a ser citado, mas ela teve uma infância terrível, com pais alcoólatras que a negligenciavam. Sua vida muda, quando ela se casa com Mikiyasu e juntos têm um filho chamado Susumu. Depois de morrer, ela retornou como vampiro e começou a matar os membros de sua família, um por um, para que juntassem a ela, como “mortos-vivos”.



Ai começa o drama de Nao, que esperava dar a vida eterna aos seus familiares, mas nenhum deles retornou do mundo pós-vida. No inicio do OVA vemos um pequeno prólogo, dela ainda humana, feliz e cheia de planos, enquanto conversava com Hasegaya e sua esposa. Isso foi importante para dar uma profundidade maior ainda na emocionante seqüência final do OVA, assim como no decorrer ela sendo perturbada por “fantasmas” de sua familha e se agarrando á unhadas para sobreviver. O ambiente desse OVA é meio claustrofóbico e permeado de dilemas morais. No livro A Escolha de Sofia, de William Styron, uma prisioneira polonesa em Auschwitz recebe um “presente” dos nazistas: ela pode escolher, entre o filho e a filha, qual será executado e qual deverá ser poupado. Dilemas morais, como em A Escolha de Sofia, são situações nas quais nenhuma solução é plenamente satisfatória. São encruzilhadas que desafiam todos os conceitos morais, que tentam criar regras para decidir o que é certo e o que é errado.


O segundo OVA, se foca em Motoko Maeda, que para a alegria de todos os seus fanboys, teve enfim, seu merecido destaque em Shiki. Imaginava que ela tivesse sido esquecida de vez na adaptação e muito contente fiquei quando vi o preview deste OVA. Gostei da forma como o recurso foi usado, já que no mangá essa história acontece de forma linear. Se o primeiro nos trouxe as questões de dilemas morais, este retrata de forma intensa o abalo que a guerra entre shikis e humanos provocou na vida dos moradores do vilarejo. É retratada a desconstrução de Motoko, de uma dedicada mãe á uma mulher insana e louca em meio a todo o caos. A psicose de Motoko, me lembra bastante o drama do protagonista do filme Um dia de Fúria, onde um homem desempregado chega ao seu limite durante o congestionamento. Gostei muito do resultado final e sua progressiva loucura, resultante tanto da pressão familiar, quanto do choque ao ver seus filhos, Shihori e o Shigeki, sendo vitimas da “epidemia” e não encontrar nenhuma ajuda. A cena dela (que inclusive foi mostrada no anime) na banheira com seu filho no colo, já em estado de putrefação, visualmente falando é assustadora.



Ao contrário do primeiro OVA, este começa sua narrativa já nos primeiros episódios, com todos ainda não sabendo nada a respeito dos shikis e a estranha epidemia de mortes permanecia um mistério. Basicamente, a história foi toda recontada pelo ponto de vista dela, com o OVA chegando ao seu final, já abordando os últimos instantes do conflito em Sotoba. Foi quase épica vê-la caminhando por cada cena mostrada no anime e cada personagem que sucumbiu na guerra. Motoko já não dizia coisa com coisa e sempre repetindo frases sem sentido, como “hat old bastard... that old bastard”, alcançando um estado doentio de psicose. Achei surtante, dramático e muito bem caracterizado, ela parecia estar possuída por Oyashiro-sama. Mas talvez o principal destaque desse OVA, seja o fato de ter recuperado uma das pontas soltas do anime, que foi toda a floresta ter começado a pegar fogo e não sabermos como tudo começou. O OVA resolve isso e de forma competente e por assim dizer, trágica.



Também abordam sobre os moradores estarem abrigando familiares despertados dentro casa. Vemos isso através de Yano Kanami, que abriga sua mãe e se exclui socialmente, vivendo presa com ela dentro de casa e a alimentando com seu sangue. Foi bacana poder ver tudo se juntando, desde o momento em que as moradoras batem na porta dela no episódio 21 do anime, e no OVA vermos que o motivo dela não atender e estar reclusa, foi o retorno de sua mãe do mundo dos mortos. Bem melancólico e bem destacado esse outro lado humano, mais apegado e mais sentimental. Como disse, é realmente é uma pena ser só 2 especiais, tendo em vista a quantidade enorme de personagens que Shiki possui e não tiveram seu destaque, porque simplesmente não daria mesmo.



A arte é incrível e a qualidade técnica, como não poderia deixar de ser, está impecável. Com personagens e seus exóticos cabelos muito bem desenhados e suas emoções são bem emuladas, passando emoção. O cenário está bem detalhado, assim como na versão anime e a trilha sonora continua tão boa quanto, ajudando ainda mais na atmosfera perturbadora e dramática. Pode não ser o que se esperava inicialmente, mas o diretor Hayato Nakata foi muito feliz na abordagem e seu trabalho de direção, ainda que tenha tido algumas falhas no anime tv, foi extremamente contundente nesses OVAs. A obra da diva, Fuyumi Ono, foi muito boa em sua versão animada e esperamos ver mais obras dela adaptada, pois manda muito bem. E assim Shiki acaba, sentiremos saudades, não é!? Afinal, tá faltando mais terror e cor nessa salada.