E eu achando que iria escrever pouco!
Apesar de ser facilmente o meu episódio preferido, talvez ao
lado do anterior, que me deixou ovulando mais pelo fight à lá Dragon Ball entre Satsuki e Ryuuuko do que qualquer coisa, eu fiquei pensando se queria ou
não escrever sobre este episódio 4. Hey, a dúvida é justificável.
Escrever sobre Kill la Kill é uma tentativa de analise
contextual e este episódio não parece ter muito o que extrair dele. Mas ai eu
lembrei da ode trokawaii de Panty & Stocking (do mesmo Imaishi e CIA Ltda.) de uma série igualmente de baixo
orçamento no entanto muito criativa em seus desenhos cartunizados – o que não
impediu a série de fazer várias inversões ao passar dos episódios. Como em um que
se passa numa escola americana típica daqueles seriados infanto-juvenis, ou num
dos episódios mais emblemáticos da série que contou com a presença do animador Osamu Kobayashi, que alterou o estilo de character design cartunescamente kawaii
para uma arte mais realista, mas igualmente estilizada. Que alias, lembrava
muito o estilo de animação francesa. E
se tratava do mesmo Osamu Kobayashi responsável pelo, que dizem, catastrófico
episódio 4 de Gurren Lagann, também do Imaishi.
Dessa vez não há Kobaishi, mas, dizendo o obvio, esse
episódio traz nem tão sutis alterações artísticas. Além de claro, o episódio
mais barato até então, lembrando a animação flash de outra produção do Imaishi:
o trash Inferno Cop. Okay, o que importa é a direção criativa!!
Ai você olha pra isso em Panty & Stoking e percebe que
nada mudou no estilo do diretor, do Gainax ao Trigger.
Já devem ter notado que séries de metaficção japonesa nem
sempre conseguem fugir de referências americanas. Isso fica mais estreito quando fazem
referências a outras séries japonesas antigas. A influência americana no Japão quando
este se abriu para o mundo tem um peso enorme em seu desenvolvimento cultural (Bloody Ukiyo-e - De Yoshitoshi à Suehiro Maruo); do anime e mangá como conhecemos hoje, a influencia militarista
nos uniformes escolares.
***
Começando por Tezuka e seu primeiro anime comercial exibido
em horário comercial inaugurando os animes na tv. Afinal, este é um episódio
com a direção artística e nonsense típico dos cartoons americanos com seu
clássico humor pastelão. Como os clássicos Looney Tunes e Tom & Jerry. O
que há pra se falar sobre esses cartoons clássicos é que estouraram no pós “idade
de ouro” da animação (mais ou menos de 1928
a meados de 1950), o que ficou conhecido como os anos negros da animação.
Foi quando a animação limitada foi a única forma de continuar a criar em meio
a crise, com os estúdios Hanna-Barbera revivendo a técnica que deu inicio à animação
quadro-a-quadro. Que por sua vez é a base da animação japonesa [que a utiliza
de uma forma mais pobre].
Eu acho que isso é o que fazem episódios assim ficarem mais
legais. Porque é claro que studio Trigger colocou este episódio como um
suspiro entre o anterior e o próximo, por aquele ter exigido um pouco mais da
pequena equipe. Tem menos movimentos do que deveria (risos), mas é uma boa referência àquilo que influenciou tão largamente
não só o inicio da animação japonesa como conhecemos hoje, mas todo um estilo
dos anos 70 a 80 quando os animadores se cansaram de só fazer animes de mangás do
Tezuka.
Mas o ponto a se alcançado é...
Essa referência ao filme Pulp Fiction – Tempo de Violência (1994), que também é uma referência ao seu
gênero, não é por acaso. Cartoons como Looney Tunes e Tom e Jerry (este possui uma paródia nos Simpsons,
chamada ‘Comichão e Coçadinha’, que mostra uma perspectiva hiperviolenta de
como a série sempre foi vista) sempre sofreram com acusações [e perseguições]
de setores conservadores e dos pais. Recentemente alguns episódios de Tom &
Jerry foram censurados pelo Cartoon Network, mas essa perseguição sempre
ocorreu. Da mesma forma que os setores conservadores japoneses perseguiam a
hipersexualização e violência em obras destinadas às crianças (entre muitos autores, Kazuo Umezu foi um
que também adorava ultrajar os pais e o conservadorismo)
Evidentemente, naquele contexto havia um motivo, ainda que
inconsciente, para tanto choque moral. Tanto americano quanto japonês. Falando
do americano, os setores da sociedade estavam mudando rumo a uma nova realidade,
enfrentando crises necessárias para a evolução social, tal qual ocorre
atualmente no Japão (barulho, repercusão, revolta - e ao contrário do que podem dizer; não, a saída não é fazer com que as
mulheres deixem de saírem pra trabalhar e ou parar de incentivar sua independência.
Estão apenas vivendo um efeito tardio que já ocorreu em qualquer sociedade um
pouco mais justa entre os gêneros), em que era necessário rever muitos
conceitos. As mudanças estavam ocorrendo há anos, mas explodiu nos anos 70 – período
conhecido como a segunda onda do feminismo que desafiava a hegemonia masculina,
aumento da instabilidade econômica, a percepção de ganhos por pessoas de cor
negra em detrimento da classe trabalhadora branca. Enfim, isso é apenas um
rascunho contextual, então não vou ir mais fundo, embora seja muito mais
complexo.
Como em qualquer sociedade, a melhor forma de perceber as
mudanças é na sua produção cultural. Por exemplo, os filmes Noir, das décadas de
1940 e 1950, são entendidos por estudiosos de cinema como reflexo do desempoderamento
dos homens que voltavam pra casa depois da Segunda Guerra Mundial (como sabem, as mulheres tiveram que “abandonar”
o lar e sair para trabalharem na ausência dos homens – provando que há males
que fazem muito bem) e descobrindo que as mulheres havia deixado a esfera
domestica e abraçado os trabalhos comerciais numa quantidade alarmante.
Assim, da mesma forma que sugiram filmes que abordavam o conflito
entre as responsabilidades familiares e necessidades pessoais, como Thelma e
Louise (1991), o que predominava era
a fantasia escapista pela ótica masculina; uma abordagem que glorificava a
violência, um herói solitário, bruto. Seu corpo tinha cicatrizes de batalha que
removiam qualquer traço de erotismo que pudesse induzir o olhar feminino.
Não é como se sentassem e bolassem essas coisas. É uma
tendência inconsciente que refletia o estado da sociedade naquele momento,
afinal, uma indústria procura sempre um publico alvo; e só existirão coisas
para ele se ele existir; e ele só existe aos olhos da indústria se consumir.
Como ocorreu no boom das colegiais japonesas nos anos 1980, quando passaram a
ditar tendências; enquanto o país se encontrava em recessão devido à depressão econômica,
com todos gastando o mínimo, elas, sempre consumistas, compravam tudo que viam
pela frente. Obviamente, o mercado as amava. Ou no ressurgimento de Akihabara
que cresceu devido a demanda otaku dos 1980 para os anos 90. Por essas e outras,
os anos 1980 foram tão explosivos e diversificados culturalmente em todo o
mundo. Dizem que foi a ressaca!
Voltando à temática da violência, a psicologia a vê tanto como
um instinto auto defensivo quanto para medos e inseguranças interiores.
Acredito que a violência se reproduz pela violência que surgem de nossas fraquezas
internas. Das reações de Tom às ações de Jerry ao modo como o conselho da
Academia Honnouji trata os menos privilegiados, num belo reflexo de regimes
totalistaristas/militares, que usam do método de coação violenta, para sufocar
eventuais revoltas e manter a soberania pelo meio do medo. Ou seja, o respeito
pelo medo.
O que é ou não violência depende do contexto social aplicada
a determinada ação. Violência pode ser relacionado à lutas por sobrevivência,
mas o seu peso é determinado pelo contexto aplicado pelas partes interessadas.
Como numa guerra, onde é permitido cometer assassinatos porque quem está do
outro lado são seus inimigos. Então tudo bem. Acaba sendo sim bem interessante
a abordagem do episódio e a reação de normalidade dos personagens ao que lhe
são impostos.
Lembra o segundo episódio, em que Ryuuko fica chocada pelo
regime de imensa pobreza imposto a eles e o modo natural como sua amiga Mako
acaba se comportando. O respeito é mantido com base na subordinação punitiva e
tal violência se tornou tão banalizada que não espanta mais. É apenas normal.
Novamente relaciono a essência de Ryuuko ao icônico Joe (Ashita no Joe), representante da
classe menos favorecida, dos pobres, que usa de violência contra a violência
que lhes agride. Ryuuko sofreu uma extrema violência ainda na infância e pelo
modo que se comporta, não teve uma infância tão diferente de sua amiga Mako.
Agora ela usará a mesma violência contra aquele que assassinou seu pai.
***
Fora que essa competição estabelecida pelo comitê disciplinar
de Honnouji joga como uma alusão à competitividade paradoxalmente individual e
coletivista das escolas japonesas em sua rigidez disciplinar. Em Angel Beats! temos um dos melhores exemplos de escola como reflexo da sociedade. E em
Solanin podemos ver os efeitos em quem tenta olhar por uma perspectiva
diferente.
Também digno de nota o uniforme escolar e sua profunda
ligação com um passado militarista. Um dos uniformes mais sisudos é chamado de gakuran,
com golas altas, inspirando no exército prussiano do século XIX.
Conotativamente utilizado em animes e mangás por pessoas más ou ambíguas. Ao
contrário dos uniformes sailors, sua aparência sempre se mantém sisuda e formal
de uma escola para outra, remetendo a tradicionalismo. E esse uniforme gakuran
lembra muito o utilizado pelos alunos masculinos e conselho estudantil na
Academia Honnouji. Aliás, é sensacional como estabelecem a hierarquia. Interessante
que as alunas com menor hierarquia, não possuem muito destaque, usam uniformes
sailor, menos densos ou ambíguos; com exceção de Maiko (foto acima) que usa
essa abordagem amigável para se aproximar de Ryuuko e Mako.
***
Essa semana apareceu um post esclarecedor no tumblr sobre essa questão dos uniformes e como a série brinca com trocadilhos, com o conceito da nudez, ao mesmo tempo em que brinca com conceitos de gênero das séries que satiriza.
Vou traduzir aqui para aqueles que não possuem domínio do inglês:
a) Em japonês せいふく (seifuku) significa tanto uniforme como subjugação/conquista.
b) Em japonêsファッション(moda) e ファッショ(fascismo) são escritos em quase exatamente da mesma maneira.
No mundo de Kill la Kill, a roupa é a fonte de energia dos antagonistas..., mas também o meio pelo qual eles são controlados. A sociedade em Honnouji é classificada pelo tipo de roupa que vestem; um tipo de roupa que têm sido impostas por uma autoridade que os chama de "porcos adornados com roupas". As roupas que vestem os forçam a um papel que não podem escapar. Vestuário é análogo ao que a sociedade espera, mantendo uma autoridade sobre o indivíduo. A ideia por trás dos caras perdedores da Honnouji que fazem Ryuuko sentir vergonha com a ideia de nudez era fazer um representação visceral e fácil de entender sobre a ideia de que o único significado da roupa além daquele que lhe é dado pelo indivíduo é determinado pela sociedade: eles estão reforçando a regra do modo de se vestir e fazendo Ryuuko perceber o que é necessário [para vencer].
Não é que Ryuuko tem que aceitar ser olhada pelas pessoas de Honnouji, não é que ela tem que aceitar vestir uma fantasia absurdamente curta. Ela não está vestindo um traje em primeiro lugar, a ideia é que, a fim de derrotar o conceito de vestimenta, ela tem que ficar nua. Ela não aceita suas regras, ela vai além de suas regras. As regras da Academia indicam que a roupa significa status... e tornando-se nua, ela vai além de sua própria classificação de status. Kamui é escrito com o kanji de Deus e pano... mas que roupa um Deus veste? Nenhuma. A roupa é um conceito inerentemente humano. A fim de transcender a humanidade e ganhar o poder de Deus, Ryuuko e Satsuki removem suas roupas. Eles se tornam mais do que humano por ficarem nuas. As imagens, tanto na OP e ED fazem analogia entre a roupa e "a gaiola da sociedade". Mais do que evidente: os fios que compõem as roupas de Ryuuko na ED estão dispostos como se formando gaiola e os fios vermelhos possuem a alusão de serem compostos pela sociedade durante as cenas em que mostram pessoas vermelhas de mãos dadas e se tornando uma imensa estrutura de gaiola. Eu não preciso mencionar que na cena de transformação esta gaiola vermelha é literalmente desintegrada quando elas ficam nuas.
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-KILL la KILL – Sexualidade Reprimida
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