quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

I Am A Hero: Zumbies & Alucinações no Taisho Awards 2012



Dessa vez eu não pretendo fazer uma review tradicional, mas comentarei um pouco mais afundo sobre o mangá I Am A Hero, de Kengo Hanazawa. A ideia de falar sobre este mangá, surgiu após ser divulgada a lista dos mangás que estão concorrendo ao “Manga Taisho Awards 2012” (também conhecido como Cartoon Grand Prize) e ver que ele estava incluso na disputa. Fiquei contente, afinal, I Am A Hero é um mangá muito bacana e bem diferente do que estou acostumada a ler, fora que Kengo Hanazawa é um autor que merece ser divulgado.  Os candidatos ao prêmio precisam ter menos de 8 volumes publicados no Japão e devem ser obras recentes. A seleção é feita por funcionários de livrarias especializadas no Japão e dos 15 títulos apenas 3 sairão vencedores, respectivamente, primeiro, segundo e terceiro colocado. Por ser uma lista bem restrita e com um certo grau de exigência sobre o tipo de obra a ser escolhida para concorrer, acaba sendo também uma boa oportunidade de conhecer bons títulos voltados para o público adulto. O vencedor dessa edição será escolhido e anunciado em Março desse ano e a titulo de curiosidade, o vencedor da edição anterior foi Sangatsu no Lion, de Chika Umino (ótimo mangá, da mesma autora de Honey & Clover). Gaku – Minna no Yama de Shinichi Ishizuka (que desconheço), Chihayafuru de Yuki Suetsugu (não leio o mangá, mas o anime é excelente e já estou completamente viciada nas partidas de Karuta), e Thermae Romae de Mari Yamazaki (só conheço por fama) ganharam as primeiras edições do “Manga Taisho” em 2008, 2009, e 2010, respectivamente. 

I Am a hero
  1. I Am A Hero, Kengo Hanazawa 
  2. Aku no Hana, Oshimi Suuzou 
  3. Silver Spoon, Hiromu Arakawa 
  4. Gurazeni, Yuuji Moritaka e Keiji Adachi 
  5. Getenrou, Masakazu Ishiguro 
  6. Shigatsu wa Kimi no Uso, Naoshi Arakawa 
  7. Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu, Haruko Kumota 
  8. Dai Tokyo Toy Box, Ume 
  9. Takasugi-san Chi no O-bentou, Nozomi Yanahara 
  10. Tonari no Seki-kun, Takuma Morishige 
  11. Drifters, Kouta Hirano 
  12. 25ji no Vacance, Haruko Ichikawa 
  13. Nobunaga Concerto, Ayumi Ishii 
  14. Hibi Rock, Katsumasa Enokiya 
  15. Hoozuki no Reitetsu, Natsumi Eguchi


Comentando um pouco sobre alguns títulos que eu conheço, temos Aku no Hana (Flowers of Evil), de Oshimi Suuzou – Um mangá sensacional, que tive o prazer de conhecer e começar a ler no ano passado, que tem como tema, a sociopatia, algo que eu adoro. Quem me segue no twitter a um bom tempo, devese lembrar de uma imagem que postei do mangá. Na história, Takao Kusuga rouba uma peça de roupa íntima de ginastica de uma colega de classe, ao qual é apaixonado. Só que, ele é flagrado pela garota mais estranha da escola, no exato momento em que estava cheirando a peça intima. Desde então, ele começa a ser chantageado por ela, que o usa como objeto de suas perversões. Sei que parece ser uma sinopse de uma história ecchi padrão, mas neste caso, nem é o foco – Centra se mais no lado psicológico e no conceito de personagem sociopata. Até o momento, possui 5 volumes imperdíveis, que são fáceis de ser tragados em apenas uma sentada. Não vou me alongar, deixarei este para comentar em algum post futuro.

Aku no Hana

Silver Spoon, de autoria de Hiromu Arakawa, famosa pelo seu Fullmetal Alchemist, mas que dessa vez resolveu fugir do shounen e investir em algo para o público maduro. O blog parceiro Radix [Silver Spoon - Superações, amizades e... agricultura??], fez uma resenha do mesmo, ao qual recomendo a leitura.

E por último, Drifters, de Kouta Hirano. Caso não se lembrem, Kouta Hirano é o criador do mangá de Hellsing, o vampiro badass mais amado e odiado em algum tempo. Nesse novo mangá, personagens históricos são transportados para um mundo desconhecido, habitado por estranhas criaturas, como Elfos e anões. Lá, suas habilidades e técnicas são necessárias para salvar aquele mundo da destruição total. É algo meio Type-Moon, onde figuras histórias que são invocadas para guerrear.

E finalmente...

I Am a Hero: Alucinações, Zumbis & Mangakas em um mundo pós-apocalíptico!


Mostrando algumas imagens desse mangá no twitter, comentaram comigo sobre ser uma mistura meio louca de “Bakuman + H.O.T.D. + Humunculus” – E não é que é exatamente isso? Mas algo tão peculiar, só poderia ter surgido da mente de Kengo Hanazawa. I Am a Hero é uma série da revista Big Comic Spirits, da editora Shogakukan, uma revista com demográfico seinen e assim sendo, voltado para o público adulto. Kengo Hanazawa até o momento têm retratado suas series sob o ponto de vista de um otaku, alguém meio deslocado do mundo, o que talvez dê uma má impressão. Afinal, muitas revistas no Japão, mesmo que voltadas para o publico adulto, são apenas teoricamente seinens. Aquele tipo de seinen mais cool, voltado para os jovens, repleto de gore e tetas enormes. Mas a abordagem de Kengo Hanazawa lembra mais um mangá como Welcome to the NHK (Bem vindo à NHK), mas de uma forma menos doentia, porém mantendo todo o humor negro da série citada. E seus personagens também são sempre de meia idade. É assim em BOYS ON THE RUN, onde um homem de 27 anos segue a tediosa rotina de engravatado de escritório, mas em determinado resolve correr atrás do seu sonho de se tornar boxeador. Já em Ressentiment, vemos um homem de meia idade que tem como único refugio, os jogos eroges.

Em I Am a Hero, novamente ele trás essa faceta otaku, com a incapacidade de se relacionar com outras pessoas e volta e meia solta uma ironia sobre o moe. Só de bater o olho em seu traçado, já se percebe que ele não é adepto do moe e através dos diálogos de personagens, especialmente em Ressentiment e I Am a Hero, a metalinguagem utilizada para abordar a questão é incrível. Mas I Am a Hero vai muito mais além, chegando aos extremos. Como eu já havia pegado alguns spoilers, a cada capítulo eu ia ficando mais impaciente com essas discussões, pois aquele cenário estava completamente longe do que eu havia imaginado ao ler uma sinopse da série um tempo atrás. Imagino que, para quem vá pegar este mangá para ler, sem pegar quaisquer spoiler, o impacto seja ainda mais forte e surreal. Imagine você, assistindo Bakuman e do nada, a Miho vira um yandere louca e insana, matando e torturando todo o elenco de personagens. Imaginou? Então, é exatamente isso que Kengo Hanazawa nos oferece com seu I Am a Hero.


Hideo Suzuki é um otaku de 35 anos que trabalha como assistente de um ero-mangaka, na editora Shokagukan. Eu me senti inserida no universo de Bakuman, só que de uma perspectiva muito mais madura e nas locações da Shogakukan, ao invés da Shueisha. E Hanazawa não teve pressa alguma na construção do seu protagonista, ambientando o leitor naquele universo e suas discussões sobre a influência do mangá no mundo, mangakas que abrem mão dos ideais e sucumbem ao moe e elementos clichês em prol do sucesso instantâneo – para depois tira-lo de sua zona de conforto. E apesar de Hideo já ter uma elevada idade, possui apenas um mangá publicado e busca inspiração para um próximo. Hanazawa faz uma introdução tão lenta e reflexiva, que poderia ser perigoso para a estrutura central da história e afastar eventuais leitores, mas ele consegue desenvolver de uma forma tão envolvente, que é difícil não se importar com Hideo. Em determinado capitulo, Hideo senta com o editor, onde ambos começam a discutir a sobre sua virtual, futura série. Ele apresenta uma proposta de uma história com personagens originais, ao qual logo é persuadido a fazer modificações, como alterar a personalidade do personagem, para algo mais vazio com que os otakus pudessem se identificar e inserir moe-blob no contexto da história, para que esta ficasse atrativa comercialmente. Ao hesitar, o editor questiona sobre sua idade e a possibilidade dele ser assistente pelo resto da vida.

Seria um dramalhão, se não fosse o humor negro da série. Hanazawa fez um protagonista, que sozinho, consegue levar por 7 edições, um mangá nas costas, contando apenas com um pequeno e descartável elenco de personagens para compor o fundo das tramas. Hideo é um sujeito patético. Excêntrico. Seria o tipo de personagem que vive sua vida pacata e tediosa, sem nenhum evento incomum, se não fosse um detalhe: Ele alucina. Muito. Até o atual volume, não é explicado, mas provavelmente Hideo tem um pequeno desvio mental, sendo quase sempre atormentado por falsas visões. Mas ele consegue distinguir bem o que é real, de fantasia. Bom, pelo menos é o que ele pensa. Logo à frente, essa duvida plantada, não apenas no personagem, mas também em quem lê se tornará ainda mais recorrente. Inclusive, a história começa ilustrando bem esse ponto já no primeiro capítulo. Hideo é obsessivo com a questão de segurança e mesmo em uma cidade com baixa taxa de criminalidade como Tóquio. Na primeira página, temos Hideo chegando em seu apartamento, mas com uma cautela anormal, onde a porta possui uma sistema de segurança incrível.

Quando ele entra no apartamento, ele faz uma dancinha para lá de bizarra e aparenta estar em um estado paranoico. Outro ponto a se destacar, é o incrível desenho de Hanazawa, que tem uma habilidade artística de dar agua na boca. Tinha páginas em que eu ficava por longos minutos, só apreciando a arte e cada detalhe presente ali (e não é que o character designer de seus personagens seja bonito. Seus personagens não possuem uma beleza anormal. São retratos de pessoas comuns e isso ajuda a passar o tom realístico que suas séries propõem). Nessas primeiras páginas mesmo; Hideo dança, e Hanazawa lhe da páginas inteiras. Hanawa usa essa técnica ao longo de toda a história, abrindo panoramas, personagens, mesmo um pequeno detalhe acaba ganhando um grande foco, às vezes tomando uma página dupla inteirinha. Me lembrou um pouco o mangá de Gon (resenhado no Mangás Underground) e sua incrível arte de se expressar sem nenhum dialogo ou balão, apenas desenho. E Hanazawa não se utiliza desse recurso apenas em momentos cruciais da história, ele parece querer fisgar a atenção do leitor para ponto e faze-lo perder longos segundos apreciando o cenário. E quando são personagens, veículos em movimentos ou animais, a sensação que se tem é que a qualquer momento irão saltar pra fora da página. E destaco a sutileza utilizada, pois ele sempre nós da uma pista do que virá em seguida, mas de uma forma nem sempre perceptível no primeiro olhar. Detalhe para o capitulo onde Hideo está sendo perseguido por um personagem e do nada um avião em queda livre passa, arrancado à cabeça do mesmo. Ou, quando aparece o primeiro caso de anomalia e não sabemos ao certo como lidar com aquilo (o que vem à mente é “WTF?”) – Fora que tudo ocorre quase que em "slow motion".

1,2,3

Voltando ao ponto de inicio, Hideo é completamente paranoico. Tão obsessivo, que ele tem uma arma de fogo de cano longo, e quando as alucinações ficam mais intensas, ele faz um circulo de “proteção” em volta de seu mangá e ainda mantêm amizade com um garoto, que se você não prestar bem atenção na história, achará que faz parte do convívio de Hideo, mas que na realidade não passa de um delírio. Mas se engana quem acha que Hideo por ter um comportamento fora comum, é recluso e introvertido. Ele até uma namorada, aTekko, e ambos possuem uma química bem genuína, além de se parecerem com qualquer pessoa que se encontra pela rua, de tão normais que são. 

Ai você pergunta, “onde está a anormalidade de I Am a Hero, pra ser uma referência de H.O.T.D?”. Bem, eu não vou soltar spoilers além do necessário, mas só é preciso saber que tudo acontece de uma forma aparentemente inesperada. Quer dizer, inesperado para os personagens, pois Hanazawa ao longo dos capítulos (desde o primeiro capitulo, até o final do primeiro volume, onde a “bomba” explode – Com incidentes misteriosos, crianças e adultos mordendo outras pessoas e a população de um modo geral, começando a usar mascara, como que tentando evitar algum vírus), vai sutilmente mostrando pequenos quadros de anomalia – Que no meu caso só me deixava mais ansiosa e confusa, por já ter conhecimento de que se tratava de uma história de zumbis. Isso tendo em vista, que I Am a Hero, se consistente em um slice of life adulto, com questões inerentes a esse público, como a obsessão da namorada de Hideo com seu ex-namorado, que por um acaso, também é mangaka, até inseguranças profissionais, convívio delicado com colegas de trabalho e falta de confiança em si mesmo, como mangaka. Tudo isso, acaba abalando sua sanidade mental. 


Mas ao mesmo tempo, Hanazawa faz uma progressão na trama, indo do contexto cotidiano, ao do horror trágico e psicológico. É simplesmente surtante a forma como ele mostra com tanta delicadeza, aquele cenário pós-apocalíptico, onde perdas são inevitáveis. Não cheguei a chorar em nenhum momento, mas me senti profundamente tocada em vários quadros. A sensação é de estar se assistindo um filme trágico. E Hideo é protagonista ideal para uma trama de apocalipse zumbi. Ele fica tão aturdido como o leitor e se pergunta se aquilo tudo, não será apenas fruto de seu delírio. Ele corre, ele se desespera, tem medo, grita; “Eu sou o herói da minha vida” (afinal, o caractere Herói, é o mesmo de Hideo), ele diz. Sensacional a parte onde ele trava começa a ser perseguido por um zumbi e no meio do caminho, carros desgovernados, aeronaves indo de encontro a edifícios, gente se digladiando com zumbis, gente caindo de sacadas enormes e ele passa por tudo isso, como se tivesse correndo com destino certo.

A anomalia acontece por causa de um vírus denominado ZQN, que transforma as pessoas em legítimos mortos vivos famintos por carne humana. E os zumbis realmente são aterrorizantes e ágeis, rápidos como cães e flexíveis. E eles vêm em variadas formas, o que é bem curioso por nem sempre manterem a aparência que tinham quando vivos. Não há sinal de cura e está longe de seguir uma narrativa similar a do seu irmão, H.O.T.D, tendo como ponto comum, apenas o cenário pós-apocalíptico e seus personagens em uma fuga que parece ser sem fim. E cada um, faz de melhor, aquilo que se propôs a desenvolver. A escrita de Hanazawa é bem perspicaz e até o momento, conseguiu levar a trama sem perder o gás, mas mantenho uma enorme curiosidade de como isso irá acabar. Certamente, por possuir uma linguagem mais madura, talvez não encante ao apreciador normal do gênero zumbie, mas adrenalina e emoção não falta em I Am a Hero. Minha torcida é sobre este mangá (e Aku no Hana, apesar de não parecer ser o tipo de mangá que cidadãos japoneses comuns, escolheriam como ganhador, por sua forte pegada otaku hardcore), mas independente de prêmios, é uma história que merece ser apreciada.