Dessa vez eu não pretendo fazer uma review tradicional, mas
comentarei um pouco mais afundo sobre o mangá I Am A Hero, de Kengo Hanazawa. A ideia de falar sobre este mangá,
surgiu após ser divulgada a lista dos mangás que estão concorrendo ao “Manga Taisho Awards 2012” (também conhecido como Cartoon Grand Prize)
e ver que ele estava incluso na disputa. Fiquei contente, afinal, I Am A Hero é
um mangá muito bacana e bem diferente do que estou acostumada a ler, fora que
Kengo Hanazawa é um autor que merece ser divulgado. Os candidatos ao prêmio precisam ter menos de
8 volumes publicados no Japão e devem ser obras recentes. A seleção é feita por
funcionários de livrarias especializadas no Japão e dos 15 títulos apenas 3
sairão vencedores, respectivamente, primeiro, segundo e terceiro colocado. Por
ser uma lista bem restrita e com um certo grau de exigência sobre o tipo de
obra a ser escolhida para concorrer, acaba sendo também uma boa oportunidade de
conhecer bons títulos voltados para o público adulto. O vencedor dessa edição
será escolhido e anunciado em Março desse ano e a titulo de curiosidade, o
vencedor da edição anterior foi Sangatsu
no Lion, de Chika Umino (ótimo
mangá, da mesma autora de Honey & Clover). Gaku – Minna no Yama de
Shinichi Ishizuka (que desconheço),
Chihayafuru de Yuki Suetsugu (não leio o
mangá, mas o anime é excelente e já estou completamente viciada nas partidas de
Karuta), e Thermae Romae de Mari
Yamazaki (só conheço por fama) ganharam
as primeiras edições do “Manga Taisho” em 2008, 2009, e 2010, respectivamente.
I Am a hero |
- I Am A Hero, Kengo Hanazawa
- Aku no Hana, Oshimi Suuzou
- Silver Spoon, Hiromu Arakawa
- Gurazeni, Yuuji Moritaka e Keiji Adachi
- Getenrou, Masakazu Ishiguro
- Shigatsu wa Kimi no Uso, Naoshi Arakawa
- Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu, Haruko Kumota
- Dai Tokyo Toy Box, Ume
- Takasugi-san Chi no O-bentou, Nozomi Yanahara
- Tonari no Seki-kun, Takuma Morishige
- Drifters, Kouta Hirano
- 25ji no Vacance, Haruko Ichikawa
- Nobunaga Concerto, Ayumi Ishii
- Hibi Rock, Katsumasa Enokiya
- Hoozuki no Reitetsu, Natsumi Eguchi
Comentando um pouco sobre alguns títulos que eu conheço,
temos Aku no Hana (Flowers of Evil),
de Oshimi Suuzou – Um mangá sensacional, que tive o prazer de conhecer e
começar a ler no ano passado, que tem como tema, a sociopatia, algo que eu
adoro. Quem me segue no twitter a um bom tempo, devese lembrar de uma imagem
que postei do mangá. Na história, Takao Kusuga rouba uma peça de roupa íntima
de ginastica de uma colega de classe, ao qual é apaixonado. Só que, ele é
flagrado pela garota mais estranha da escola, no exato momento em que estava
cheirando a peça intima. Desde então, ele começa a ser chantageado por ela, que
o usa como objeto de suas perversões. Sei que parece ser uma sinopse de uma
história ecchi padrão, mas neste caso, nem é o foco – Centra se mais no lado psicológico
e no conceito de personagem sociopata. Até o momento, possui 5 volumes imperdíveis,
que são fáceis de ser tragados em apenas uma sentada. Não vou me alongar, deixarei
este para comentar em algum post futuro.
Aku no Hana |
Silver Spoon, de autoria de Hiromu Arakawa, famosa pelo seu Fullmetal
Alchemist, mas que dessa vez resolveu fugir do shounen e investir em algo para
o público maduro. O blog parceiro Radix
[Silver Spoon - Superações, amizades e... agricultura??], fez uma resenha
do mesmo, ao qual recomendo a leitura.
E por último, Drifters, de Kouta Hirano. Caso não se
lembrem, Kouta Hirano é o criador do mangá de Hellsing, o vampiro badass mais amado e odiado em algum tempo.
Nesse novo mangá, personagens históricos são transportados para um mundo desconhecido,
habitado por estranhas criaturas, como Elfos e anões. Lá, suas habilidades e
técnicas são necessárias para salvar aquele mundo da destruição total. É algo
meio Type-Moon, onde figuras histórias que são invocadas para guerrear.
E finalmente...
I Am a Hero: Alucinações,
Zumbis & Mangakas em um mundo pós-apocalíptico!
Mostrando algumas imagens desse mangá no twitter, comentaram
comigo sobre ser uma mistura meio louca de “Bakuman
+ H.O.T.D. + Humunculus” – E não é que é exatamente isso? Mas algo tão
peculiar, só poderia ter surgido da mente de Kengo Hanazawa. I Am a Hero é uma
série da revista Big Comic Spirits, da editora Shogakukan, uma revista com demográfico
seinen e assim sendo, voltado para o público adulto. Kengo Hanazawa até o momento
têm retratado suas series sob o ponto de vista de um otaku, alguém meio
deslocado do mundo, o que talvez dê uma má impressão. Afinal, muitas revistas
no Japão, mesmo que voltadas para o publico adulto, são apenas teoricamente
seinens. Aquele tipo de seinen mais cool, voltado para os jovens, repleto de
gore e tetas enormes. Mas a abordagem de Kengo Hanazawa lembra mais um mangá
como Welcome to the NHK (Bem vindo à
NHK), mas de uma forma menos doentia, porém mantendo todo o humor negro da
série citada. E seus personagens também são sempre de meia idade. É assim em BOYS ON THE RUN, onde um homem de 27
anos segue a tediosa rotina de engravatado de escritório, mas em determinado resolve
correr atrás do seu sonho de se tornar boxeador. Já em Ressentiment, vemos um homem de meia idade que tem como único
refugio, os jogos eroges.
Em I Am a Hero, novamente ele trás essa faceta otaku, com a incapacidade
de se relacionar com outras pessoas e volta e meia solta uma ironia sobre o
moe. Só de bater o olho em seu traçado, já se percebe que ele não é adepto do
moe e através dos diálogos de personagens, especialmente em Ressentiment e I Am
a Hero, a metalinguagem utilizada para abordar a questão é incrível. Mas I Am a
Hero vai muito mais além, chegando aos extremos. Como eu já havia pegado alguns
spoilers, a cada capítulo eu ia ficando mais impaciente com essas discussões,
pois aquele cenário estava completamente longe do que eu havia imaginado ao ler
uma sinopse da série um tempo atrás. Imagino que, para quem vá pegar este mangá
para ler, sem pegar quaisquer spoiler, o impacto seja ainda mais forte e surreal.
Imagine você, assistindo Bakuman e
do nada, a Miho vira um yandere louca e insana, matando e torturando todo o
elenco de personagens. Imaginou? Então, é exatamente isso que Kengo Hanazawa
nos oferece com seu I Am a Hero.
Hideo Suzuki é um otaku de 35 anos que trabalha como
assistente de um ero-mangaka, na editora Shokagukan. Eu me senti inserida no
universo de Bakuman, só que de uma perspectiva muito mais madura e nas locações
da Shogakukan, ao invés da Shueisha. E Hanazawa não teve pressa alguma na
construção do seu protagonista, ambientando o leitor naquele universo e suas
discussões sobre a influência do mangá no mundo, mangakas que abrem mão dos ideais
e sucumbem ao moe e elementos clichês em prol do sucesso instantâneo – para
depois tira-lo de sua zona de conforto. E apesar de Hideo já ter uma elevada
idade, possui apenas um mangá publicado e busca inspiração para um próximo.
Hanazawa faz uma introdução tão lenta e reflexiva, que poderia ser perigoso
para a estrutura central da história e afastar eventuais leitores, mas ele
consegue desenvolver de uma forma tão envolvente, que é difícil não se importar
com Hideo. Em determinado capitulo, Hideo senta com o editor, onde ambos
começam a discutir a sobre sua virtual, futura série. Ele apresenta uma
proposta de uma história com personagens originais, ao qual logo é persuadido a
fazer modificações, como alterar a personalidade do personagem, para algo mais
vazio com que os otakus pudessem se identificar e inserir moe-blob no contexto
da história, para que esta ficasse atrativa comercialmente. Ao hesitar, o
editor questiona sobre sua idade e a possibilidade dele ser assistente pelo
resto da vida.
Seria um dramalhão, se não fosse o humor negro da série. Hanazawa
fez um protagonista, que sozinho, consegue levar por 7 edições, um mangá nas
costas, contando apenas com um pequeno e descartável elenco de personagens para
compor o fundo das tramas. Hideo é um sujeito patético. Excêntrico. Seria o
tipo de personagem que vive sua vida pacata e tediosa, sem nenhum evento
incomum, se não fosse um detalhe: Ele alucina. Muito. Até o atual volume, não é
explicado, mas provavelmente Hideo tem um pequeno desvio mental, sendo quase
sempre atormentado por falsas visões. Mas ele consegue distinguir bem o que é
real, de fantasia. Bom, pelo menos é o que ele pensa. Logo à frente, essa
duvida plantada, não apenas no personagem, mas também em quem lê se tornará
ainda mais recorrente. Inclusive, a história começa ilustrando bem esse ponto
já no primeiro capítulo. Hideo é obsessivo com a questão de segurança e mesmo
em uma cidade com baixa taxa de criminalidade como Tóquio. Na primeira página,
temos Hideo chegando em seu apartamento, mas com uma cautela anormal, onde a
porta possui uma sistema de segurança incrível.
Quando ele entra no apartamento, ele faz uma dancinha para
lá de bizarra e aparenta estar em um estado paranoico. Outro ponto a se
destacar, é o incrível desenho de Hanazawa, que tem uma habilidade artística de
dar agua na boca. Tinha páginas em que eu ficava por longos minutos, só
apreciando a arte e cada detalhe presente ali (e não é que o character designer de seus personagens seja bonito. Seus
personagens não possuem uma beleza anormal. São retratos de pessoas comuns e
isso ajuda a passar o tom realístico que suas séries propõem). Nessas primeiras
páginas mesmo; Hideo dança, e Hanazawa lhe da páginas inteiras. Hanawa usa essa
técnica ao longo de toda a história, abrindo panoramas, personagens, mesmo um
pequeno detalhe acaba ganhando um grande foco, às vezes tomando uma página dupla
inteirinha. Me lembrou um pouco o mangá de Gon
(resenhado no Mangás Underground) e sua incrível arte de se expressar sem
nenhum dialogo ou balão, apenas desenho. E Hanazawa não se utiliza desse
recurso apenas em momentos cruciais da história, ele parece querer fisgar a
atenção do leitor para ponto e faze-lo perder longos segundos apreciando o cenário.
E quando são personagens, veículos em movimentos ou animais, a sensação que se
tem é que a qualquer momento irão saltar pra fora da página. E destaco a sutileza
utilizada, pois ele sempre nós da uma pista do que virá em seguida, mas de uma
forma nem sempre perceptível no primeiro olhar. Detalhe para o capitulo onde
Hideo está sendo perseguido por um personagem e do nada um avião em queda livre
passa, arrancado à cabeça do mesmo. Ou, quando aparece o primeiro caso de
anomalia e não sabemos ao certo como lidar com aquilo (o que vem à mente é “WTF?”)
– Fora que tudo ocorre quase que em "slow
motion".
Voltando ao ponto de inicio, Hideo é completamente
paranoico. Tão obsessivo, que ele tem uma arma de fogo de cano longo, e quando
as alucinações ficam mais intensas, ele faz um circulo de “proteção” em volta
de seu mangá e ainda mantêm amizade com um garoto, que se você não prestar bem
atenção na história, achará que faz parte do convívio de Hideo, mas que na
realidade não passa de um delírio. Mas se engana quem acha que Hideo por ter um
comportamento fora comum, é recluso e introvertido. Ele até uma namorada, aTekko, e ambos possuem uma química bem genuína, além de se parecerem com
qualquer pessoa que se encontra pela rua, de tão normais que são.
Ai você pergunta, “onde está a anormalidade de I Am a Hero,
pra ser uma referência de H.O.T.D?”.
Bem, eu não vou soltar spoilers além do necessário, mas só é preciso saber que
tudo acontece de uma forma aparentemente inesperada. Quer dizer, inesperado
para os personagens, pois Hanazawa ao longo dos capítulos (desde o primeiro capitulo, até o final do primeiro volume, onde a “bomba”
explode – Com incidentes misteriosos, crianças e adultos mordendo outras
pessoas e a população de um modo geral, começando a usar mascara, como que
tentando evitar algum vírus), vai sutilmente mostrando pequenos quadros de
anomalia – Que no meu caso só me deixava mais ansiosa e confusa, por já ter
conhecimento de que se tratava de uma história de zumbis. Isso tendo em vista,
que I Am a Hero, se consistente em um slice of life adulto, com questões
inerentes a esse público, como a obsessão da namorada de Hideo com seu
ex-namorado, que por um acaso, também é mangaka, até inseguranças
profissionais, convívio delicado com colegas de trabalho e falta de confiança em
si mesmo, como mangaka. Tudo isso, acaba abalando sua sanidade mental.
Mas ao mesmo tempo, Hanazawa faz uma progressão na trama,
indo do contexto cotidiano, ao do horror trágico e psicológico. É simplesmente
surtante a forma como ele mostra com tanta delicadeza, aquele cenário pós-apocalíptico,
onde perdas são inevitáveis. Não cheguei a chorar em nenhum momento, mas me
senti profundamente tocada em vários quadros. A sensação é de estar se
assistindo um filme trágico. E Hideo é protagonista ideal para uma trama de
apocalipse zumbi. Ele fica tão aturdido como o leitor e se pergunta se aquilo
tudo, não será apenas fruto de seu delírio. Ele corre, ele se desespera, tem
medo, grita; “Eu sou o herói da minha
vida” (afinal, o caractere Herói, é
o mesmo de Hideo), ele diz. Sensacional a parte onde ele trava começa a ser
perseguido por um zumbi e no meio do caminho, carros desgovernados, aeronaves
indo de encontro a edifícios, gente se digladiando com zumbis, gente caindo de
sacadas enormes e ele passa por tudo isso, como se tivesse correndo com destino
certo.
A anomalia acontece por causa de um vírus denominado ZQN,
que transforma as pessoas em legítimos mortos vivos famintos por carne humana. E
os zumbis realmente são aterrorizantes e ágeis, rápidos como cães e flexíveis.
E eles vêm em variadas formas, o que é bem curioso por nem sempre manterem a
aparência que tinham quando vivos. Não há sinal de cura e está longe de seguir
uma narrativa similar a do seu irmão, H.O.T.D, tendo como ponto comum, apenas o
cenário pós-apocalíptico e seus personagens em uma fuga que parece ser sem fim.
E cada um, faz de melhor, aquilo que se propôs a desenvolver. A escrita de
Hanazawa é bem perspicaz e até o momento, conseguiu levar a trama sem perder o
gás, mas mantenho uma enorme curiosidade de como isso irá acabar. Certamente,
por possuir uma linguagem mais madura, talvez não encante ao apreciador normal
do gênero zumbie, mas adrenalina e emoção não falta em I Am a Hero. Minha
torcida é sobre este mangá (e Aku no
Hana, apesar de não parecer ser o tipo de mangá que cidadãos japoneses comuns,
escolheriam como ganhador, por sua forte pegada otaku hardcore), mas
independente de prêmios, é uma história que merece ser apreciada.