Resumo: Jinbe é a
história da relação entre Jinpei e sua enteada, Miku. Sua mãe morreu depois de
se casar com Jinpei, um ano depois, deixando Miku de apenas 13 anos, em sua
guarda. Agora ela tem 17 anos, e com todos esses sentimentos a flor da pele por
seu padrasto, Jinpei, que também é conhecido como Jinbe, um trocadilho, já que
Jinbe significa tubarão-baleia em japonês, e o personagem tem a aparência
assustadora de um tubarão imponente. Jinbe foi serializado numa revista seinen,
de forma irregular entre os anos 1992 a 1997, e ganhou em 1998 um dorama de 11
episódios na Fuji Tv.
Comentários: Mitsuru
Adachi é um autor tradicional, um dos principais nomes ainda vivo e em atividade
do quadrinho japonês, e sua arte é muito reminiscente da cena de 1950 do Japão,
esteticamente muito similar aos quadrinhos americanos. Como pode se ver em
Jinbe, seu layout de página é muito simples, as vezes quadradinho, o traçado em
alguns momentos fica bem cartunesco, seus personagens quebram frequentemente a
quarta parede e suas história são fantasiosas, o que talvez seja uma de suas características
mais notáveis, acredito que nunca deve-se esperar tortura psicológica ou
melodrama por parte de Adachi, mas algo doce, ainda que meio amargo – Sempre tive
a impressão de que ele consegue como poucos alinhar com maestria a estética
do mangá com a do comics, tirando o melhor esteticamente do que ambos tem a
oferecer.
Que o Adachi é um grande contador de histórias, mesmo quem
não é grande fã ou conhecedor do artista, como eu, sabe. Ele tem uma técnica
exemplar de “Verso e Prosa” nas suas linhas de diálogo, retratando a vida
cotidiana através de suas comédias românticas regadas a [muito, ou pouco]
esportes, que por vezes soam muito poéticas e nostálgicas.
O que mais me chamou atenção em Jinbe foi o fato de se tratar
de uma história incestuosa. Adachi
fazendo histórias sobre incesto? Preciso conferir isto – Pensava eu,
arqueando uma sobrancelha. Eu gosto de boas histórias sobre incesto, e antes de
ganharem essa faceta de aceitação social como atualmente com diversas histórias
sobre imoutos (irmãzinhas fofas e
atravidas), eram geralmente conflituosas, melodramáticas, trágicas, etc. Certamente,
quem procurar Jinbe esperando pela temática clássica, ou pela atual, irá se
decepcionar.
Jinbe faz parte do acervo de mangás adultos do autor, uma
leva que não é tão popular quanto suas histórias juvenis. Se você ler “Aventurasde Menino” ( Originalmente Bouken
Shounen – lançado no Brasil, pela L&PM) e depois pegar Jinbe, vai ficar
a clara impressão de que claramente não é uma de suas melhores histórias, mas
que ainda assim é boa o suficiente. Os diálogos aqui continuam afiadíssimos, é
a cereja em cima do bolo recheado com chantilly. Mas o que me chamou mesmo a
atenção foi a estética, que de um modo geral, é superior a “Aventuras de Menino”, ainda que este tenha uma narrativa [visual e textual] muito acima da de Jinbe.
A colorização de Adachi está muito boa aqui, onde às vezes é
difícil distinguir a colorização digital da manual. Em Jinbe ele usa
predominantemente tons pastel que fazem um contraste sensacional entre rosa,
amarelo, laranja/coral, verde (menta),
salmão, verde água (acqua) e azul
que dão um efeito muito bonito, como se fosse uma pintura feita à mão – Essa
paleta de cores, por ser predominamente com cores claras e sóbrias, transmitem
uma sensação de delicadeza, romantismo e leveza, e por isso obras que tendem a
ser muito intimistas e cadenciadas, como os mangás de Takako Shimura (Hourou Musuko, Aoi Hana), se utilizam bastante
deste recurso.
O esquema de cores é fundamental para uma boa harmonia, a
cor exerce influência decisiva nos olhos dos seres humanos, a combinação
adequada pode causar efeitos como de excitação, urgência, contentamento, calma,
vulgaridade, melancolia, e segurança – E para um artista como Mitsuru Adachi
que transmite uma tonelada de emoções a partir de desenhos muito simples e com
uma narrativa visual sutil, fragmentada, sem o frenesi habitual de mangás
voltados para garotos, as cores, enquadramentos, e as reticulas que dão maior
expressividade emocional, e acabam exercendo um papel ainda mais crucial para a
boa assimilação do leitor.
Em Jinbe, Adachi mostra como criar uma comédia romântica com
personagens atípicos. Pelo fato de Miku ter ido morar com Jinpei com uma certa
idade, e com a morte de sua mãe, essa coexistência dá origem a sentimentos e situações
que vão além daquela de pai e filha. É disto que se trata este único volume,
mas como eu disse, decepciona-se quem está à espera de um romance conflituoso e
muito drama. Com sua leveza habitual, o autor aborda esta questão de forma
sutil através de 07 capítulos, com a relação incerta entre esses dois através
de situações cotidianas entrelaçadas por coincidências, diálogos curtos e
imagens fragmentadas. Miku é forçada a enfrentar os seus ciúmes, e Jimbei com
seu forte censo de proteção, nos brindam com situações realmente hilárias e
divertidas, em meio a isso, o leitor fica em cima do muro até o capítulo final,
não sabendo ao certo como tudo aquilo irá terminar.
É como se fosse uma de suas séries de histórias curtas
ligadas apenas pelo seu tom geralmente melancólico. Através dos capítulos vemos
a solidão de Jinpei, regada à nostalgia do tempo em que ele foi jogador de
futebol (mais especificamente, goleiro),
da falta que sente de sua esposa e a morte. A forma hábil e envolvente que
Adachi lida com a saudade é incrível, a morte de sua esposa é citada em
diversos momentos, mas ele nunca tenta descrever aquele vácuo deixado, ou a dor
que seus personagens sentem. Ao invés disso, ele usa o silêncio, o não dito, o vazio
de um quadro em branco ou algum objeto ao fundo.
Jimbei é retratado como que meio desmotivado e distante
daquele tempo de glória da juventude (o
capítulo em que ele vai visitar a terra natal da esposa e vários acidentes começam
a acontecer, é como se estivesse sendo pontuado que ele não tem mais nada o que
fazer nesta vida, e que chegou a hora de se reencontrar com seu grande amor),
enquanto Miku é sempre forte e decidida, não precisando ser amparada por nenhum
personagem masculino, embora vários briguem por ela. As dicas da afeição que
ambos sentem um pelo outro são obvias, mas novamente, Adachi não diz, apenas
mostra. Seja através da imagem do sonho de Jinpei, na orla de uma praia carregando
a Miku nas costas, seja o tapa em que ele dá nela, quando ela chega tarde em
casa, acompanhada de um rapaz. Se eles não se olham maliciosamente, não trocam caricias, como que o leitor vai ficar por dentro do contexto? Nas pequenas ações, diálogos que acabam se relacionando indiretamente com o que eles sentem. Eles não sabem, mais ambos possuem um sonho em comum.
Adachi trabalha habilidosamente com linhas limpas e com um forte senso de ritmo. Essa sequência possui um timing incrível. Ele usa bastantes espaços em branco, pois para o tipo de história que ele faz, o importante é a emoção e expressão do personagem, não o cenário. Como pode-se notar no último quadro, ele usa o espaço negativo (o espaço em branco, vazios) para realçar a expressão dos personagens. Essa força visual da gag que ele inseriu no quadro anterior, não teria o timing que tem se o ambiente estivesse decorado. O espaço negativo é muito importante para o equilíbrio de uma imagem ao centro que precise se destacar, onde no espaço positivo, o olhar do leitor consequentemente acabaria sobrecarregado. O ideal é um bom balanceamento, e é aí que um bom quadrinista se faz. Por exemplo, o CLAMP tem um traço fantástico, mas as vezes se perdem pelo excesso de preciosismo.
Um dos melhores capítulos é sem dúvidas quando Jimbei e Miku resolvem cuidar de uma garotinha para que seu pai pudesse sair em lua de mel com a mulher que acabara de se casar, e para tanto, ele precisam ficar mais próximos um do outro. A relatividade de ambas a histórias – afinal, é como se os dois pudessem se ver na mesma situação da garotinha e do pai que acabara de se casar novamente – é o que dá todo o charme a narrativa, que é repleta de ternura sobre a relação entre pais e filhos, e o sonho de Miku em formar uma família com seu padrasto.
Essa aqui é uma das melhores páginas, onde Adachi parece
brincar com o gênero com o qual está trabalhado, quebrando a quarta parede.
Parece sádico a forma como ele provoca o seu leitor, como se pudesse adivinhar
que muitos estariam lendo Jinbe, a procura não de uma boa história, mas de
bastante exposição gráfica. Aqui, neste mesmo capítulo onde Jinpei e Miku
precisam cuidar da garotinha, ela os deixa constrangidos ao perguntar por que
eles não tomam banho juntos [no Japão é comum que pais se banhem junto com os
filhos, mesmo que sejam de sexos opostos]. E ela mesma responde: “Ah,
esqueci que vocês não são pai e filha de verdade”. A resposta está logo
abaixo. A verdade é que, por mais eles se sintam atraídos, a relação de ambos
sempre fora de pai e filha, e o pudor de Miku revela que ela quer muito mais do
que isso.
Outro grande capítulo, que consegue trabalhar com maestria a
relação entre pai e filha, e deixar de forma insinuante os sentimentos
proibidos no ar, são quando os dois voltam para a terra natal da mãe de Miku. O
conflito que o leitor tanto espera e o desabrochar de um paixão, sempre brota
através de subcamadas. No capítulo que eu comentei acima, ali seria como quando
ambos se dessem conta de que poderiam ser um casal. Aqui, é o contraste
conflitante entre passado e presente e o papel de Jinpei na vida de sua enteada.
Aparentemente, Miku consegue encarar toda a situação com naturalidade e de
forma madura, enquanto Jinpei sente a falta da esposa e reafirma seu papel do
protetor de Miku, ao mesmo tempo em que intimamente deseja ser o único homem de
sua vida.
O final, como não poderia deixar de ser, não é dito através
de palavras, nem explorado graficamente, mas sim através de pequenos detalhes.
Já é comum Adachi deixar suas histórias em aberto, chegando a resolução antes
mesmo da partida final, onde é deixada para o leitor a decisão de que, eles
ganharam ou não, embora a essa altura, ganhar não seja tão importante assim. E
é a mesma coisa em Jinbe, a resolução da história já nos foi dada na decisão
final de Miku. Se eles ficaram ou não, juntos no final, é uma decisão sua,
ainda que Adachi tenha de forma habilmente sutil, nos dado a tão esperada
resposta.
Algumas séries possuem essa capacidade de tornar o
desenrolar, muito mais importantes do que qualquer decisão final. Mas para
conseguir esse feito, o autor precisa ser habilidoso. Lendo algumas histórias
de Adachi, nota-se claramente que a falta de acontecimentos estratégicos, ou previsibilidade
da história, não impede de que a mesma possa ser revisitada outras vezes para
melhor apreciação da narrativa, que é quase um Verso & Prosa, uma Crônica
cotidiana, que acaba falando muito sobre nós mesmos, embora pelo ponto de vista
do personagem. Afinal, revisitar memórias é algo que o ser humano faz
frequentemente.
Similar: Koi Kaze, Miyuki, Angel Sanctuary, Da Capo, Akane-iro
ni somaru saka
Nota: 07/10
Autor: Mitsuru Adachi
Ano: 1997
Volumes: 01
Demografia: Seinen
Revista: Big Comic Original
Editora: Shogakukan
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