domingo, 19 de janeiro de 2014

Wake Up, Girls! Shichi-nin no Idol (2014) – 7 Ídolos

A trajetória de aspirantes à idols de uma de uma região fora do eixo econômico em busca do estrelato. Será que elas conseguem? 

O meu primeiro contato com o anime de Wake Up, Girls! não foi muito feliz, por motivos que eu só iria entender depois de ter assistido o filme que antecede à série. Oras, com razão, o primeiro episódio do anime, narrativamente falando, não faz sentido algum sem a introdução de Wake Up, Girls! Shichi-nin no Idol (Wake Up, Girls! Sete Ídolos).

Dito isto, eu sai dos 52 minutos e alguns segundos de duração de Wake Up, Girls! Shichi-nin no Idol extremamente interessada e satisfeita pela proposta idealizada e dirigida por Yutaka Yamamoto (Kannagi, Fractale, Lucky Star), que retorna no comando de uma obra grande depois do fracasso que amargou no ambicioso Fractale.

Na história, Green Leaves Entertainment é uma pequena empresa de produção responsável por gerenciar talentos artísticos, situada em Sendai, a maior cidade da região nordeste de Tohoku. A empresa que outrora gerenciava carreiras de toda espécie de artistas, agora se encontra sem nenhum talento e a beira da falência. É então que o presidente da empresa, a perspicaz Junko Tange (Noriko Hidaka), tem a ideia de investir em algo que está na moda, produzindo e agenciando um novo grupo idol. O problema é encontrar alguém com talento em potencial para liderar a girls band. Até que um dia o responsável por achar essa tal garota especial, o gerente desmotivado Kohei Matsuda (Shintaro Asanuma), se encontra com uma garota especial que mudará o destino da Green Leaves Etertainment; a ex-idol Shimada Mayu (Mayu Yoshioka). O problema é que Mayu não está nem um pouco a fim de voltar à sua carreira...

Ao contrário do convencional anime idol, centrando na carreira e não como um elemento de fundo, que vive um momento de febre, provavelmente devido ao sucesso comercial de The Idol M@ster, este filme de Wake Up, Girls! (WUG) estabelece logo de inicio uma áurea mais realista e menos romântica (fracasso + superação + sucesso = lágrimas e mise-en-scène gloriosa). Você nota isso pela atmosfera mais sóbria, que intensifica uma certa densidade no ar, pontuado pela trilha sonora amena, se limitando quase que integralmente a ligeiros efeitos sonoros e sons diegéticos (sons oriundos do próprio mundo da série, como uma música tocando no rádio, as garotas se apresentando, o som dos pássaros, etc). O próprio clímax, embora tenha densidade dramática, se mantém contido e uniforme ao estabelecido inicialmente.
Somado a um modo mais lendo e gradual de contar a historia, chega a causar até certo desconforto (algo que senti mais pontuado no primeiro episódio do anime, talvez pelo condicionamento, já que por ser um anime de idol, estava esperando uma vibe mais energética). O silencio e introspecção de Mayu, que por um longo período, não permite que nos conectemos a ela ou sintamos qualquer empatia – salve os raros momentos em que ela se permite abrir as asas e sonhar com sua antiga carreira, onde podemos notar um brilho intenso em seu olhar, contrastando com suas feições fechadas e sem vida quando esta retorna à realidade. Isto também é construção e desenvolvimento de personagem.
A partir desta simples caracterização, não sabemos exatamente o que se passa com Mayu, mas podemos entender que a personagem se fechou para o mundo e não permite aberturas, reprimindo ao máximo seus desejos, por mais que estes teimem em vir à tona ocasionalmente (dica: Nosso Instinto Primitivo Refletido). Por mais que seus motivos conflitivos sejam infantis e tolos, o que de certa forma estava de acordo com a idade precoce da personagem e pela falta de apoio familiar quando tudo começou, seu drama soa convincente. Mayu abandou sua carreira, aparentemente por um motivo fútil, e se recusa a retornar ao palco por mais que tenha vontade, motivada por um sentimento de culpa. Mas isto revela sua imaturidade, a falta de suporte familiar, a precoce entrada no showbusiness, egoísmo, orgulho. Seus sentimentos negativos ainda são amplificados por um lar desestruturado e uma imagem publica achincalhada pelos fãs do antigo grupo que participou.
A despeito da pretensão da pessoa publica de Yutaka Yamamoto (conhecido popularmente como ‘Yamakan’, o autointitulado salvador da indústria de animes), se trata de um diretor com visão aguçada e técnica, além de coragem em dar vida ao bom roteiro de Touko Machida (Lucky Star, The IDOLM@STER) com uma direção econômica que diz muito através da narrativa visual, evitando o caminho mais fácil: o de mostrar tudo mastigadinho pra audiência e tornar a experiência mais afável, o que é bem comum se tratando de animes para tv, que geralmente recorrem a uma narrativa de ecos, até mesmo por ser uma particularidade próprio qualquer produto vinculado à tv. WUG movie não tem arroubos visuais ou sonoros, melodramas intensificados, diálogos expositivamente enfadonhos, e tudo isso corrobora para a temática da série. O que é muito lindo! Ainda que cometa algumas gafes imperdoáveis, como o velho clichê da garota caindo em cima do garoto, que não faz o menor sentido aqui.

O cuidado com a composição da narrativa também é outro aspecto primoroso, levando o enredo a evoluir naturalmente. O inicio com a busca pelas garotas, as ações encadeadas que mostra o cotidiano e as motivações de cada uma delas de modo autoexplicativo, o entrelaçamento dessas ações com núcleo de Mayu, que tem suas caraterizações feitas por suas expressões, atitudes e memórias. A grande sacada do roteiro foi estabelecer a ligação entre esses diferentes núcleos através da figura do agenciador, que não só introduz as garotas, como contextualiza de modo dinâmico e divertido todo o processo da criação de um grupo idol e a mecânica por trás desta manutenção.
Por trás disso tudo, nota se uma critica de Yamakan à indústria dos idols e aparentemente a série de tv pretende abordar todo este processo com uma visão mais acida. O sonho entre muitos japoneses ainda em idade pré-pubere é se tornarem idols e alcançarem a fama, mas o caminho para o estrelado não é tão doce e romântico como o showbisiness apresenta. Essa indústria que se alimenta dos sonhos e das histórias tristes de seus astros para vendê-los como produtos, e embora compactuados, é um sistema terrível, ainda que natural em qualquer sociedade com boa economia. Esses garotos e garotas praticamente vendem suas almas e liberdade, sendo natural assinarem contratos ainda com a idade de 8 anos, e viver anos de opressão em troca de reconhecimento e muita grana $$$$$$$. Só quem pode dizer se vale a pena ou não, são eles mesmos, afinal, cada um faz o que achar melhor para bancar seu sonho/objetivo, e se o sacrifício é alto demais, talvez para ela seja um preço justo para o que quer alcançar. Mas de não deixa de ser válida e necessária às criticas ao sistema [e nunca às aos artistas envolvidos], e para alguém que observa de longe, encaro como um cenário triste, onde uma idol com a idade de 25/27 anos, geralmente já é considerada em fim de carreira, restando percorrer o caminho inverso e se aventurar no ostracismo ou pornografia – salve as exceções realmente talentosas e bem agenciadas, como Nana Mizuki, afinal, construir uma imagem forte que resiste ao tempo não apenas depende de talento, mas bom maketing também.

Em determinada parte, a meninas da Wake Up, Girls! estão prestes a se apresentarem em meio a diversos imprevistos e sem ao menos um figurino adequado, e antes de entrarem no palco, o gerente Matsuda lhes diz que irá sair para comprar seus misepans para que possam usar debaixo das minissaias colegiais. Então estas lhe dizem que não seria necessário, afinal, a banda ainda é desconhecida e este provavelmente seria a primeira e ultima apresentação delas, que não se importavam em exibir suas calcinhas para o público presente. Não havia nada a perder, é o que fica subtendido naquelas simples frases.
Misepan é uma contração de duas palavras: miseru, que significa “para mostrar”, e pantii, “calcinha”. Misepans são calcinhas, tipo “boy short”, que podem ser menores ou maiores (ao ponto de se assemelharem a um shortinho do tipo cueca boxer) e são considerados 'okay to show', usadas por artistas em performances ou não com a clara de intenção de serem exibidas ou para que não gere embaraço e o artista não precise se preocupar com estas trivialidades. É um modelo adotado mundialmente, mas no Japão se tornou um fator cultural que tornam as misepans algo emblemáticas. Para os japoneses, exibir sua roupa intima é falta de decoro e gera embaraço, são alvo de criticas e considerado uma atitude vergonhosa para as mulheres.

E é aqui que mora a malicia na ironia desta sequência acima, com a negativa das garotas em usar o misepan, com a justificativa de que não importava mesmo, já que não seriam reconhecidas e nem dariam sequência à carreira. A indústria idol vende essas garotas como objetos sexuais e de desejo, em ensaios e poses oversexualizadas, mas prima pela sua imagem ingênua e virginal, como vemos na sequência em que a agenciadora pergunta se elas ainda são virgens. Isto é extremamente importante para que continuem sendo cultuadas e compradas pelo consumidor.
O que essa sequência ironiza é esta visão hipócrita, não apenas da indústria, mas da sociedade que pune o simples ato de mostrar a calcinha, mas não se importa com um subterfúgio como o misepan ou coisas piores. Pela aceitação, o misepan deixou de ser objeto de fetiche dos vouyers.

Em tempo: a pratica do misepan teve inicio nos anos 80, influenciados pelas colegiais japonesas (dica: falei um pouquinhozinho sobre em KILL la KILL - O Poder do Uniforme Escolar), vindo a explodir definitivamente nos anos 90. Essas colegiais revolucionaram a indústria com seu estilo e praticas, aderindo apetrechos ao uniforme escolar e o transformando roupas íntimas em acessórios fashions, com minissaias cada vez mais curtas, calcinha e sutiã à mostra, meias soltas e maquiagens extravagantes. Essas gurias impactaram a sociedade e moldou parte daquela cultura em definitivo.

Wake Up, Girls! É um projeto ambicioso de Yamankan em uma parceria entre os estúdios Ordet e Tatsunoko Production, somadas várias produtoras parceiras interessadas na imagem e produtores relacionados que estas meninas podem gerar, com um forte marketing pré-anime em campanha publicitaria, além da série se situar numa região vitima dos terremotos em 2011. Transmitido online pra 108 países e mais alguns cinemas japoneses, a decisão de não comprar um slot televisivo para sua exibição tem claras intenções marqueteiras, que se por um lado somou aos lucros da franquia, por outro gerou atrasos no cronograma da serie televisiva, e me pergunto quantas pessoas irão assistir ao anime sem ver o filme antes, perdendo parcela importante de contextualização. Mas isso de lado, ainda que a animação não seja impecável, o produto final é exemplar. Bom uso de cores, ótima composição entre 2D e CG, boa movimentação (os personagens até se mechem ao fundo) e o principal: aquilo que o Yamakan faz de melhor em animes que coloca o dedo. Sim, falo da coreografia das partes musicais. É sakuga pura e com um charme belíssimo. Depois dessa bela apresentação, espero que o preciosismo se mantenha na série de tv. Shichi-nin no Idol poderia ser excelente, se fosse pensado como um filme e não apenas um episódio estendido introdutório, dando chances ao roteiro de se mostrar completo. =)

Nota: 07/10
Diretor: Yutaka Yamamoto
Roteiro: Touko Machida
Estúdio: Ordet, Tatsunoko Production
Tipo: Filme
Duração: 52 minutos
ANN: http://goo.gl/Lq496M
MAL: http://goo.gl/EvGLp1

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