segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

UN-GO: Crítica à um Japão Pós-Guerra


Un-Go foi um anime que estreou na Temporada de Outono (Autumn 2011), pelo estúdio BONES que vinha de produções como Number Six e GOSICK, e aterrissava no tradicional bloco Noitamina, em um momento em que se discutia a descaracterização do mesmo, com a vinculação de animes como Guilty Crown e a anunciada produção de Black Rock Shooter. E Un-Go é o tipo de anime, que acabou marcando a “cara” do Noitamina, por mais que este já tenha investido em animes de diversas propostas, o que ficou foi a imagem de bloco que produz animes para poucos. Un-Go é um desses animes que fica bastante restrito a uma pequena parcela do público pela sua narrativa e um character designer com rostos angulares e pontudos, sendo o tipo de arte que se vê facilmente em mangás joseis.

Histórias de detetives são bem populares no Japão, então é sempre comum ver adaptações em animes seguindo essa temática. Em um ano em que brilharam as lolis no papel de detetives “astutas”, Un-Go acaba seguindo o caminho inverso e sendo até bem original em sua proposta. A história é sobre um detetive que não recebe os créditos por seu trabalho e acaba recebendo o apelido de “Detetive derrotado”. Baseado no livro Meiji Kaika Ango Torimonochou (Ango - histórias de detetive do Período Meiji)de Ango Sakaguchi, um dos principais nomes do Buraiha, ou Escola Decadente, que é um grupo de escritores que expressaram a falta de proposito e crise de identidade de um Japão pós- Segunda Guerra Mundial, em plena Era Meiji (1868 – 1912), através da literatura.  A Era Meiji foi um período de abertura da economia japonesa para o Ocidente. Depois de ter sido derrotado na Segunda Guerra Mundial, a reconstrução do Japão foi favorecida por vários fatores, como a ajuda norte americana (claro que com seus próprios interesses), que permitiram a reconstrução econômica do Japão após a Guerra.


Então, o anime se baseou em algumas das histórias do livro de Ango Sakaguchi, mas ao invés de ambienta-la na Era Meiji, pegou apenas as características desse momento, assim como as críticas contidas no livro original e ambientou sua trama em um Japão futurístico pós-guerra. A transposição de épocas tão distintas em uma mesma história ficou excelente. A história centra-se em um detetive chamado Shinjuurou Yuuki e seu assistente Inga. Juntos, os dois trabalham juntos para resolver diversos mistérios e crimes aparentemente insolúveis. Yuuki é conhecido como “detetive derrotado”, uma vez que suas hipóteses e suas investigações sempre estão erradas. Em outro ponto, temos Kaishou Rinroku, que “rivaliza” com Shinjuurou, tendo um status elevadíssimo dentro da sociedade e importante figura politica, que acompanha cenas de crime e tenta soluciona-las no conforto de seu escritório em sua casa, diante um computador. Ele detém um monopólio sobre a infraestrutura de comunicação e tecnologia, goza de alto prestigio na sociedade e está sempre auxiliando o ministério público e a policia.



O que o povo não sabe é que Shinjuurou sempre acerta em suas deduções e resolve todos os casos que encontra pela frente. Mas a verdade é sempre omitida pelo governo e Kaishou Rinroku, que na maioria das vezes, acaba maquiado a verdade e ficando como aquele que resolveu o mistério. E não é que pessoalmente, Kaishou tenha algo contra Shinjuurou, sendo que estes até que mantém diálogos profissionais e trocam informações. O fato é que Shinjuurou precisa ser silenciado, para que manter a sociedade daquele frágil Japão pós-guerra, alienada e civilizada. Afinal, grandes escândalos abalariam não só o governo, como a ordem pública, para isso, muitos crimes que envolvem pessoas importantes e segredos que precisam ser mantidos a sete chaves, precisam continuar desconhecidos e Shinjuurou, continua como a figura pública de um detetive fracassado.

A produção do estúdio BONES fica mais interessante quando se observa pelo lado crítico e pequenas referências que passam quase que batidas, como os escritores do Buraiha serem tidos como decadentes e fracassados, pelos ocidentais. É fácil ver isso na figura de Shinjuurou, que trava uma batalha silenciosa contra o sistema. Sútil também é a crítica embutida contra o governo e sua conveniência para influência de valores dos americanos no estado Japonês, algo que fica bem mais claro quando o anime fecha todas as suas tramas (ou quase todas) e amarram as pontas soltas.


O diretor Seiji Mizushima, certamente imprimou personalidade a Un-Go e apesar de alguns tropeços, orquestrou o anime de uma forma que, se não é tão convidativo a todos, ao menos alcança em cheio a sua proposta. Ele constrói um mundo complexo em um Japão que ainda sofre os efeitos da Segunda Guerra Mundial, mas que tenta se reerguer ainda que em pedaços. Todos os elementos ao fim do anime, parecem ligar aquele cenário a cada uma das vítimas dos arcos da história. Cada uma está ligada a um aspecto diferente dessa guerra – Seja a figura proeminente de uma pessoa pública com enorme influência no estado, tendo ajudado a conduzir o país naquele turbulento momento e que agora se vê perseguido por acusações de corrupção, seja o gerente de uma empresa de Idols que é assassinado misteriosamente. Nada parece fazer muito sentido, a lógica dos mistérios aparentemente é bem fraca e muitas vezes não chega a ser envolvente. Porém, através da vítima, descobrimos um pouco mais do que aconteceu durante a guerra e o seu lado mais sombrio acaba sendo revelado. Mas apenas para nós, espectadores, pois a verdade não será mostrada na mídia.


Un-Go é uma história bem contemporânea e as críticas de Ango Sakaguchi ainda continuam bem atuais. O importante aqui não é o mistério, mas sim o que move cada personagem e suas linhas de diálogo, que são rápidas e muitas vezes não dá tempo para que o espectador raciocine sobre o caso, a não ser que pause o episódio. Assim, a trama se sustenta bastante em cima dos seus personagens, através de suas ações, discursos e suas reações. E tudo vai sendo cuidadosamente entrelaçado com os diálogos e as críticas sutis. Esses personagens estão longe de serem excelentes, mas são bons o suficiente para acrescentar substância ao roteiro.

Tudo soa fascinante, mas o elo mais fraco, talvez seja os arcos iniciais. Com um ritmo quase episódico, as histórias abordadas são demasiadamente apressadas e ainda que conte com um belíssimo plano de fundo, acaba não conseguindo se desvencilhar da apatia. Não chega a ser ruim, mas falta algo para deixar quem assiste ligado na trama e interessado no que virá a seguir. Já em seu terço final, há uma significativa melhora, tanto na escolha dos casos, como na execução, mas continua não dialogando para todos. Dito isso, digo que Um-Go é pretencioso e não se envergonha de levantar essa bandeira de anime intelectualizado. Não vejo isso como demérito, a não ser pelo fato de que, metade da série soa como algo desinteressante, ainda que com uma proposta excelente. E isso, acaba prejudicando sua pontuação final, mesmo que seja um anime muito superior que a média de animes que foi ao ar no mesmo período.


Un-Go procurou mesclar fantasia com cena politica e se saiu bem com o parceiro de Shinjuurou, com personalidade estranha e que alterna entre a personalidade de um garotinho sapeca e uma mulher sensual, que devora a alma de envolvidos nos crimes da trama e os força a responder qualquer pergunta que ela lhes fizer. A história mantém um certo suspense sobre a dupla, trazendo uma importante revelação em seu terço final. Com todas as pontas fechadas e mistérios desfeitos, fica a promessa de contar o passado de Inga e Shinjuurou em filme que deverá ir ao ar ainda 2012. Com um orçamento para 13 episódios, mas com apenas 11 disponíveis para ir ao ar no bloco Noitamina, decidiram por torrar o restante da verba em um longa animado, em formato de OVA, contando o passado dos dois.

Resumindo, esse é um anime que deverá cair rapidamente no ostracismo, como quase todo anime não comercial e que almeja passar uma imagem “cult”. Mas de um modo geral, é uma boa série, cool e que entregou aquilo que prometeu, mesmo se comprometendo em alguns momentos. Dirigido por Seiji Mizushima, mesmo diretor de Fullmetal Alchemist e minuciosamente escrito por Sho Aikawa, que também escreveu o roteiro do anime citado acima, Un-Go, chegou de uma forma tímida e saiu sem ser percebido, mas conseguiu agradar seu publico alvo, seja no traço que remete a personagens de histórias femininas, na boa ambientação e na trilha sonora. Ou até mesmo pelas subcamadas presentes na trama. No fim das contas, Un-Go, talvez seja mesmo anime para hipsters.






Episódios: 11
Ano: 2011
Estúdio: BONES
Diretor: Seiji Mizushima
Roteiro: Shou Aikawa
Character Design: Pako, Yun Koga