Un-Go foi um anime que estreou na Temporada de Outono (Autumn 2011), pelo estúdio BONES que
vinha de produções como Number Six e
GOSICK, e aterrissava no tradicional
bloco Noitamina, em um momento em que se discutia a descaracterização do mesmo,
com a vinculação de animes como Guilty
Crown e a anunciada produção de Black
Rock Shooter. E Un-Go é o tipo de anime, que acabou marcando a “cara” do
Noitamina, por mais que este já tenha investido em animes de diversas
propostas, o que ficou foi a imagem de bloco que produz animes para poucos. Un-Go
é um desses animes que fica bastante restrito a uma pequena parcela do público
pela sua narrativa e um character designer com rostos angulares e pontudos,
sendo o tipo de arte que se vê facilmente em mangás joseis.
Histórias de detetives são bem populares no Japão, então é
sempre comum ver adaptações em animes seguindo essa temática. Em um ano em que
brilharam as lolis no papel de detetives “astutas”, Un-Go acaba seguindo o
caminho inverso e sendo até bem original em sua proposta. A história é sobre um
detetive que não recebe os créditos por seu trabalho e acaba recebendo o
apelido de “Detetive derrotado”. Baseado no livro Meiji Kaika Ango Torimonochou
(Ango - histórias de detetive do Período
Meiji)de Ango Sakaguchi, um dos
principais nomes do Buraiha, ou Escola Decadente, que é um grupo de
escritores que expressaram a falta de proposito e crise de identidade de um
Japão pós- Segunda Guerra Mundial, em plena Era Meiji (1868 – 1912), através da literatura. A Era Meiji foi um período de abertura da
economia japonesa para o Ocidente. Depois de ter sido derrotado na Segunda
Guerra Mundial, a reconstrução do Japão foi favorecida por vários fatores, como
a ajuda norte americana (claro que com
seus próprios interesses), que permitiram a reconstrução econômica do Japão
após a Guerra.
Então, o anime se baseou em algumas das histórias do livro
de Ango Sakaguchi, mas ao invés de ambienta-la na Era Meiji, pegou apenas as características
desse momento, assim como as críticas contidas no livro original e ambientou
sua trama em um Japão futurístico pós-guerra. A transposição de épocas tão
distintas em uma mesma história ficou excelente. A história centra-se em um detetive
chamado Shinjuurou Yuuki e seu assistente Inga. Juntos, os dois trabalham
juntos para resolver diversos mistérios e crimes aparentemente insolúveis. Yuuki
é conhecido como “detetive derrotado”, uma vez que suas hipóteses e suas
investigações sempre estão erradas. Em outro ponto, temos Kaishou Rinroku, que “rivaliza”
com Shinjuurou, tendo um status elevadíssimo dentro da sociedade e importante
figura politica, que acompanha cenas de crime e tenta soluciona-las no conforto
de seu escritório em sua casa, diante um computador. Ele detém um monopólio
sobre a infraestrutura de comunicação e tecnologia, goza de alto prestigio na
sociedade e está sempre auxiliando o ministério público e a policia.
O que o povo não sabe é que Shinjuurou sempre acerta em suas
deduções e resolve todos os casos que encontra pela frente. Mas a verdade é
sempre omitida pelo governo e Kaishou Rinroku, que na maioria das vezes, acaba
maquiado a verdade e ficando como aquele que resolveu o mistério. E não é que
pessoalmente, Kaishou tenha algo contra Shinjuurou, sendo que estes até que mantém
diálogos profissionais e trocam informações. O fato é que Shinjuurou precisa
ser silenciado, para que manter a sociedade daquele frágil Japão pós-guerra,
alienada e civilizada. Afinal, grandes escândalos abalariam não só o governo,
como a ordem pública, para isso, muitos crimes que envolvem pessoas importantes
e segredos que precisam ser mantidos a sete chaves, precisam continuar desconhecidos
e Shinjuurou, continua como a figura pública de um detetive fracassado.
A produção do estúdio BONES fica mais interessante quando se
observa pelo lado crítico e pequenas referências que passam quase que batidas,
como os escritores do Buraiha serem tidos como decadentes e fracassados, pelos
ocidentais. É fácil ver isso na figura de Shinjuurou, que trava uma batalha
silenciosa contra o sistema. Sútil também é a crítica embutida contra o governo
e sua conveniência para influência de valores dos americanos no estado Japonês,
algo que fica bem mais claro quando o anime fecha todas as suas tramas (ou quase todas) e amarram as pontas
soltas.
O diretor Seiji Mizushima, certamente imprimou personalidade
a Un-Go e apesar de alguns tropeços, orquestrou o anime de uma forma que, se
não é tão convidativo a todos, ao menos alcança em cheio a sua proposta. Ele constrói
um mundo complexo em um Japão que ainda sofre os efeitos da Segunda Guerra
Mundial, mas que tenta se reerguer ainda que em pedaços. Todos os elementos ao
fim do anime, parecem ligar aquele cenário a cada uma das vítimas dos arcos da
história. Cada uma está ligada a um aspecto diferente dessa guerra – Seja a
figura proeminente de uma pessoa pública com enorme influência no estado, tendo
ajudado a conduzir o país naquele turbulento momento e que agora se vê
perseguido por acusações de corrupção, seja o gerente de uma empresa de Idols
que é assassinado misteriosamente. Nada parece fazer muito sentido, a lógica
dos mistérios aparentemente é bem fraca e muitas vezes não chega a ser
envolvente. Porém, através da vítima, descobrimos um pouco mais do que
aconteceu durante a guerra e o seu lado mais sombrio acaba sendo revelado. Mas apenas
para nós, espectadores, pois a verdade não será mostrada na mídia.
Un-Go é uma história bem contemporânea e as críticas de Ango
Sakaguchi ainda continuam bem atuais. O importante aqui não é o mistério, mas
sim o que move cada personagem e suas linhas de diálogo, que são rápidas e muitas
vezes não dá tempo para que o espectador raciocine sobre o caso, a não ser que
pause o episódio. Assim, a trama se sustenta bastante em cima dos seus personagens,
através de suas ações, discursos e suas reações. E tudo vai sendo
cuidadosamente entrelaçado com os diálogos e as críticas sutis. Esses
personagens estão longe de serem excelentes, mas são bons o suficiente para
acrescentar substância ao roteiro.
Tudo soa fascinante, mas o elo mais fraco, talvez seja os
arcos iniciais. Com um ritmo quase episódico, as histórias abordadas são
demasiadamente apressadas e ainda que conte com um belíssimo plano de fundo,
acaba não conseguindo se desvencilhar da apatia. Não chega a ser ruim, mas
falta algo para deixar quem assiste ligado na trama e interessado no que virá a
seguir. Já em seu terço final, há uma significativa melhora, tanto na escolha
dos casos, como na execução, mas continua não dialogando para todos. Dito isso,
digo que Um-Go é pretencioso e não se envergonha de levantar essa bandeira de
anime intelectualizado. Não vejo isso como demérito, a não ser pelo fato de
que, metade da série soa como algo desinteressante, ainda que com uma proposta
excelente. E isso, acaba prejudicando sua pontuação final, mesmo que seja um
anime muito superior que a média de animes que foi ao ar no mesmo período.
Un-Go procurou mesclar fantasia com cena politica e se saiu
bem com o parceiro de Shinjuurou, com personalidade estranha e que alterna
entre a personalidade de um garotinho sapeca e uma mulher sensual, que devora a
alma de envolvidos nos crimes da trama e os força a responder qualquer pergunta
que ela lhes fizer. A história mantém um certo suspense sobre a dupla, trazendo
uma importante revelação em seu terço final. Com todas as pontas fechadas e mistérios
desfeitos, fica a promessa de contar o passado de Inga e Shinjuurou em filme
que deverá ir ao ar ainda 2012. Com um orçamento para 13 episódios, mas com
apenas 11 disponíveis para ir ao ar no bloco Noitamina, decidiram por torrar o
restante da verba em um longa animado, em formato de OVA, contando o passado
dos dois.
Resumindo, esse é um anime que deverá cair rapidamente no ostracismo,
como quase todo anime não comercial e que almeja passar uma imagem “cult”. Mas
de um modo geral, é uma boa série, cool e que entregou aquilo que prometeu,
mesmo se comprometendo em alguns momentos. Dirigido por Seiji Mizushima, mesmo
diretor de Fullmetal Alchemist e
minuciosamente escrito por Sho Aikawa, que também escreveu o roteiro do anime
citado acima, Un-Go, chegou de uma forma tímida e saiu sem ser percebido, mas
conseguiu agradar seu publico alvo, seja no traço que remete a personagens de
histórias femininas, na boa ambientação e na trilha sonora. Ou até mesmo pelas
subcamadas presentes na trama. No fim das contas, Un-Go, talvez seja mesmo anime
para hipsters.
Episódios: 11
Ano: 2011
Estúdio: BONES
Diretor: Seiji Mizushima
Roteiro: Shou Aikawa
Character Design: Pako, Yun Koga