domingo, 8 de janeiro de 2017

Re:Zero Kara Hajimeru Isekai Seikatsu (2016)

Saudações do Crítico Nippon!

É fácil entender o sucesso de Re: Zero. Contando com um protagonista comum transportado a um mundo fantástico, possui lutas eficientes, personagens inteligentes, mistérios envolventes e certa frequência de reviravoltas. Acrescente a fórmula de All You Need Is Kill, em que o protagonista morre e revive em determinado ponto do vídeo-game, digo, do anime, e é possível fazer um banho de sangue e situações desesperadoras com o herói. Porém, mais do que isso. Re: Zero subverte inúmeras das nossas expectativas iniciais e parece se divertir imensamente com isso.

(discutirei pontos específicos da trama então, hum, spoilers)


Produzido pelo estúdio White Fox (Steins:Gate), o anime não parece interessado em nos mostrar nada de quem era o protagonista antes de ser transportado para aquele mundo paralelo. É até surreal a facilidade com que ele aceita estar em outro mundo, sem preocupação com pais ou amigos. De qualquer modo, conhecemos Natsuki Subaru através de suas ações naquele novo universo.

Constantemente ouvimos as expectativas do personagem em ganhar itens especiais, ou lançar magia ou uma bela donzela lhe esperando para explicar tudo. Exatamente como um jogo medieval. E nada disso acontece. Ao menos não na hora, pois no decorrer dos episódios, tudo isso irá acontecer mais tarde, quando mal lembrávamos a ironia. É como o filme Pânico, que criticava os personagens de terror por fugirem do vilão subindo para o segundo andar, e no clímax do filme os personagens fazem exatamente isso. É uma forma de metalinguagem que serve de comentário de gênero, mas também funciona no contexto quando bem aplicado. 


Entretanto, o que prende mesmo no anime, é a rapidez e inteligência com que as coisas acontecem. No primeiro episódio de 50 minutos, o máximo de tempo que ficamos parado conversando é com Subaru e Emilia. E não à toa: isso será fundamental para motivar as ações do personagem dos próximos episódios. Ele poderia ignorar o problema de Emília (como acertadamente o roteiro o faz divagar), mas assim como ele, nos damos conta da bondade da meia elfa e nos sentimos compelidos a ajudá-la mesmo com os altos riscos em jogo. Tudo isso apenas porque a história foi inteligente o bastante em preparar o território no começo.

Aliás, é fascinante como toda nova situação na história parece desempenhar uma nova função. Quando o protagonista morre pela primeira vez e busca refazer suas ações, qualquer atitude diferente, gera resultados diferentes e surpreendentes. Como por exemplo, ao encontrar Felt na rua enquanto se dirigia à loja do gigante Rom-jii; ou em uma das lutas contra a Elsa, em que Felt consegue escapar (algo que não havia ocorrido antes) e isso faz com que ela traga Reinhard; ou mais tarde, na mansão Roswaal, quando Subaru consegue escapar da morte durante a noite, mas é Rem quem acaba morta na manhã seguinte; e assim por diante. Nenhuma mudança é feita ao acaso, tornando a história deliciosamente imprevisível.


Acho que está na hora de falarmos mais a fundo de nosso protagonista, Natsuki Subaru. Apesar de ser um hikikomori, suas ações são surpreendentes. Quando cercado por vândalos, ao invés de se acovardar, tremer de medo ou esperar ajuda divina, ele ataca. E o anime encara a situação de forma realista: Subaru consegue acertar seus adversários que não estavam esperando, porém acaba perdendo pela desvantagem numérica. E é surreal perceber que situações assim raramente acontecem, mesmo em shonens (ou o protagonista apanha direto, ou se acovarda, ou aparece a tal ajuda divina).

Mas mais do que isso: Subaru é extremamente inteligente e altruísta. E se no primeiro episódio ele mente para Emília que jurou fazer uma boa ação por dia, se observarmos os ciclos dos episódios, é basicamente isso que ele faz até o final. Constantemente querendo ser recompensado por sua ajuda, ele sequer consegue disfarçar a imensa bondade de seu coração, cobrando coisas como sorrisos, acariciar o espírito gato Pack, ou servir de empregado na mansão (e é hilário quando ouvimos uma personagem dizer “Era só ter dito que você queria ser um hóspede”).




Demonstrando uma esperteza afiada, Subaru utiliza os itens que trouxe consigo (lamen, salgadinho e celular) de maneira formidável. O uso do aparelho telefone, aliás, é recorrente, sempre acompanhado de sua lábia de vendedor. E se em obras como God Eater (entre muitas outras), o herói comum acaba ganhando poderes do nada e sendo louvado muito rapidamente sem maiores motivos, Subaru realmente prova seu valor. Sem obter poder algum (exceto uma fumacinha inofensiva da metade em diante), ele cresce aos nossos olhos sendo o personagem mais frágil de todos. Desta forma, quando o vemos gritando ordens à candidata ao trono, Crusch-sama, na batalha contra a Baleia Branca, torna-se extremamente natural a devoção dos personagens para com ele. Acompanhamos seu sofrimento, seus colapsos mentais (não perdendo em nada para All You Need is Kill), os sacrifícios que fez mesmo em prol daquelas que tentariam matá-lo. Em suma, Natsuki Subaru é um personagem complexo e cativante, com inúmeras falhas que só o tornam mais humano, é o herói ideal para o espectador se colocar no lugar.


Prejudicado por tramas fechadas que duram somente alguns episódios, não há um senso de continuidade na narrativa. Aliás, a expectativa em relação ao Reinhard prendendo a Felt na ‘primeira história’ é compensada de forma extremamente anticlimática. E pior, os dois são esquecidos completamente (junto do gigante Rom-Jii), o que é um problema gravíssimo. Ainda mais na terceira e última história em que Subaru precisa encontrar pessoas para lhe ajudar na batalha contra a Seita da Bruxa. Felt e o gigante sequer são cogitados (!!!). E qual a necessidade de Elsa, a caçadora de entranhas, não ter sido morta no ataque de Reinharld se ela sequer aparece novamente? Podia muito bem ter morrido ali e pronto.


Aliás, no meio das ameaças que Subaru precisa contornar, há uma traminha tola sobre quem vai ocupar o trono de Lugnica, que não chega a lugar nenhum. Em especial, o episódio 13 com a apresentação das candidatas e seus cavaleiros, e uma luta fraquíssima entre Subaru e Julius, é particularmente torturante. De qualquer modo, o anime utiliza essas personagens para seu benefício no futuro. Assim, é fascinante quando Subaru precisa ir a cada uma delas pedir ajuda na luta contra a seita de bruxas. A personalidade diferente das mulheres e a maneira com que lidam e manipulam o herói é divertida suficiente pra justificar a existência delas a partir dali.



E já que toquei no desenvolvimento dos personagens secundários, há vários que nos cativam. O próprio comerciante da cidade, cuja filha se perdeu, ganha novas facetas a cada episódio; Beatrice, a bibliotecária loli, demonstra uma fidelidade impressionante para com suas promessas; Rem e Ram ganham desenvolvimentos tão ricos e intensos quanto Subaru, ora soando enigmáticas, ora aterrorizantes, e ora profundamente românticas. Tudo construído sem pressa, extraindo de cada uma dessas situações o máximo de emoção que elas poderiam gerar. As próprias crianças do vilarejo ganham rostos, nomes e sonhos. E o capitão Ahab, digo, Wilhelm ganha flashbacks pontuais em um único episódio que são mais do que suficiente para o seu peso na batalha aumentar. É uma pena, portanto, que Emília acabe enfraquecendo tanto, até mesmo diante de Felt, Elsa e do nobre Reinhard. Chegam a mostrar até o espírito Pack lutando mais do que ela, que é renegada somente a interesse romântico do herói. Roswaal também não ganha o peso necessário como dono da mansão, e seus negócios fora dela jamais são explorados.


Com uma animação eficiente e empolgante, embalado por uma trilha sonora inspiradora, há inúmeros momentos que prendem na cadeira. Toda batalha na loja com a Elsa, repleta de reviravoltas por parte de todos os personagens. Mas mais do que isso, a dimensão espacial é sempre clara e entendemos onde os personagens se encontram e para onde estão se movendo. Inclusive na batalha com os majuus na floresta ou com a Baleia Branca. Só fica a desejar mesmo o último vilão, Betelgeuse. Com uma personalidade aborrecida e louca, clichê máximo dos animes, se contorcendo, falando de amor e com cara de palhaço (literalmente). Não há peso algum em sua presença em cena. E suas inúmeras formas com os “dedos” somado com as capas pretas, me lembrou o aborrecido Pain, do Shippuden, o mais pobre dos Akatsuki. 


Com inúmeras questões sem respostas, o anime simplesmente não tem um final. E Subaru parece não se preocupar nem um pouco em voltar para o mundo real. E, afinal, o que é esse mundo em que ele se encontra? Ao menos SAO tinha uma explicação... E qual a função dessa maldição que ele não pode contar sobre os seus loops de morte? E a bruxa élfica de cabelos prateados que não apareceu? Jurei até o final que se revelaria Emilia. E por que tem um episódio que é a Emilia quem morre ao ouvir o segredo, se sempre foi o Subaru? E nós realmente deveríamos ignorar o fato que Pack é, bem, o maior vilão de todos? O gatinho espírito matou o protagonista três vezes (e disse que iria destruir o mundo!!) e é como se nada tivesse acontecido.


Mas tem mais. Por mais belo que seja o crescimento da relação Rem e Subaru, é surreal aquele episódio 18 cheio de declarações e gritaria. E o protagonista simplesmente corta a menina dizendo que prefere a Emília e basicamente não há nenhuma reação de Rem. Aliás, há um segundo ele estava profundamente comovido e aceitando viver com ela. Além de, claro, o final, com o esquecimento total de Rem, e Subaru e Emília juntos após uma dezena de episódios sem se verem. São reações e mudanças abruptas e secas demais, não parecendo os seres humanos reais e coerentes lá dos primeiros episódios.


Em suma, Re: Zero é incrivelmente envolvente em sua primeira metade promissora, beneficiado por um protagonista nada passivo e que move a história adiante. Auxiliado por personagens secundários interessantes, combates eficientes (na maior parte do tempo) é uma pena que a obra acabe decaindo bastante ao pensarmos em diversas questões pendentes e furos na narrativa.  Caso tivesse uma longa trama mais linear e fechada, ao invés de histórias episódicas, teria sido perfeito.

(Para mais dos meus textos, é só ir no menu “Crítico Nippon”)
Twitter: @PedroSEkman

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