Saudações do Crítico
Nippon!
É
fácil entender o sucesso de Re: Zero. Contando com um protagonista comum
transportado a um mundo fantástico, possui lutas eficientes, personagens
inteligentes, mistérios envolventes e certa frequência de reviravoltas.
Acrescente a fórmula de All You Need Is Kill, em que o protagonista morre e
revive em determinado ponto do vídeo-game, digo, do anime, e é possível fazer
um banho de sangue e situações desesperadoras com o herói. Porém, mais do que
isso. Re: Zero subverte inúmeras das nossas expectativas iniciais e parece se
divertir imensamente com isso.
(discutirei pontos específicos da
trama então, hum, spoilers)
Produzido
pelo estúdio White Fox (Steins:Gate), o anime não parece interessado em nos
mostrar nada de quem era o protagonista antes de ser transportado para aquele
mundo paralelo. É até surreal a facilidade com que ele aceita estar em outro
mundo, sem preocupação com pais ou amigos. De qualquer modo, conhecemos Natsuki
Subaru através de suas ações naquele novo universo.
Constantemente
ouvimos as expectativas do personagem em ganhar itens especiais, ou lançar
magia ou uma bela donzela lhe esperando para explicar tudo. Exatamente como um
jogo medieval. E nada disso acontece. Ao menos não na hora, pois no decorrer
dos episódios, tudo isso irá acontecer mais tarde, quando mal lembrávamos a
ironia. É como o filme Pânico, que criticava os personagens de terror por
fugirem do vilão subindo para o segundo andar, e no clímax do filme os
personagens fazem exatamente isso. É uma forma de metalinguagem que serve de
comentário de gênero, mas também funciona no contexto quando bem aplicado.
Entretanto,
o que prende mesmo no anime, é a rapidez e inteligência com que as coisas
acontecem. No primeiro episódio de 50 minutos, o máximo de tempo que ficamos
parado conversando é com Subaru e Emilia. E não à toa: isso será fundamental
para motivar as ações do personagem dos próximos episódios. Ele poderia ignorar
o problema de Emília (como acertadamente o roteiro o faz divagar), mas assim
como ele, nos damos conta da bondade da meia elfa e nos sentimos compelidos a
ajudá-la mesmo com os altos riscos em jogo. Tudo isso apenas porque a história
foi inteligente o bastante em preparar o território no começo.
Aliás,
é fascinante como toda nova situação na história parece desempenhar uma nova
função. Quando o protagonista morre pela primeira vez e busca refazer suas
ações, qualquer atitude diferente, gera resultados diferentes e surpreendentes.
Como por exemplo, ao encontrar Felt na rua enquanto se dirigia à loja do gigante
Rom-jii; ou em uma das lutas contra a Elsa, em que Felt consegue escapar (algo
que não havia ocorrido antes) e isso faz com que ela traga Reinhard; ou mais
tarde, na mansão Roswaal, quando Subaru consegue escapar da morte durante a
noite, mas é Rem quem acaba morta na manhã seguinte; e assim por diante.
Nenhuma mudança é feita ao acaso, tornando a história deliciosamente
imprevisível.
Acho
que está na hora de falarmos mais a fundo de nosso protagonista, Natsuki
Subaru. Apesar de ser um hikikomori, suas ações são surpreendentes. Quando
cercado por vândalos, ao invés de se acovardar, tremer de medo ou esperar ajuda
divina, ele ataca. E o anime encara a situação de forma realista: Subaru
consegue acertar seus adversários que não estavam esperando, porém acaba
perdendo pela desvantagem numérica. E é surreal perceber que situações assim
raramente acontecem, mesmo em shonens (ou o protagonista apanha direto, ou se
acovarda, ou aparece a tal ajuda divina).
Mas
mais do que isso: Subaru é extremamente inteligente e altruísta. E se no
primeiro episódio ele mente para Emília que jurou fazer uma boa ação por dia,
se observarmos os ciclos dos episódios, é basicamente isso que ele faz até o
final. Constantemente querendo ser recompensado por sua ajuda, ele sequer
consegue disfarçar a imensa bondade de seu coração, cobrando coisas como
sorrisos, acariciar o espírito gato Pack, ou servir de empregado na mansão (e é
hilário quando ouvimos uma personagem dizer “Era
só ter dito que você queria ser um hóspede”).
Demonstrando
uma esperteza afiada, Subaru utiliza os itens que trouxe consigo (lamen,
salgadinho e celular) de maneira formidável. O uso do aparelho telefone, aliás,
é recorrente, sempre acompanhado de sua lábia de vendedor. E se em obras como
God Eater (entre muitas outras), o herói comum acaba ganhando poderes do nada e
sendo louvado muito rapidamente sem maiores motivos, Subaru realmente prova seu
valor. Sem obter poder algum (exceto uma fumacinha inofensiva da metade em
diante), ele cresce aos nossos olhos sendo o personagem mais frágil de todos.
Desta forma, quando o vemos gritando ordens à candidata ao trono, Crusch-sama, na
batalha contra a Baleia Branca, torna-se extremamente natural a devoção dos
personagens para com ele. Acompanhamos seu sofrimento, seus colapsos mentais
(não perdendo em nada para All You Need is Kill), os sacrifícios que fez mesmo
em prol daquelas que tentariam matá-lo. Em suma, Natsuki Subaru é um personagem
complexo e cativante, com inúmeras falhas que só o tornam mais humano, é o
herói ideal para o espectador se colocar no lugar.
Prejudicado
por tramas fechadas que duram somente alguns episódios, não há um senso de
continuidade na narrativa. Aliás, a expectativa em relação ao Reinhard
prendendo a Felt na ‘primeira história’ é compensada de forma extremamente
anticlimática. E pior, os dois são esquecidos completamente (junto do gigante
Rom-Jii), o que é um problema gravíssimo. Ainda mais na terceira e última
história em que Subaru precisa encontrar pessoas para lhe ajudar na batalha
contra a Seita da Bruxa. Felt e o gigante sequer são cogitados (!!!). E qual a
necessidade de Elsa, a caçadora de entranhas, não ter sido morta no ataque de
Reinharld se ela sequer aparece novamente? Podia muito bem ter morrido ali e
pronto.
Aliás,
no meio das ameaças que Subaru precisa contornar, há uma traminha tola sobre
quem vai ocupar o trono de Lugnica, que não chega a lugar nenhum. Em especial,
o episódio 13 com a apresentação das candidatas e seus cavaleiros, e uma luta
fraquíssima entre Subaru e Julius, é particularmente torturante. De qualquer
modo, o anime utiliza essas personagens para seu benefício no futuro. Assim, é
fascinante quando Subaru precisa ir a cada uma delas pedir ajuda na luta contra
a seita de bruxas. A personalidade diferente das mulheres e a maneira com que
lidam e manipulam o herói é divertida suficiente pra justificar a existência
delas a partir dali.
E
já que toquei no desenvolvimento dos personagens secundários, há vários que nos
cativam. O próprio comerciante da cidade, cuja filha se perdeu, ganha novas
facetas a cada episódio; Beatrice, a bibliotecária loli, demonstra uma
fidelidade impressionante para com suas promessas; Rem e Ram ganham
desenvolvimentos tão ricos e intensos quanto Subaru, ora soando enigmáticas, ora aterrorizantes,
e ora profundamente românticas. Tudo construído sem pressa, extraindo de cada
uma dessas situações o máximo de emoção que elas poderiam gerar. As próprias
crianças do vilarejo ganham rostos, nomes e sonhos. E o capitão Ahab, digo,
Wilhelm ganha flashbacks pontuais em um único episódio que são mais do que
suficiente para o seu peso na batalha aumentar. É uma pena, portanto, que
Emília acabe enfraquecendo tanto, até mesmo diante de Felt, Elsa e do nobre
Reinhard. Chegam a mostrar até o espírito Pack lutando mais do que ela, que é
renegada somente a interesse romântico do herói. Roswaal também não ganha o peso
necessário como dono da mansão, e seus negócios fora dela jamais são
explorados.
Com
uma animação eficiente e empolgante, embalado por uma trilha sonora
inspiradora, há inúmeros momentos que prendem na cadeira. Toda batalha na loja
com a Elsa, repleta de reviravoltas por parte de todos os personagens. Mas mais
do que isso, a dimensão espacial é sempre clara e entendemos onde os
personagens se encontram e para onde estão se movendo. Inclusive na batalha com
os majuus na floresta ou com a Baleia Branca. Só fica a desejar mesmo o último
vilão, Betelgeuse. Com uma personalidade aborrecida e louca, clichê máximo dos
animes, se contorcendo, falando de amor e com cara de palhaço (literalmente).
Não há peso algum em sua presença em cena. E suas inúmeras formas com os “dedos”
somado com as capas pretas, me lembrou o aborrecido Pain, do Shippuden, o mais
pobre dos Akatsuki.
Com
inúmeras questões sem respostas, o anime simplesmente não tem um final. E
Subaru parece não se preocupar nem um pouco em voltar para o mundo real. E,
afinal, o que é esse mundo em que ele se encontra? Ao menos SAO tinha uma
explicação... E qual a função dessa maldição que ele não pode contar sobre os
seus loops de morte? E a bruxa élfica de cabelos prateados que não apareceu?
Jurei até o final que se revelaria Emilia. E por que tem um episódio que é a
Emilia quem morre ao ouvir o segredo, se sempre foi o Subaru? E nós realmente
deveríamos ignorar o fato que Pack é, bem, o maior vilão de todos? O gatinho espírito
matou o protagonista três vezes (e disse que iria destruir o mundo!!) e é como
se nada tivesse acontecido.
Mas
tem mais. Por mais belo que seja o crescimento da relação Rem e Subaru, é
surreal aquele episódio 18 cheio de declarações e gritaria. E o protagonista
simplesmente corta a menina dizendo que prefere a Emília e basicamente não há
nenhuma reação de Rem. Aliás, há um segundo ele estava profundamente comovido e aceitando viver com ela. Além de, claro, o final, com o esquecimento
total de Rem, e Subaru e Emília juntos após uma dezena de episódios sem se
verem. São reações e mudanças abruptas e secas demais, não parecendo os seres
humanos reais e coerentes lá dos primeiros episódios.
Em
suma, Re: Zero é incrivelmente envolvente em sua primeira metade promissora,
beneficiado por um protagonista nada passivo e que move a história adiante. Auxiliado
por personagens secundários interessantes, combates eficientes (na maior parte
do tempo) é uma pena que a obra acabe decaindo bastante ao pensarmos em
diversas questões pendentes e furos na narrativa. Caso tivesse uma longa trama mais linear e
fechada, ao invés de histórias episódicas, teria sido perfeito.
(Para
mais dos meus textos, é só ir no menu “Crítico Nippon”)
Twitter:
@PedroSEkman
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