Os monstrinhos de Momo, muito se assemelham aos de GeGeGe no
Kitaro, depois da romantização que sofrem nos filmes do gênero.
Este filme segue a garota Momo, de 11 anos de idade, que tem dificuldade em lidar com as mudanças bruscas após a morte de seu pai. Então, ela e sua mãe, Ikuko, se mudam de Tóquio para a pequena ilha de Shio, onde a indústria primária é a citricultura. Deprimida com a aparente falta do que fazer na ilha, Momo fica cada vez mais reflexiva com relação à uma carta inacabada que encontrou de seu pai, com apenas as palavras “'Querida, Momo”. Ela se pergunta o que ele queria dizer a ela, e sente uma sensação persistente de culpa por que a última vez que ela falou com ele, lhe disse que lhe odiava e não precisava voltar para casa. A adaptação em sua nova casa se torna mais complicada quando Momo descobre que na casa há três youkais: Iwa, Kawa, e Mame – Que para esconderem a real natureza de sua estadia, lhe diz apenas que são espíritos banidos para este mundo. Eles vão causar muitos problema para Momo, com suas travessuras, roubos e traquinagens, mas qual seria a verdadeira razão da vinda deles, e qual a ligação que têm com o pai de Momo?
A Letter to Momo (Momo
e no Tegami), ou “Uma Carta Para Momo” no bom português, é um recente longa
metragem lançado pelo estúdio Production I.G. – mais precisamente já no final
de 2011 – que de lá pra cá já produziu e lançou mais dois longas: Blood-C: TheLast Dark e 009 RE:CYBORG (os dois em
2012). Dos três, é o com menor receptividade (até mesmo no Japão), o que se explica por, normalmente quem consome
anime costuma ignorar os filmes que muitas vezes passam batidos por demorarem a
ganhar tradução assim que o mesmo é lançado em BD/DVD, e por ser infanto-juvenil.
Além de claro, filmes de franquias
tendem a chamar muito mais atenção do espectador convencional.
Mas com boas criticas, Momo é daqueles que faturam diversas
premiações [inclusive, desbancou grandes nomes como From Up On Poppy Hill do
Ghibli e Wolf Children de Mamomu Hosoda, e faturou o Asia Pacific Screen Awards
recentemente]. Muito por sua mensagem intrínseca que traz à tona o
relacionamento entre uma mãe que precisa se manter forte e uma filha com
remorsos, após perderem seu pilar de sustentação. E é uma mensagem
arrebatadora, diga-se de passagem.
A Letter to Momo encanta por dar verossimilhança à típica história
de fantasia infantil/juvenil de garotinha
é forçada a se mudar para o campo japonês, sozinha ou com a família. Ela pode
estar relutante, ou indiferente, mas em algum momento ela vai explorar aquele
local e acabar encontrando criaturas míticas, essas criaturas a ajudarão a
superar uma crise pessoal e mudar a sua visão sobre o mundo. Tudo isso irá
explodir em um clímax onde essas criaturas são essenciais para o desfecho final.
É um plot bem familiar, explorado à exaustão em produções como o competente Miyori
no Mori e principalmente pelo estúdio Ghibli, que está sempre revisitando o
tema, com poucas variações.
Este filme não inova neste sentido, trazendo inclusive uma
sequência inicial e outra já no clímax que remetem às duas produções do Ghibli:
“Meu Vizinho Totoró” e “Ponyo - Uma Amizade que Veio do Mar” (a sequência onde Momo descobre a
existência de criaturas míticas em sua casa e da forte tempestade com o mar
invadindo a estrada e ameaçando a vida dos personagens). Com ideias
executadas de forma tão similar, é difícil não acreditar que o diretor, Hiroyuki
Okiura, não se inspirou nestes dois longas.
Contudo, A Letter to Momo se diferencia dos demais na
abordagem madura com relação ao seu argumento. Momo é a típica pré-adolescente
e se comporta como tal. Hiroyuki Okiura é extremamente feliz na forma como
construiu e projetou Momo, com diversas peculiaridades, trejeitos minimalistas
que você só percebe se não se focar apenas na legenda, mas na forma como a
garota interage com as pessoas e ao ambiente ao redor (mesmo quando está só). A expressão facial, seus gesticulamentos,
diálogos e principalmente sua entonação de voz. Neste aspecto, a opção por
dubladoras desconhecidas e que não são profissionais passam uma atmosfera de familiaridade
absurda: Soa como pessoas reais, do seu dia a dia. Momo, por exemplo, é dublada
por uma garota que na época tinha 14/15 anos (Karen Miyama) e sua mãe, Ikuko, por uma seiyuu (Yuka) pouco conhecida – E ambas
empregam vozes típicas. Momo realmente se parece com uma pré-adolescente de 11
anos, e Ikuko como uma mãe japonesa, sem aquele tom rebuscado e cheio de
nuances que geralmente se vê na indústria do entretenimento.
É um filme de forte exposição e poucos acontecimentos
relevantes, com uma narrativa minimalista onde a perspectiva de Momo e de sua mãe
(em menor destaque) àquele novo
mundo, e suas reações à forma como são envolvidas naquele cotidiano monótono ,
é a verdadeira proposta e a força motriz da história. Somos vouyers, e é através deste ponto de vista que
vemos Momo remoendo seu remorso por ter dito ao seu pai que não precisava
voltar para casa e logo em seguida recebendo a notícia de sua morte. Seu
silencio expressivo. A difícil adaptação e dificuldade em fazer amigos, onde
inclusive, há uma sequência belíssima da mãe deixando-a constrangida ao pedir
que 2 crianças locais fossem suas amigas (aquele
impulso típico de mãe que sempre nos matam de vergonha, parece que ela são
formadas em nos fazer pagar mico na frente de ‘estranhos’). Nesta subtrama
que explora sua dificuldade de comunicação e aceitação, que irá se arrastar até
os finalmentes do longa, existe um certo simbolismo. Dado momento, Momo aceita
ir com as crianças nadar no rio, mas quando chegar a hora fazer todo o ritual
de pular a ponte e se integrar aos demais, ela simplesmente trava. No primeiro
instante, o que fica obvio é que ela tem medo da atura e da água lá embaixo, porém
há algo à mais; a culpa de estar se divertindo, se permitir dar o passo
seguinte e deixar o seu pai para trás e acima de tudo a sua dificuldade em se
abrir e se expressar, depois da tragédia.
Com isto, Momo vai se fechando em sua concha à medida que o
enigma que o seu pai queria lhe dizer na naquela carta (há só duas palavras: “Querida,
Momo...”) continua indecifrável. Nota-se isto na primeira sequência do
filme com Momo no navio, olhando para o horizonte da nova cidade que viverá,
enquanto segura essa carta nas mãos. Sua mãe surge e tenta uma comunicação, mas
o diálogo se torna quase monossilábico, porque a filha não interage e dá
respostas curtas e mecânicas. E isto continua em toda a narrativa, que traz em
seu mote central a relação entre mãe e filha. Ikuko evita de tocar no assunto
com sua filha, mas acompanhamos nos momentos que está só, sua debilitação física
e sua dor, sempre escondida atrás de um sorriso, e quase nunca exposta. O fato
de que Momo é quase sempre deixada sozinha. Todas essas peculiaridades vão
aumentando a sensação de isolamento em torno de Momo em quase toda a primeira
hora do filme.
Claro, isso começa a mudar quando ela descobre a presença de
mítica de seres sobrenaturais, que não são nada educados, nem fofos como os
youkais de Totoró, por exemplo. A reação de espanto de Momo à eles, e a
interação que se segue em toda a primeira hora, rende excelentes momentos de
humor. É através deles que Momo irá ficar mais afável a se relacionar e
expressar seus sentimentos novamente. Eles também são a chave para o enigma que
cerca o mistério sobre o que o pai dela lhe queria dizer. A segunda metade traz
consigo uma explosão de sentimentos onde mãe e filha não conseguem esconder
mais uma da outra os temores e dúvidas e suas dores, deixando vir à tona seus
verdadeiros sentimentos, como estão sofrendo pela perda sofrida e pela falta de
respostas claras uma da outra. Tudo isto em uma cinematografia fantástica de Hiroyuki
Okiura, que consegue desviar sutilmente do melodrama que toda essa explosão
poderia causar e se permite brincar com a Momo e os demais personagens em meio
a um tufão. O mais importante: Humor, drama e tensão nunca se sobrepõe, mas se
misturam homogeneamente.
Hiroyuki Okiura é um nome pouco conhecido pelo espectador
convencional, mas respeitado na indústria por sua extrema habilidade e pericia
que tem como animador do Production I.G.. E essa competência é notável na
animação deste filme, extremamente fluída e eficaz ao transmitir os diferentes estados
emocionais dos personagens, seja numa sequência de ação, ou de pouca
movimentação. Todo o cenário é bem expressivo e transmite magistralmente a
atmosfera de interior. Esse detalhamento e incrível pericia nos desenhos custou
a Okiura, que ficou responsável sozinho por todo o storyboard do filme, por
volta de 7 anos de trabalho (e o resultado ficou impecável, com um storyaboard todo feito à mão) em cima do longa. Por isso, quando dizem que ele
ficou 7 anos trabalhando em Momo, não quer dizer que ele estava desenvolvendo o
roteiro, mas sim dando vida à ele. E o resultado é compensador. Note o sorriso
falso que a mãe de Momo coloca na face para que a filha não percebesse que
estava chorando segundos antes, ou durante a introdução, quando as três gotas
de água estão caindo do céu, e então resvalam em Momo e escorrem pelo chão, as
gotas não são límpidas, você pode ver os traços de lápis claramente. É uma
experiência visual belíssima.
Como se percebe, A Letter to Momo traz subjetivamente uma
mensagem que vai de encontro à velha tradição japonesa: A dificuldade de
comunicação, de se expressar. Seja a do pai que não conseguiu completar uma
carta com pedidos de desculpas, uma mãe que se recusa a tocar no assunto com a
filha, e a filha, que acaba se isolando e alimentando sentimentos de rancor e
mágoas. Curiosamente, o próprio filme quando poderia ser mais abrasivo, esboça
de forma tímida o carinho entre mãe e filha. Não deixa de ser bonito e tocante,
mas Momo acaba entregando um final morno demais, além de sofrer com uma falta
de ritmo no clímax final, que acaba deixando uma sensação anticlimática. Uma
cena de perseguição que continua mesmo após a tensão já ter se dissipado, e o próprio
fim, que teve três sequências finais até chegar ao final definitivo. Este
timing equivocado de Okiura deixa a falsa sensação de que está faltando algo,
que o longa falhou em sua mensagem final. Como preliminares sem sexo.
Nota: 06/10
Tipo: Filme
Estudio: Production I.G.
Direção: Hiroyuki Okiura
Roteiro: Hiroyuki Okiura
Ano: 2011
Duração: 120 min.
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