quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Jormungand: A Nova Ordem Mundial


Duas reviews em uma. Peguem uma xícara de chá, por que isso vai ser longo.

Jormungand é um daqueles animes com a proposta de 2 cours independente de fatores externos, separados por um espaço de tempo médio de 3 meses, de uma temporada para outra. Encontramos exemplos recentes em produções como Fate/Zero e Medaka Box, que já nasceram planejados para split-cour – Com o aumento da demanda de animes a partir dos anos 2000, essa prática passou a se tornar muito mais comum do que antes, a fim de manter a mesma equipe de produção sem precisar recorrer a serviços terceirizados, e claro, vendas dos discos de Blu-Ray/BD.

Resumo:
 
Koko Hekmatyar é uma jovem vendedora de armas da companhia internacional HCLI; uma das grandes empresas traficantes de armas na ativa, que vende para todo o mundo. Com este trabalho de alta periculosidade, ela precisa constantemente fugir da lei e diversos oficiais que estão em seu encalço – Ela é tida com a criminosa mais perigosa e procurada do FBI. Com isso, ela conta com uma equipe bem diversa, formada de ex-oficiais militares à bandidos. A sua última aquisição é Jonah, um garoto habilidoso com armas, não muito expressivo, que mesmo odiando armas por seus pais terem sido mortos num conflito com bandidos utilizando armas ilegais, aceita integrar a equipe de Koko.

Todo mundo carrega o seu vocabulário de classificações chinfrim; as series assistidas podem ser de “de ecchi”, “de detetive”, “de luta”, “de violência”, e tem muita gente que classifica Jormungand como um “anime de tiro” – E eu vou um pouco mais além o classificando como o anime “de uma maluca carismática”. A bem da verdade, o que não falta em Jormungand, assim como na maioria dessas séries de anime e mangá envolvendo armas e criminosos, são personagens malucos querendo dançar ao som do trik-trak boom.

Adaptações para animes de séries como Jormungand – adaptado com certa fidelidade do mangá já finalizado de 11 volumes de Keitaro Takahashi – para animes é algo que, convenhamos, não acontece com muita frequência. A consagrada formula criminosos & armas que desafiam a suspensão de descrença é algo que faz a cabeça do público casual aqui no ocidente, já acostumados com a carga explosiva hollywoodiana. Então não demorou para que Jormungand “estourasse”, e inclusive a sua protagonista (Koko) virou meme com a faixa “Her name is Koko! She is loco! I said oh, no!”.


A blogsfera torceu o nariz, em parte por sua pegada de filme B de ação, e a parcela do público que continuou acompanhando a série, assistiu-a em silêncio. Mas por que, se nos primeiros episódios era o assunto do momento? Jormungand possui todos os ingredientes manjados que marcaram época, como anti-heróis “bad asses”, com o poder de não serem atingidos por nenhuma bala em tiroteios; antagonistas malvadões de semblante facilmente esquecíveis que existem somente para serem mortos; missões com tiroteios na selva, vilarejos distantes, cidades movimentadas; armas de todos os tipos e calibres. E, o mais importante: tiros e explosões.

No episódio 03, por exemplo, Jonah corre em linha reta em direção à um casal de assassinos habilidosos sem nenhuma cobertura. Ambos os lados em fogo cruzado, e ainda assim todos saem ilesos. Alguns segundos depois, este mesmo casal de assassino estão com snipers de prontidão em cima do telhado. A linha de ação de Jormungand é descerebrada. Agrada principalmente quem adora a velha formula de pipoquinha crocante. Narrativa divida em arcos fragmentados com pouca ou nenhuma relação entre si, com Koko fazendo suas operações de sempre. Missões que falham. Emboscadas. Uma frágil linha de drama barato. Personagens Badass. Isto poderia ser apenas uma desculpa para tiros, explosões, diálogos sarcásticos e engraçadinhos, tiros, explosões, Koko e seus planos malucos, e claro, tiros e explosões.


Mas, se por um lado Jormungand constrói uma lógica própria com relação à linha de ação, as operações de Koko se mostram muito estratégicas. Isso é o que dá para se perceber na primeira parte da série. É perceptível, porém não é explorado sabiamente. As sequências de ação vão se tornando cada vez mais esparsas, e a narrativa não se sustenta porque ao contrário de Black Lagoon, os personagens aqui não são interessantes o suficiente, os eventos vão se tornando repetitivos. Falta tensão e senso real de perigo (algo que Highschool of the Dead sabia construir muito bem, a despeito da execução um tanto quanto intencionalmente nosense). Embora Koko continue esbanjando carisma, Jonah se sente perdido na história com monólogos em off que nada acrescentam. Nada.

O primeiro cour de Jormungand é facilmente esquecível, apesar dos seus momentos divertidos, a narrativa não é desenvolvida de uma forma que estruture melhor a segunda parte, e fora Koko e Valmet que se destacam pelo carisma, todos os personagens passam batidos. Já nos momentos finais, a história volta a esquentar com a subtrama de Valmet, que possui certa densidade, tornando a ação muito mais atrativa pelo contexto ao qual se insere. E pela primeira vez na série, temos uma tensão psicológica nunca antes vistas, numa sequência incrível envolvendo Valmert e Jonah ao som de uma trilha sonora brasileira; “Meu Mundo Amor”, que fecha o cour com uma melancolia acentuada que faz uma simetria perfeita com o que se vê no vídeo. Foi bonito, e até mesmo tocante.


O estúdio WHITE FOX repete o mesmo feito anteriormente em Steins;Gate, e nos brinda com um character designer que fica muito, muito aquém do original, que é belíssimo. Em Jormungand os personagens são quadrados ou delineados em linhas retas. O traçado é simples e fácil de desenhar, evidenciando o baixo orçamento da série que possui paletas de cores apagadas, péssima iluminação e um CG horripilante que salta às vistas. Há momentos em que isso beira ao bizarro, mas este ar meio trash se assimila bem à história de fundo. É divertido. Talvez o único porém seja o fato do autor original desenhar personagens que se assemelham muito uns aos outros, só alterando o cabelo ou físico.


Nota: 05/10
Direção: Keitaro Motonaga
Roteiro:  Yousuke Kuroda
Estudio: WHITE FOX
Ano: 2012
Episódios: 12


*a partir daqui, pode haver spoilers*


Jormungand: Perfect Order

Superior ao primeiro cour, onde os arcos são amarrados numa narrativa contínua. A densidade aumenta e a natureza geopolítica da série ganha contornos mais sérios. Diversas subtramas politicas vão se formando ao fundo, com intrigas e articulações de tirar o fôlego. Com isso, a ação ganha mais impacto, embora tenha deixado de lado toda aquela pirotecnia, as operações se tornam mais estratégicas e refinadas – Claro que ainda dentro da lógica da série. O que foi uma pena, levando em conta a intensidade da narrativa, o drama deveria ganhar mais peso dentro do contexto, com perdas inevitáveis, porém o autor não parece estar interessado em abrir mãos dos personagens no momento em que a situação exige.  E quando isso acontece, e somente uma vez, podemos ver um pouco mais da verdadeira Koko. Só é uma pena que este lado dela não tenha recebido um desenvolvimento melhor. Os personagens de fundo também tiveram uma evolução e seus conflitos se mostram muito mais interessantes e envolventes.

Jormungand mostrou nessa segunda parte que não se precisa de explosões a torto e a direita pra fazer o nosso sangue ferver. Os esquemas táticos, a tensão, os diálogos, que ao contrário da primeira parte, aqui fazem o enredo ir pra frente – E claro que houve ação, que ficou muito mais empolgante com um bakground melhor estruturado e uma tensão cada vez mais crescente por não sabermos exatamente qual o objetivo final da Koko.


E por fim, o título faz sentido. Isso é bom e é ruim. Por um lado, isso mostra que o autor não soube estruturar bem o enredo. Sinceramente? Jormungand se parece com uma história construída de baixo para cima, e não de cima para baixo. Claro que, pelo título, é evidente que ele sabia qual o ponto queria alcançar, porém ele parece não saber como chegar a este ponto, e faz uma primeira metade completamente distinta da segunda, com eventos aleatórios e tramas que não andam pra frente, não fazem os personagens se desenvolverem, e nem trabalha temas que serão importantes para o clímax final. Por outro lado, mostra que a história foi pensada antes mesmo de ir para o papel, apesar de mal estruturada.

Quando o fogo e o gelo se encontram as consequências podem ser nefastas. Eu gosto deste simbolismo pairando no ar, entre a frieza gelada de Koko (e sua aparência de alguém oriundo de um país nórdico. Ela é como se posta ao mesmo tempo como uma serpente, e como um lobo branco), e o fogo das armas que vende que parece arder no interior de todos ali.


Loki, deus do fogo casou com a deusa Angrboda. Da união com Angrboda nasceram; Fenrir, um lobo gigantesco com força extraordinária; Jormungand (ou Jormungandr), uma serpente gigante e Hel, a rainha do Inferno. Odin, o pai dos deuses, os pegou e levou para sua fortaleza, temeroso do que eles pudessem fazer. Decidiu ele atirar Jormungand (que significa serpente lobo) em Midgard, ou seja, a Terra. Caindo no oceano, lá ela ficou, sem que ninguém ousasse incomodá-la… Cresceu cada vez mais, tanto que seu corpo dá a volta ao mundo… Os marinheiros a chamaram de serpente de Midgard; a serpente que mora na Terra, o local entre a morada dos deuses e a terra dos mortos.

Vocês percebem em como a figura de Koko se mistura à de Jormungand? Ela abomina a guerra; dede pequena fora jogada junto a seu irmão neste mundo por seu próprio pai, dono da companhia HCLI (sic... uma pena isso não ter sido tratado da forma que merecia. Tinha tudo para ser um conflito FODA). Segundo o poema escandinavo Edda, quando chegar o Apocalipse (Ragnarok) ela vai ser cuspida do mar de volta à terra, onde vai envenenar os céus. Assim nasce o plano Jormungand, que já estava em execução desde o inicio da história, embora não há a mínima pista sobre isso. O projeto secreto desenvolvido entre Koko Hekmatyar e Amanda Minami envolve o uso de uma rede de satélites restringindo a tecnologia, e assim acabando com a guerra e trazendo a paz ao mundo.


Não vou entrar nos aspectos técnicos do plano, porque ele é coerente. Eu vou dizer o que não é coerente: O que Koko espera alcançar com este plano. É infantil e estúpido, digno de algo saído da mente de uma “princesinha”, como ela é chamada. Porém, nós sabemos muito bem que Koko, apesar de louca, não é burra. Ela é inteligente e estrategista. O plano ser infantil e estúpido, não seria um problema se a postura de Koko fosse outra. Assim, fica evidente que mesmo a série centralizando em sua personagem, ela é tão subdesenvolvida que este argumento se mostra ofensivo.

Koko odeia o comercial de armas, o que faz com que se alie à Jonah, e assim a série amarra as poucas pontas soltas que tem. Ela é extremamente lógica. Suas ações são precisas. Sabe que precisa agir não importando quantos serão sacrificados no processo. É preciso, ainda que saibamos que ela abomina envolver inocentes desnecessariamente. Aí está o problema. Ela traça planos com objetivos concretos (é assim que a vemos, durante todos os episódios). Koko não é ideológica como a mensagem final deixa subtender. Ela não é ingênua, embora se esconda atrás de uma mascara, é pratica. Os seus momentos de fraqueza emocional, como na morte de R, e quando Lehm a diz o obvio; que não é bom deixar transparecer o seu carinho por seus homens – Isso a torna humana, ao contrário da primeira metade, aqui ela se mostra uma personagem muito mais complexa.


Isso soa incoerente com sua decisão final, onde seria muito mais palpável se ela fosse uma personagem mais plana e menos madura, autenticamente uma “princesinha”. Quando ela revelou o seu plano, eu pensei comigo “essa não é a minha Koko”. Como já sabemos, guerras trazem consigo grandes mudanças, e aquele mundo chegou num ponto irreversível, necessitando realmente de um impacto para trazer uma nova perspectiva. Este enredo, delineado em torno da “Perfeita Ordem” (uma clara referência à “velha” e a “nova” ordem mundial) por este aspecto é incrível, principalmente por trazer à tona conceitos verossímeis (a citação à Julian Assange referenciando o controle absoluto de informações por Koko e o atentado terrorista às torres gêmeas americanas foram um excelente adendo), como o ressurgimento de uma nova guerra fria, a logística por trás do tráfico internacional, a supremacia americana em choque com os países pobres em extrema pobreza e o ponto mais incrível; o ressurgimento da URSS. Aliás, aquele símbolo socialista ao lado das três cadeiras que representam o surgimento de uma nova ordem, no episódio final, me fez vibrar na cadeira.

O conceito do autor é maravilhoso, e ele soube amarrar isso ao seu enredo com um toque incrível (vale é um post só para isso). Não há nada de errado com o plano. O problema está na Koko e como ela foi moldada até então. O autor dá uma justificativa que ofende qualquer ser pensante, quando o objetivo de sua personagem se resume há uma ideia muito vaga de paz, do qual nem ela mesma tem certeza. Seria mais plausível, se sua motivação fosse a de trazer uma nova perspectiva para o mundo, e não a extinção da guerra. E bem, Kasper (irmão de Koko) se mostrou um bom personagem, e sua frase final foi impactante (ele a tratando como uma tola me doeu um pouco, mas suas palavras representam o obvio. E gostei dela ter sentido essas palavras). Jonah, por outro lado, foi decepcionante em todos os sentidos. Um personagem que não mostrou a que veio. Poderia ter morrido na primeira parte, e sua ausência não seria sentida.

Nota: 06/10
Direção: Keitaro Motonaga
Roteiro:  Yousuke Kuroda
Estudio: WHITE FOX
Ano: 2012
Episódios: 12

Similar: Black Lagoon, El Cazador de la Bruja, Madlax, Trigun

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> Destaque para a trilha sonora fantástica da série composta pelo igualmente fantástico Taku Iwasaki ([C], Jojo, Katanagatari, Gurren Lagann). Vale baixar toda a trilha sonora da série, e conferir o seu ótimo trabalho. Algumas peças são excelentes para quem curte aqueles instrumentais mais instrospectivos. E claro, a música "Meu mundo amor", interpretada pelo brasileiro Silvio Anastacio se destaca em meio às baladas explosivas de Mami Kawada e Maon Kurosaki. Temos aqui, uma das melhores trilhas sonoras de animes, em 2012.


> Não entrei no mérito, mas a relação entre Koko e seus homens, a sua convicção de nunca envolver inocentes a não ser que fosse preciso, e todas as tretas pelo qual passaram junto, foi algo divertidíssimo de se acompanhar.A relação entre Koko e Kasper também foi sensacional. Não precisou de muito, para que ficasse evidente e conecção afetiva entre os dois irmãos. Sei que estou sendo sentimental, mas se me perguntarem se valeu apena assistir Jormungand, eu direi que sim. Foi divertidíssimo no fim das contas.


> A direção de Keitaro Motonaga, que dirigiu Katanagatari e o esquecido Phantom the Animation (outro anime de tiros), não está tão afiada, mas desempenha bem o esperado. Só gostaria que ele tivesse tomado certas liberdades na produção. A composição e roteiro de Yousuke Kuroda não compromete, mas em alguns momentos alguns diálogos soam mais carregados e complexos do que deveria. No mais, estúdio White Fox fez relativamente mais uma boa adaptação. O meu problema é com o texto original.


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