quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Watashi no Suki na Hito – A Pessoa Amada (editora NewPOP)


O que aconteceria se Manoel Carlos resolvesse escrever mangá?

Quando “A Pessoa Amada” (Watashi no Suki na Hito – de 1993 à 1995) foi lançado pela editora NewPOP depois de uma longa espera desde o seu anúncio oficial, eu tinha acabado de ler Shirahime-Syo (1992) e Koi (1993); coletâneas de contos que representam uma faceta pouco conhecida do CLAMP com uma abordagem mais romântica e madura. Shirahime é mediano, mas, agradável e possui aquela levada mitológica que já é uma marca registrada do grupo. Koi é desastroso e pretencioso. Então fiquei na dúvida se “A Pessoa Amada” valeria o investimento. Provavelmente alguma hora eu compraria, mesmo que para fins meramente colecionáveis, mas após ler a resenha do @cnetoin para o Netoin!, meu interesse aumentou e comprei-o imediatamente.

E digo que fiquei impressionada, o que eu li estava acima de minhas expectativas. Não esperava me defrontar com tanta sensibilidade para com questões e conflitos tão íntimos do interior do ser humano. Eu iria dizer “do interior do universo feminino”, porém eu estaria fazendo uma colocação extremamente equivocada – Os contos partem sempre da perspectiva feminina, mas abrangendo ambos os gêneros. Em “Diferente”, há a história de uma garota que estava arrependida de ter discutido com o seu namorado e tinha dificuldade em pedir desculpas, então ela se veste de um jeito diferente do usual quando vai se encontrar com ele novamente; “Porque sempre me sentia diferente quando vestia quimono”.  Ao se encontrar com o namorado, se sente surpreendida ao ver que ele também teve o mesmo impulso, de se vestir de um jeito mais formal para se encontrar com ela, tornando este reencontro especial para ambos.


O ser humano tem a sua própria forma de se comunicar quando não encontram palavras, ou não conseguem expressar/externar o que querem dizer. São impulsos primitivos. Um gesto sutil, um olhar que só você consegue decifrar o significado e que conseguiria desarmar uma bomba atômica, evitando a terceira Guerra Mundial no relacionamento. Um sorriso travado quase imperceptível, que só você perceberia. Ou uma roupa diferente da usual que dê um significado especial àquele reencontro. Quando você se relaciona com alguém, e valoriza esta pessoa, passa a notar coisas que só são perceptíveis para você. Além do comportamento gestual, a roupa é a forma mais recorrente de se externar um sentimento.

Esta é uma história verídica de Nanase Ohkawa, envolvendo ela e uma amiga. Ela diz no free-talk; “Às vezes, quanto mais gostamos da pessoa, mais difícil é de pedirmos desculpas”. Não poderia ter sido mais verdadeira. Ohkawa diz que no reencontro com a amiga, assim como ela, esta também resolveu se vestir de uma forma totalmente diferente do costumeiro. Tenho certeza que ambas nem pararam para pensar nisso tudo o que acabei de dizer. Ninguém para pensar nessas coisas, porque é simplesmente um impulso de querer se sentir uma pessoa diferente. Poucas coisas são tão verdadeiras quanto os impulsos.

Em “Mais Novo”, temos a história de uma mulher mais velha que foi trocada pelo namorado por uma garota mais nova, provavelmente por ele não ser também mais novo, e não ter aguentado a barra de namorar alguém com alguns anos à mais. No ocidente, estar com alguém com 3 anos de diferença de idade não diz muito, embora ainda há o estigma [principalmente quando esta diferença de idade é considerável], mas no Japão se envolver com uma mulher, mesmo que seja apenas uma diferença de meses, é um tabu social. Certa vez vi em um anime uma garota se questionando se seu pretende aceitaria se envolver com ela, mesmo sendo 6 meses mais velha – Na hora eu esbocei um sorriso de incredulidade. E hoje compreendo seu dilema. Nesta história, Ohkawa discorre sobre estes conflitos internos que nos abalam, e termina trançando em seu monologo um panorama entre homens e mulheres. Afinal, independente do fator social, estes receios e sentimentos de inferioridades são coisas que afligem ambos; a pessoa mais nova e a mais velha, no relacionamento.



Me permiti ir um pouco mais além nestas duas histórias, para evidenciar pra vocês o quanto “A Pessoa Amada” consegue envolver e tocar qual gênero seja, gerando uma identificação incrível por serem fatos tão comuns do dia-a-dia e não se restringir à histórias de amor melosas. O que se vê ao fundo são romances, mas o ponto a ser alcançando é a narrativa em off que traz à tona todos estes questionamentos. São pensamentos, anseios, dúvidas que eu tenho certeza que já passou pela mente de muitos aí em algum momento. Em “Gracinha”, eu me vi no lugar da personagem: “Acho a palavra ‘gracinha’ muito ambígua. Até entendo que digam: ‘Ela é linda’, só que não consigo confiar nas pessoas quando dizem: ‘Ela é uma gracinha’”.

Pode se dizer seguramente que “A Pessoa Amada” é o trabalho mais pessoal de Nanase Ohkawa enquanto integrante do CLAMP. São 12 histórias curtíssimas de 07 páginas e 12 ensaios (como definido pela própria) com 3 páginas cada, onde a autora tece comentários e curiosidades acerca daquela história. É uma compilação autobiográfica com histórias vivenciadas pela própria Ohkawa, e também de terceiros, como acontecimentos pessoais da vida de suas amigas ou de algumas integrantes do CLAMP.

Dessa forma, “A Pessoa Amada” é um bom entretenimento para qualquer um que tenha apreço pelo lado mais sentimental e doce do ser humano, e essencial para quem é fã do CLAMP. Assim como aconteceu com Gourmet, mangá escrito por Jiro Taniguchi e ilustrado por Masayuki Kusumi (lançado aqui no Brasil com uma edição incrível pela Conrad), o destaque acaba sendo os comentários pessoais do autor, neste caso a Ohkawa. Ouvir os seus relatos pessoais é se sentir como se conhecesse um pouco mais daquela que é o cérebro do grupo CLAMP – E também ter a certeza de que estas velhas são loucas, e embora preservem a imagem pública, aprontam e adoram uma noitada (estou começando a achar que as mulheres japonesas – principalmente as mais maduras – sabem se divertir muito mais que os homens de lá).


“A Pessoa Amada” é fruto da parceira entre Nanase Ohkawa (história) e Tsubaki Nekoi (desenhos) para a antologia Josei (Mulheres maduras) Young Rose da editora Kadokawa Shoten. Essa foi a primeira vez que a Nekoi, que exerce a função de codiretora do grupo e normalmente fica responsável por aplicações e correções, ficaria responsável sozinha pela arte de um mangá (ela viria repetir este feito em Gohou Drug e Wish, entre outros), função normalmente dada à Mokona. A arte é bem simples e as personagens não possuem aquele apelo estético característico do CLAMP (elas inclusive chegam a comentar isto no final do volume). E quer saber? Ficou ótimo, pois evidência o que realmente interessa, que são os textos e os pensamentos íntimos das personagens anônimas. Podemos concluir que “A Pessoa Amada” é Nanase Ohkaya & Tsubaki Nekoi + CLAMP, e esta diferença são observadas em todas as histórias e em como a arte está em total sincronia com o texto, fazendo deste mangá quase uma experiência literária.

Enfim, eu poderia dizer que a edição da NewPOP estaria impecável, se não fosse as habituais mancadas da editora na hora da revisão. São apenas errinhos de escrita e concordância que por serem tão bobos, me faz indagar porque isto sempre se repete (principalmente porque foram 2 pessoas responsáveis pela revisão deste mangá). A tradução da velha conhecida Karen Kazumi Hayashida está ótima, como de costume. Edição e fluidez nos diálogos estão excelentes. “A Pessoa Amada” vem com as primeiras páginas em papel couché, todo brilhante que deu às ilustrações em tons aquarela todo um charme. O restante do mangá é todo em papel branquíssimo offset e capa cartonada. Sem dúvidas vale o preço cobrado pela editora.


Nota: 07/10
Volumes: 01
Demográfico: Josei
Ano de lançamento: 1999
Editora: NewPOP
Formato: 12,7 cm x 18,9 cm
Páginas: 132
Valor: 14, 00

Lojas online: Anime Pro, Comix

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Imagens ampliáveis.