sábado, 21 de dezembro de 2013

O Mundo Cinzento de Bubblegum Crisis 2032 (1987)

Bubblegum Crisis foi uma série ambiciosa imaginada por Toshimichi Suzuki, que tentou surfar na onda dos OVAs ainda em voga nos findos da década de 1980, mas o navio afundou e o que ficou virou história. Vamos conferi-la.
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A série é ambientada na cidade fictícia de MegaTokyo no ano de 2032, depois de um terrível terremoto que assolou Kanto em 2025, absorvendo a cidade e obrigando-a se reconstruir nos anos seguintes. Essa cidade agora se chama MegaTokyo e em seu processo de reconstrução, a megacorporação Genom se tornou a grande potência mundial, em partes por causa da crise econômica mundial, e por ser detentora do projeto Boomer – androides fabricados em diversas séries para diversas finalidades, desde a mão de obra barata, combate pesado, até prostituição. Logo, a Genom se tornou uma grande potência mundial radicada, claro, em MegaTokyo!
Como qualquer série de ficção cientifica que se preze, a conceitualização de seu mundo traz diversos detalhes dificílimos de encontrar na execução da série, mas presente em materiais extras – como revistas, games, making-of, etc – destinadas ao fã hardcore quer por querer saber mais sobre seu objeto de culto, é recompensado sabiamente pelos produtores – aliás, é esta áurea ‘’’’’’’’superior’’’’’’’’ sobre demais mortais de quem sabe mais e por isto é mais fã, que forma qualquer nerd (que em síntese, é um fã hardcore).

E, bem, algo interessante sobre um dos elementos da série, mas nunca mencionado em nenhum dos episódios, é com relação ao nome ‘Boomer’, que em suma, recebem este nome por serem os responsáveis pelo “boom” de MegaTokyo, na sua prosperidade econômica. Interessante também a origem do nome ‘Genom’, que seria uma referência para ‘genoma’, um bloco da estrutura molecular do DNA, que é vital para a vida, em uma ótima analogia com a figura soberana e onipotente da Genom no mundo da série. Uma relação um tanto quanto complexa, como veríamos no decorrer do anime e num bom diálogo entre duas personagens, onde uma pergunta à outra porque não acabam de vez com o domínio da Genom, no qual esta responde não exatamente com estas mesmas palavras, que a manutenção do equilíbrio mantido entre a Genom e seus opositores – representados pelas ‘Knight Sabers’ – era fundamental para o mundo. Em outras palavras, um mundo onde não houvesse ninguém capaz de ir contra os planos gananciosos da Genom se tornaria utopicamente absolutista, e um mundo sem a Genom afundaria no caos econômico em um futuro onde o mundo inteiro seria sustentado por uma megaempresa.
É um impasse similar ao ocorrido em Psycho-Pass, onde mesmo descoberto a origem controversa do governo Sybila, sua permanência a longo prazo como entidade máxima do estado era inquestionável. Neste aspecto, a origem do nome da série [Bubblegum Crisis] é fantástica e intuitiva: ‘Bubble Gum’ é o que chamamos aqui de ‘Bola de Chiclete’. ‘Bubblegum’ é ‘Chiclete’ e ‘Crisis’ é ‘crise’, evidenciando o que estava eminente (afinal, ao mascar um chiclete, o que vem a seguir é a bola. Ou ao menos, esta era a mentalidade da época). Reflete um mundo em crise como o daquele universo, faltando pouca coisa para entrar em colapso, como uma bolha de goma de mascar prestes a estourar no seu rosto.

Intuitivo também é a origem do conceito da tecnologia Boomer, uma combinação perfeita entre robótica, cibernética e inteligência artificial com aparência humana, desenvolvida pelo cientista pioneiro Doutor Katsuhito Stingray (Hiroya Ishimaru), que como podemos ver nos primeiros segundos do primeiro OVA, fora morto em um acidente suspeito no laboratório enquanto desenvolvia sua maior criação. Mesmo com sua morte, a Genom continuou com os estudos. No futuro, vemos que os boomers são essenciais para a Genom em seus planos maquiavélicos com relação ao mundo. É neste cenário que surge as Knight Sabers, um grupo de quatro mulheres em trajes avançados de robot suit que não são exatamente heroínas da justiça, uma vez que cobram por seus serviços e agem de acordo com seus próprios interesses, mas de uma forma ou outra estão sempre atrapalhando os planos da Genom.
A cantora pop star Priss (Kinuko Oomori), a policial infiltrada e cérebro da equipe; Nene (Akiko Hiramatsu) e a personagem trainer Linna (Michie Tomizawa) são lideradas e recrutas por Sylia Stingray, filha do mentor dos Boomers.

Bubblegum Crisis é inspirado em dois filmes estadunidenses que são clássicos cult: ‘Streets of Fire’ (Ruas de Fogo), com sua violência urbana insustentável, gangues que se apoderam de estradas e violentam cidadãos e uma lei ineficaz, elementos sempre presentes em todos os OVAs da série – mas o elemento principal está no rock e trilha sonora sempre presente, representados numa famosa vocalista, figura que na série é Priss, que permeia várias episódios com suas apresentações estonteantes.  Já o outro se trata de Blade Runner; seja na megalópole cidade de MegaTokyo em um cenário urbano sufocante e poluído em suas longas edificações, ou seja nos Boomers, uma versão dos replicantes. Não por acaso, a banda de Priss leva o singelo nome de ‘Priss and The Replicants’. Interessante também que a série deixa em aberto a possibilidade de que a Knigh Saber Sylia, filha do Doutor Stingray, seja uma boomer.
Não é muito sutil, não é mesmo? Mas é um argumento interessante. O universo de Bubblegum Crisis é riquíssimo (como se pode ver nos famigerados spin-off gerados) e seus temas e subtramas interessantíssimos; coisas como o questionamento existencial dos boomers, que se tornam seres conscientes e tentam se rebelar esse  libertarem do controle exercido pela Geneom, ou mesmo a questão politica com relação ao dono da Geneom e as investigações secretas de Sylia envolvendo atividades ilegais da Genom e as circunstancias suspeitas da morte de seu pai – as próprias Kinigh Sabers e as carismáticas personagens que lhes dão vida possuem grande potencial. Infelizmente, quase inexplorado, e quando o faz não raramente é de um modo tolo. A narrativa é fragmentada e as boas ideias, quando exploradas, dispersas.

Talvez fosse pela ausência de um nome forte por trás, assumindo a direção artística geral do enredo, ao invés de uma série de diretores e roteiristas para cada episódio de uma série de OVA que durou 5 anos, resultando em alguns altos e baixos mais significativas que os acertos.

Os episódios mais medíocres trazem também as piores qualidades que engessam a obra como um todo:

Os diálogos pouco acrescentam; o básico pra se compreender o contexto é evidenciado pelo som e imagem. Seria bacana caso fosse intencional, mas no caso os diálogos ou não são orgânicos com a narrativa, ou apenas descrevem o que você já está assistindo de modo bem ingênuo.

O ritmo é problemático, principalmente na construção do clímax, sempre faltando certa força dramática e atmosfera climática nestes momentos.  Este, aliás, um dos maiores defeitos da maioria dos OVAs deste período, que tendem a se concentrar nas inserções musicais para dar impacto às cenas. O problema é que na maior parte das vezes são inserções equivocadas, que faz a sequência soar mais como vídeo clipe do que como sequência de ação dramática.
Já os pontos positivos...:

Episódios como o quinto; sobre uma bloomer rebelde que se envolve afetivamente com Priss, o sétimo; que reata uma ponta solta de episódios anteriores e de quebra apresenta a melhor sintonia entre ação e música de toda a série; e o oitavo, que reflete o dia a dia de Nene, a Kinigh Saber hacker da equipe, são sem duvidas os melhores da série, em uma direção com desenvoltura, fluidez e clímax com bom impacto, além de um roteiro mais orgânico que não perde tempo em diálogos que nada acrescentam à trama e enredo. Também é digno de nota o episódio 4, que dialoga mais de perto com a violência nas estradas em um episódio que é pura velocidade, literalmente. Estes episódios exibem o melhor da série, ao trabalhar os elementos que foram o universo rico de Bubblegum Crisis e as inter-relações entre os personagens e aquele mundo, com suas questões de complexidade existencial.
É divertido ver que todos os episódios possui um roteiro com inicio, meio e fim, mas como tudo é correlacionado e está sempre em uma crescente. Mesmo quando as tramas principais parecem não relacionar às Kinigh Sabers, ao termino da série, é visível como todo o universo se conecta, apesar das pontas soltas. Deste modo, acaba sendo uma pena que uma série originalmente planejada para 13 OVAs de 30 a 50 minutos de duração, tenha tido um fim prematuro ainda no episódio 8, quando finalmente as Kinigh Sabers começavam a ser desenvolvidas e ter seus mundos explorados de perto, deixando várias subtramas sem resolução. E fechando num episódio tão bom e divertido, mesmo com outros horríveis, como o sexto (que tenta mediocramente redesenhar o final do filme de Blade Runner com o lendário pensamento final de um dos replicantes, com uma mise-en-scène chupada quadro a quadro e um roteiro raaaaso), bate um irresistível desejo de ver mais daquelas carismáticas personagens e a expansão daquele mundo, que enfim parecia ganhar uma forma mais satisfatória.

Só não se engane, mesmo com essa temática cyberpunk e certos acontecimentos dramáticos no percurso, a motivação da série é ser amplamente descontraída. O que se torna visível através da representação do cotidiano, ora das personagens que dão vida às Kinigh Sabers, ora daquele próprio universo, sem diálogos pesados ou hiper expositivos. A força policial não é apenas ineficaz, como também representa o alivio cômico do anime. Propostas assim pedem uma boa animação ou ao menos sequências dinâmicas, o que não é o caso aqui, mas entre das sequências corriqueiras mais divertidas de Bubblegum Crisis, estão algumas performances musicais fazendo dueto com a tecnologia, com boas cenas em alta velocidade – como carros fazendo racha, a moto da Priss comendo gasolina em cenas visualmente lindas que fazem, intencionalmente, querer ter uma dessas ou ao menos, sua miniatura. Isto porque nem vou comentar dos trajes das Kinigh Sabers!
Entre as mais broxantes, certamente estão a simplicidade das coreografias de lutas e alguns episódios com desfecho sem peso emocional. Bubblegum Crisis é isto, muito meio a meio, bom aqui e ruim ali, mas de certo modo marcante por um mundo realmente instigante, que sem dúvidas merecia mãos melhores para unificar toda esta proposta e torna-la intrínseca ao conteúdo.

Trívia

Bubblegum Crisis é um projeto produzido em parceria pelo estúdio AIC, ARTMIC Studios e Youmex, saído da mente de Toshimichi Suzuki, então responsável pelo ARTMIC. Em qualquer projeto formado por uma equipe, cada empresa é representada por um interesse comercial naquele produto. Neste caso, AIC era o estúdio, que além de fazer a história sair do papel, era o principal interessado nas vendas, enquanto o ARTMIC, como estúdio de design, tinha o interesse nos produtores relacionados. Já o Youmex, era subsidiaria da EMI, interessada na trilha sonora – em todas as séries que produz, a soundtrack é um elemento de peso. Originalmente planejada para 13 OVAs, ARTMIC enfrentou dificuldades financeiras, culminando no encerramento do OVA prematuramente em 1991 depois de 5 anos de lançamentos, indo à falência em 1997, mesmo depois de produções cultuadas aqui no ocidente, como Genocyber e Detonator Orgun, mas que no Japão nunca tiveram grande êxito comercial. Apesar das brigas legais, os direitos do nome da franquia ficaram com o AIC e Youmex, dando origem a diversas séries que utilizam o mundo criado como base. Acho curiosas essas brigas legais de bastidores por marcas, mas geralmente quem leva a melhor é o autor original, como casos recentes envolvendo Evangelion e Orange. Nem dá pra opinar de um modo geral, já que são casos tão melindrosos e cada um sempre tão particular. 

Nota: 05/10
Estúdio: AIC
Tipo: OVA
Quantidade: 08
Duração: 40 min. /média
ANN: http://goo.gl/Shcz1j
MAL: http://goo.gl/dXTK0S

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