Bubblegum Crisis foi uma série ambiciosa imaginada por Toshimichi
Suzuki, que tentou surfar na onda dos OVAs ainda em voga nos findos da década
de 1980, mas o navio afundou e o que ficou virou história. Vamos conferi-la.
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A série é ambientada na cidade fictícia de MegaTokyo no ano de 2032, depois de um terrível terremoto que assolou Kanto em 2025, absorvendo a cidade e obrigando-a se reconstruir nos anos seguintes. Essa cidade agora se chama MegaTokyo e em seu processo de reconstrução, a megacorporação Genom se tornou a grande potência mundial, em partes por causa da crise econômica mundial, e por ser detentora do projeto Boomer – androides fabricados em diversas séries para diversas finalidades, desde a mão de obra barata, combate pesado, até prostituição. Logo, a Genom se tornou uma grande potência mundial radicada, claro, em MegaTokyo!
Como qualquer série de ficção cientifica que se preze, a
conceitualização de seu mundo traz diversos detalhes dificílimos de encontrar
na execução da série, mas presente em materiais extras – como revistas, games,
making-of, etc – destinadas ao fã hardcore quer por querer saber mais sobre seu
objeto de culto, é recompensado sabiamente pelos produtores – aliás, é esta
áurea ‘’’’’’’’superior’’’’’’’’ sobre demais mortais de quem sabe mais e por
isto é mais fã, que forma qualquer nerd (que
em síntese, é um fã hardcore).
E, bem, algo interessante sobre um dos elementos da série,
mas nunca mencionado em nenhum dos episódios, é com relação ao nome ‘Boomer’, que
em suma, recebem este nome por serem os responsáveis pelo “boom” de MegaTokyo,
na sua prosperidade econômica. Interessante também a origem do nome ‘Genom’,
que seria uma referência para ‘genoma’, um bloco da estrutura molecular do DNA,
que é vital para a vida, em uma ótima analogia com a figura soberana e
onipotente da Genom no mundo da série. Uma relação um tanto quanto complexa,
como veríamos no decorrer do anime e num bom diálogo entre duas personagens,
onde uma pergunta à outra porque não acabam de vez com o domínio da Genom, no
qual esta responde não exatamente com estas mesmas palavras, que a manutenção
do equilíbrio mantido entre a Genom e seus opositores – representados pelas ‘Knight
Sabers’ – era fundamental para o mundo. Em outras palavras, um mundo onde não
houvesse ninguém capaz de ir contra os planos gananciosos da Genom se tornaria utopicamente
absolutista, e um mundo sem a Genom afundaria no caos econômico em um futuro
onde o mundo inteiro seria sustentado por uma megaempresa.
É um impasse similar ao ocorrido em Psycho-Pass, onde mesmo
descoberto a origem controversa do governo Sybila, sua permanência a longo
prazo como entidade máxima do estado era inquestionável. Neste aspecto, a
origem do nome da série [Bubblegum Crisis] é fantástica e intuitiva: ‘Bubble
Gum’ é o que chamamos aqui de ‘Bola de Chiclete’. ‘Bubblegum’ é ‘Chiclete’ e
‘Crisis’ é ‘crise’, evidenciando o que estava eminente (afinal, ao mascar um chiclete, o que vem a seguir é a bola. Ou ao
menos, esta era a mentalidade da época). Reflete um mundo em crise como o
daquele universo, faltando pouca coisa para entrar em colapso, como uma bolha
de goma de mascar prestes a estourar no seu rosto.
Intuitivo também é a origem do conceito da tecnologia
Boomer, uma combinação perfeita entre robótica, cibernética e inteligência artificial
com aparência humana, desenvolvida pelo cientista pioneiro Doutor Katsuhito
Stingray (Hiroya Ishimaru), que
como podemos ver nos primeiros segundos do primeiro OVA, fora morto em um acidente
suspeito no laboratório enquanto desenvolvia sua maior criação. Mesmo com sua
morte, a Genom continuou com os estudos. No futuro, vemos que os boomers são
essenciais para a Genom em seus planos maquiavélicos com relação ao mundo. É neste
cenário que surge as Knight Sabers, um grupo de quatro mulheres em trajes avançados
de robot suit que não são exatamente
heroínas da justiça, uma vez que cobram por seus serviços e agem de acordo com
seus próprios interesses, mas de uma forma ou outra estão sempre atrapalhando
os planos da Genom.
A cantora pop star
Priss (Kinuko Oomori), a policial
infiltrada e cérebro da equipe; Nene (Akiko Hiramatsu) e a personagem trainer Linna (Michie Tomizawa) são lideradas e recrutas por Sylia Stingray,
filha do mentor dos Boomers.
Bubblegum Crisis é inspirado em dois filmes estadunidenses
que são clássicos cult: ‘Streets of Fire’ (Ruas de Fogo), com sua violência urbana insustentável, gangues que
se apoderam de estradas e violentam cidadãos e uma lei ineficaz, elementos
sempre presentes em todos os OVAs da série – mas o elemento principal está no
rock e trilha sonora sempre presente, representados numa famosa vocalista,
figura que na série é Priss, que permeia várias episódios com suas
apresentações estonteantes. Já o outro se trata de Blade Runner; seja na megalópole
cidade de MegaTokyo em um cenário urbano sufocante e poluído em suas longas
edificações, ou seja nos Boomers, uma versão dos replicantes. Não por acaso, a
banda de Priss leva o singelo nome de ‘Priss and The Replicants’. Interessante
também que a série deixa em aberto a possibilidade de que a Knigh Saber Sylia,
filha do Doutor Stingray, seja uma boomer.
Não é muito sutil, não é mesmo? Mas é um argumento
interessante. O universo de Bubblegum Crisis é riquíssimo (como se pode ver nos famigerados spin-off gerados) e seus temas e
subtramas interessantíssimos; coisas como o questionamento existencial dos
boomers, que se tornam seres conscientes e tentam se rebelar esse libertarem do controle exercido pela Geneom,
ou mesmo a questão politica com relação ao dono da Geneom e as investigações
secretas de Sylia envolvendo atividades ilegais da Genom e as circunstancias
suspeitas da morte de seu pai – as próprias Kinigh Sabers e as carismáticas
personagens que lhes dão vida possuem grande potencial. Infelizmente, quase
inexplorado, e quando o faz não raramente é de um modo tolo. A narrativa é
fragmentada e as boas ideias, quando exploradas, dispersas.
Talvez fosse pela ausência de um nome forte por trás,
assumindo a direção artística geral do enredo, ao invés de uma série de
diretores e roteiristas para cada episódio de uma série de OVA que durou 5 anos,
resultando em alguns altos e baixos mais significativas que os acertos.
Os episódios mais medíocres trazem também as piores
qualidades que engessam a obra como um todo:
Os diálogos pouco acrescentam; o básico pra se compreender o
contexto é evidenciado pelo som e imagem. Seria bacana caso fosse intencional,
mas no caso os diálogos ou não são orgânicos com a narrativa, ou apenas
descrevem o que você já está assistindo de modo bem ingênuo.
O ritmo é problemático, principalmente na construção do
clímax, sempre faltando certa força dramática e atmosfera climática nestes
momentos. Este, aliás, um dos maiores
defeitos da maioria dos OVAs deste período, que tendem a se concentrar nas
inserções musicais para dar impacto às cenas. O problema é que na maior parte
das vezes são inserções equivocadas, que faz a sequência soar mais como vídeo
clipe do que como sequência de ação dramática.
Já os pontos positivos...:
Episódios como o quinto; sobre uma bloomer rebelde que se
envolve afetivamente com Priss, o sétimo; que reata uma ponta solta de
episódios anteriores e de quebra apresenta a melhor sintonia entre ação e
música de toda a série; e o oitavo, que reflete o dia a dia de Nene, a Kinigh
Saber hacker da equipe, são sem duvidas os melhores da série, em uma direção
com desenvoltura, fluidez e clímax com bom impacto, além de um roteiro mais orgânico que não perde
tempo em diálogos que nada acrescentam à trama e enredo. Também é digno de nota
o episódio 4, que dialoga mais de perto com a violência nas estradas em um
episódio que é pura velocidade, literalmente. Estes episódios exibem o melhor
da série, ao trabalhar os elementos que foram o universo rico de Bubblegum
Crisis e as inter-relações entre os personagens e aquele mundo, com suas
questões de complexidade existencial.
É divertido ver que todos os episódios possui um roteiro com
inicio, meio e fim, mas como tudo é correlacionado e está sempre em uma
crescente. Mesmo quando as tramas principais parecem não relacionar às Kinigh
Sabers, ao termino da série, é visível como todo o universo se conecta, apesar
das pontas soltas. Deste modo, acaba sendo uma pena que uma série originalmente
planejada para 13 OVAs de 30 a 50 minutos de duração, tenha tido um fim
prematuro ainda no episódio 8, quando finalmente as Kinigh Sabers começavam a
ser desenvolvidas e ter seus mundos explorados de perto, deixando várias
subtramas sem resolução. E fechando num episódio tão bom e divertido, mesmo com
outros horríveis, como o sexto (que
tenta mediocramente redesenhar o final do filme de Blade Runner com o lendário
pensamento final de um dos replicantes, com uma mise-en-scène chupada quadro a
quadro e um roteiro raaaaso), bate um irresistível desejo de ver mais
daquelas carismáticas personagens e a expansão daquele mundo, que enfim parecia
ganhar uma forma mais satisfatória.
Só não se engane, mesmo com essa temática cyberpunk e certos
acontecimentos dramáticos no percurso, a motivação da série é ser amplamente
descontraída. O que se torna visível através da representação do cotidiano, ora
das personagens que dão vida às Kinigh Sabers, ora daquele próprio universo,
sem diálogos pesados ou hiper expositivos. A força policial não é apenas
ineficaz, como também representa o alivio cômico do anime. Propostas assim pedem
uma boa animação ou ao menos sequências dinâmicas, o que não é o caso aqui, mas
entre das sequências corriqueiras mais divertidas de Bubblegum Crisis, estão
algumas performances musicais fazendo dueto com a tecnologia, com boas cenas em
alta velocidade – como carros fazendo racha, a moto da Priss comendo gasolina em
cenas visualmente lindas que fazem, intencionalmente, querer ter uma dessas ou
ao menos, sua miniatura. Isto porque nem vou comentar dos trajes das Kinigh
Sabers!
Entre as mais broxantes, certamente estão a simplicidade das
coreografias de lutas e alguns episódios com desfecho sem peso emocional. Bubblegum
Crisis é isto, muito meio a meio, bom
aqui e ruim ali, mas de certo modo marcante por um mundo realmente
instigante, que sem dúvidas merecia mãos melhores para unificar toda esta
proposta e torna-la intrínseca ao conteúdo.
Trívia
Bubblegum Crisis é um projeto produzido em parceria pelo
estúdio AIC, ARTMIC Studios e Youmex, saído da mente de Toshimichi Suzuki,
então responsável pelo ARTMIC. Em qualquer projeto formado por uma equipe, cada
empresa é representada por um interesse comercial naquele produto. Neste caso,
AIC era o estúdio, que além de fazer a história sair do papel, era o principal
interessado nas vendas, enquanto o ARTMIC, como estúdio de design, tinha o
interesse nos produtores relacionados. Já o Youmex, era subsidiaria da EMI,
interessada na trilha sonora – em todas as séries que produz, a soundtrack é um
elemento de peso. Originalmente planejada para 13 OVAs, ARTMIC enfrentou
dificuldades financeiras, culminando no encerramento do OVA prematuramente em
1991 depois de 5 anos de lançamentos, indo à falência em 1997, mesmo depois de
produções cultuadas aqui no ocidente, como Genocyber e Detonator Orgun, mas que
no Japão nunca tiveram grande êxito comercial. Apesar das brigas legais, os
direitos do nome da franquia ficaram com o AIC e Youmex, dando origem a
diversas séries que utilizam o mundo criado como base. Acho curiosas essas
brigas legais de bastidores por marcas, mas geralmente quem leva a melhor é o
autor original, como casos recentes envolvendo Evangelion e Orange. Nem dá pra
opinar de um modo geral, já que são casos tão melindrosos e cada um sempre tão
particular.
Nota: 05/10
Estúdio: AIC
Tipo: OVA
Quantidade: 08
Duração: 40 min. /média
ANN: http://goo.gl/Shcz1j
MAL: http://goo.gl/dXTK0S
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