terça-feira, 25 de novembro de 2014

ME!ME!ME! – Japan Animator Expo

ME!ME!ME! o monstro que grita “EU! EU! EU!” dentro do peito e nega qualquer sentido de viver coletivamente.
-Veja Mais Curtas-Metragem

Em 2014 parece que Hideaki Anno se tornou uma espécie de arroz de festa, ele está em tudo – inclusive é sua a iniciativa de um projeto bem interessante envolvendo seu estúdio de animação Khara em parceria com a gigante Dwango, para a realização de uma média de 30 curtas animados [Japan Animator Expo]. São curtas tematicamente atraentes e ousados, que provavelmente não seriam viáveis em qualquer outro formato, mas que neste seus autores podem utilizar todo o potencial de uma animação com 5 ou 7 minutos.  O que mais chamou atenção de todos para o projeto foi o terceiro curta intitulado ME!ME!ME! em formato de vídeo clip que muito lembra animações como a magnifica D City Rock [Anarchy] de Panty & Stocking, o frenético Amazing Nuts!, entre outros. Engraçado foi que quando assisti a ME!ME!ME associei imediatamente à Panty & Stocking, mas o mais surpreendente é que ao que pude apurar, a única ligação direta entre as duas produções é o músico Teddyloid, que compôs a insert song D Rock City. No entanto, é inegável que em termos de composição e o design de determinada personagem, ME!ME!ME! remete bastante ao último grande trabalho do estúdio GAINAX, sob a direção de Hiroyuki Imaishi. Claro, Hideaki Anno e Imaishi foram colegas por muitos anos e co-fundadores do GAINAX, mas o envolvimento do Anno neste curta é somente de produção executiva, e até onde se sabe, sem se envolver na parte criativa. Mas bem, o character design da garota alienígena aqui também é muito similar ao conceito de arte da Queen Gauna de Sidonia no Kishi.

Música: Teddyloid feat. daoko
Um cara é atacado e violado por diversas garotas 2D. Com planejamento, direção, argumento e roteiro de Hibiki Yoshizaki, ME!ME!ME! é suntuosamente provocativo. O som das higurashi ao fundo me deixam alerta “oh, vem coisa tensa por ai”, pensei. Começa com o cenário em ângulo aberto, onde podemos observar tanto pelo estado de organização do quarto quanto pela postura do personagem deitado seu latente estado de abandono, a narrativa então segue em elipse. Vou fazer um resuminho interpretativo sobre o que penso em relação ao que se segue:

Primeiro o mundo colorido, mágico, virtual e quente do 2D; atraentes, virtuosas, invulgarmente sexies garotas com seus shimapans capazes de levar qualquer otaco médio ao êxtase, é uma mistura paradoxal de pureza angelical e libidinosidade que, na perspectiva do sujeito herbívoro, só é possível de coexistência em garotas 2D, por sua natureza inofensiva. No entanto, a narrativa descontrói essa certeza de ambiente seguro com o surgimento da presença ameaçadora da garota overlord, caracterizada como de natureza alienígena, que simboliza o desconhecido e ameaçador, sentada sobre o trono; triunfal com a mítica figura alegoria do triangulo ao fundo simbolizando sua divindade. Então há mudança de filtros e colorização, abandonando o colorido herbívoro [inofensivo] para cores opressoras; cores que ganham uma tonalidade que remetem a raio X. Esse é todo um jogo visual entre opostos iguais, um paralelogramo, como as mascaras e a coreografia que ganham contornos mais sujos e depravadamente “vulgares” – e se trata do mesmo mundo e personagens, porém visto por uma outra lente. Há algo nessa nova perspectiva que remete às mulheres do mundo real, e por isso o tom ameaçador-selvagem e enigmático na figura feminina travestida de alienígena. De qualquer forma, é coreograficamente fantástico, a impressão é de se estar assistindo a um clip da Lady Gaga, a duntz duntz da baladinha ao final é enlouquecedor!

Segundo, que também podemos chamar de segundo ato, começa com o mundo virtual; a fantasia invadindo o real. O que era apenas um sinal de ameaça se transforma numa relação perigosa de duas faces, como uma espada de dois lados. Fica tudo mais abstrato, com real e imaginário se misturando a tal ponto de se tornarem indistinguíveis. O personagem é confrontado com memórias de uma recordação feliz ao lado de uma garota real que supostamente fora sua namorada, mas ele se distanciou, virou as costas para ela e o mundo real ao qual ela dá significado. É o momento do clip em que a narrativa se torna mais densa– o protagonista é devorado pela fantasia e memórias felizes transitam se transformam em pesadelo.

O terceiro ato é o mais longo e psicologicamente acelerado, com a luta interna do protagonista simbolizada por um game de tiro e estratégica em um cenário sci-fi futurístico, contra a fantasia que tenta devorá-lo, numa tentativa de se salvar e voltar à garota [vida] real que ele abandonara. Mas para ele era muito tarde, e sucumbe. Obviamente, é tudo metafórico, mas que reflete o estado atual daquele jovem.
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É um belo retrato do processo de hikikomorismo/isolação de uma pessoa, que devido a diversas circunstâncias, se refugia em sua concha/mundinho interior e acaba por encontrar um mundo magnifico e colorido na fantasia, deixando atrofiar qualquer sentido de existência exterior/longe do quarto/do 2D ou estimulo de viver no mundo real. Depois, mesmo que se esboce uma vontade de retorno, é muito mais difícil – é como qualquer vício. Sobre isso, Satoshi Kon disse certa vez algo bem significativo, quando comentou acerca de um das mensagens que ele tentou passar com Paprika: “No Japão, não apenas crianças, mas adultos com seus 20/30 anos escolhem os animes e mangás como um meio de fuga de suas vidas reais. Mas acho que há um perigo nisso também. Se você entrar nesse mundo, ele é muito vivo e colorido, e sedutor, mas há grandes armadilhas ao se adentrar nesse universo, principalmente se você deixar o seu mundo real se deteriorar em detrimento dele.”

Acho que para nós ocidentais, é difícil entender completamente o significado de se isolar entre muitos japoneses, pois a intensidade com que isto afeta muitas pessoas por lá, difere com que atinge ocidentais, sendo um numero pequeno de pessoas que podem se dar ao luxo de viverem realmente isolados e completamente entregues ao mundo virtual.

Eu gostei muito de ME!ME!ME!, é uma viagem psicodélica alucinógena repleta de vórtices. O design visual do manequim das personagens é deslumbrante (na página oficial do projeto [http://animatorexpo.com/mememe/], há diversos concept arts encantadores da produção, além do streaming gratuito do curta), e o próprio character desig tem o êxito de ser belo, sólido e se equilibrar tão bem em um meio termo; nem pré-pubere nem maduro demais. E as composições visuais, tais como efeitos e backgrounds foram tão instigantes que dá vontade de separar quadro-a-quadro para admirar os detalhes. Também não se pode deixar de exaltar a integração do CG+2D do estúdio Khara, que tem se destacado neste quesito nas produções dos filmes de Rebuild Evangelion. O que se vê em ME!ME!ME! é um resquício; um pequeno fragmento da ala “esquerda” do GAINAX, de onde surgiu loucuras audiovisuais como FLCL ou de obras produzidas em outros estúdios, mas que segue este DNA, como é o caso de Dead Leaves e Kick-Heart.


Ano: 2014
Estúdio: Khara
Direção, concepção, storyboard e roteiro: Hibiki Yoshizaki
Character design, diretor de animação: Shuichi Iseki
Direção de arte: Hiroshi Kato

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