Se em meu texto de “5 Centímetros porSegundo” disse que o simples fato da excelência das cores de Makoto Shinkai era
digno de se ver todos os seus filmes feitos até então, percebo que era
literalmente só “até então”. Até aquele momento eram filmes curtos e com uma
alma pura e leve, remetendo ao tema sempre recorrente como a “saudades” e a
“distância”. Mesmo transportando os protagonistas para um futuro distante como
em “Voices of a Distant Star” e “The place promised in our early days”, eram
tudo metáforas para expressar suas clássicas ideias e sentimentos. Agora temos
um longo filme de 2 horas – praticamente o dobro dos anteriores - que deixa
para trás suas raízes, rejuvenescendo ainda mais sua protagonista daquela dos
seus filmes anteriores. Desta forma, Hoshi wo Ou Kodomo (ou Children who Chase
Lost Voices from Deep Below) aposta em uma homenagem e/ou cópia mau
feita do estúdio Ghibli e Hayo Miyazaki. Não há mais a alma de Makoto que
víamos em todos os seus trabalhos anteriores. Passamos o tempo todo em uma obra
sem energia que nunca chegará aos pés daquelas do gigante que parece tanto
tentar imitar.
Em meu já citado texto escrevi que
“É como ver o nosso próprio mundo, prosaico e cotidiano, mas com outros
olhos. “, aqui Makoto se rende ao fanatismo, abandonando o nosso
conhecido mundo e mergulhando os personagens em ambientes e criaturas
diferentes. Assim, surge a oportunidade para que jogue na tela tudo que puder.
E se essa riqueza geralmente é feita com delicadeza por Miyazaki, Makoto segue
um rumo bem diferente. O cineasta parece não perceber que seu forte não era na
fantasia e magia literais, mas em transformar o nosso velho, sujo e comum mundo
em algo novo, bonito e mágico à sua maneira.
Shinkai até fez a fórmula completa do estúdio Ghibli, com a
famosa jovem menina (Asuna) que descobre um mundo de fantasia, e seu jovem
príncipe (Shun) que saiu diretamente deste mundo (A Viagem de Chihiro, alguém?). Temos até um animalzinho que a
acompanha, o gato Mimi. É tudo conforme o manual. É quando Shun subitamente
morre e seu irmão gêmeo Shin (conveniente, não?) surge e se junta à
protagonista sem motivo aparente. Cruzando seu caminho com Morisaki, com um
currículo que varia entre professor do fundamental-investigador-soldado-arqueólogo
(juro! Seria ele Indiana Jones?) que acredita poder reviver sua esposa em Agartha,
o submundo de onde Shun e Shin vieram.
E o problema já começa com a introdução daquele que fará o
papel motivacional da protagonista na história inteira: Shun. Ouvimos duas ou
três palavras de sua boca, e ele morre. E isso ao longo de incríveis 20
minutos. O filme não foi capaz de fazer com que nos importássemos com ele, e
devemos acreditar que a - extremamente jovem - protagonista conseguiu... se
apaixonar perdidamente? Aliás, mesmo que ele tivesse mais tempo em tela, quem
ficaria ofuscada seria a Asuna. E mesmo que ele morresse mais tarde, isso só
faria com que adiasse ainda mais a imersão dos protagonistas em Agartha. Então
seja lá qual fosse a decisão, ficaria falho. E ficou.
Querendo fazer um filme de aventura, Makoto falha
completamente como diretor. A primeira cena de ação é aquela contra o “urso” na
ponte, e é rápida e burocrática demais para que nos empolgue. Dali em diante,
teremos outra rápida só com meia hora de filme passado, quando estes estão
entrando no submundo. Nesse intervalo todo é sempre arrastado e sem maiores
trilhas sonoras para nos acordar. Desta forma, a única ação que desperta
minimamente algo no público, é com uma hora de filme, naquela perseguição com
os seres das sombras Izoku. Claro que muitas coisas não fazem sentido, como:
por que os seres arrastaram Asuna a noite inteira e a soltaram ao invés de
imediatamente “tomar seu sangue impuro” como explica o Shin? E como diabos Shin
encontrou ela naquelas ruínas? E a perseguição simplesmente anda em círculos,
pois ainda que Asuna tenha sido seqüestrada silenciosamente para longe do
professor Morisaki, eles logo o encontram de novo.
Prejudicado também pela falta de reações de Asuna à tudo que
está acontecendo e ao que lhe é dito, ela é impassível demais e aceita tudo com
muita facilidade - ora, Chihiro passou toda sua viagem deslumbrada com tudo que
a cercava, do início ao fim. E já que estou comparando, pela primeira vez em um
filme do Shinkai temos sangue estourando na tela e gosma de monstros escorrendo
e se acumulando, algo muito recorrente na filmografia de Miyazaki, e ainda
assim a qualidade neste exemplar é pior.
Também é no mínimo absurdo e pouco imaginativo que um lugar
como o “submundo” tenha um céu azul exatamente igual ao da “superfície”. Com
uma falta de lógica absurda ao fazer Asuna se proteger dos Izokus no rio – pois
eles não gostam de água – e ao invés de ficar parada e esperar amanhecer, corre
até chegar numa parte seca do rio e ser capturada (juro!). Pior ainda seria se
apostassem no clichê de colocar uma criancinha menor e kawaii para a protagonista
cuidar, ou então um velho e “sábio” ancião bondoso de algum vilarejo... oh, espere,
temos estes dois exemplos no filme!
Porém, os problemas começaram ainda mais cedo, quando
chegamos em Argatha, ouvimos o diálogo “Alguma
coisa pode estar lá. Algo que estamos procurando”, o que comprova que nem
Makoto sabia o que estava fazendo. Subestimando a inteligência do público ao
colocar também diálogos expositivos que dói os ouvidos como “Professor, é como se você fosse o meu pai!”;
e outros momentos mais embaraçosos do diretor como o sonho em que Asuna
arranca o braço de Shun, que não condiz em absolutamente nada com o clima da
história e seu público alvo.
E como já dito, ele sempre se saiu melhor embelezando nosso
mundo e nos mostrando-o com outros olhos, assim, quando resolve nos apresentar
a paisagens fantasiosas, por incrível que pareça, soam extremamente pobres. Por
exemplo, a entrada do submundo é apenas pedra e musgo, as ruínas na “aqua vita”
são borradas e desinteressantes, e no geral as paisagens são desertas e sem
graça nenhuma. Aliás, em nenhum momento alcançam a beleza da estação de trem
daquela obra anterior, ou das paisagens abertas na cidade grande. Assim, os
elogios acabam indo, obviamente, para quando a história ainda está no “mundo
real” (a superfície), e logo no início do filme acompanhamos Asuna correndo nos
trilhos e o reflexo do sol nas barras de aço acompanhando, com um efeito
deslumbrante. E os ambientes internos são mais ricos e interessantes de se
observar que qualquer paisagem de Agartha.
Aaaaahhhh!!! |
Owwwn |
Owwwnn |
Aaaaaahhh!!! |
Com personagens difíceis de se identificar, não
temos maiores sentimentos por ninguém além da protagonista – e mesmo Asuna se
mostra fraca, é só constar os acontecimentos finais e perceber que não sentimos
nada muito forte. Com o professor Morisaki variando entre o calmo, frio,
arrogante, passando por bondoso e mudando drasticamente para o puramente
maníaco assassino, ele é um espelho do filme em si: confuso e sem saber que
rumo tomar. Revelando-se uma jornada sem pé nem cabeça, é incrível estar na
metade do filme ainda se perguntando para onde estão indo ou o que pretendem
fazer ou qual a moral de tudo. Resta esperar que Makoto Shinkai aprenda com
este erro e deixe as fantasias e aventuras e mundos mágicos para o estúdio
Ghibli. Dele nós queremos paisagens de tirar o fôlego e sensações profundas e
significativas. E Hoshi wo Ou Kodomo não tem nada disso.
(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
Já conferiu a promoção de "Cidade das Trevas" que está ocorrendo aqui no blog?? Clique aqui e veja!!
@PedroSEkman
Nenhum comentário :
Postar um comentário
Os comentários deste blog são moderados, então pode demorar alguns minutos até serem aprovados. Deixe seu comentário, ele é um importante feedback.