Um garoto sem nome, sem forma e que não se lembra de quem ele é ou como morreu se vê numa sala com diversas silhuetas humanas sem rosto, que fazem fila frente a elevadores que o levarão ao seu destino após a morte. Sem ao menos conseguir compreender direito que havia morrido, ele é interceptado por um guia espiritual chamado Pura-Pura, que lhe diz que está sendo lhe dado uma nova chance de voltar ao reino dos vivos. Um adolescente chamado Makoto Kobayashi cometeu suicídio e sua alma está prestes a deixar o seu corpo. Ele precisa entrar neste corpo, viver a vida do jovem Kobayashi, e terá um período limitado de tempo para descobrir e compreender o erro que ele cometeu em sua vida passada.
Colorful (ao
pesquisar no Google, acrescente o “movie” para distinguir a busca. Há um anime
para tv com o mesmo nome e sem nenhuma ligação com este título) é uma bela
pintura sobre a vida, em especial, sobre a sociedade japonesa. Baseado no
romance homônimo de Mori Eto, o longa explora temas delicados como a depressão,
falta de diálogo familiar, bullying e o que normalmente se segue após estes
fatores; o suicídio, e como este afeta não somente o indivíduo, mas àqueles que
o rodeiam.
É um tema bem apropriado. O Japão possui a maior taxa de
suicídio entre os grandes países, e a taxa vem crescendo ano a ano acompanhando
a baixa da economia. O fato do suicídio não ser um tabu social por lá, como é
para nós ocidentais, a grande influência budista onde muitos veem a morte como
uma passagem para outra vida, a fantasia idealizada do romantismo trágico,
todos estes acabam sendo fatores que impulsionam o “dedo no gatilho”.
Colorful representa uma tentativa do diretor freelance Keiichi Hara, nome muito prestigiado no Japão – sendo inclusive considerado como um dos
principais cineastas daquele país –, mas pouco conhecido pelos ocidentais, de dialogar
com esses jovens. Isso, segundo palavras do próprio. Porém, é nesta tentativa
que Colorful acaba falhando, ao menos em parte, como entretenimento e se
contentando em ser mera ferramenta motivacional. “Há muitos jovens no Japão, que não conseguem encontrar seu lugar na
escola, na sua vida diária, ou no trabalho. Em geral, eles tentam apagar suas
personalidades para caberem naquele ambiente, grupo, empresa, o local a que
pertencem. Como se sentissem sufocados. Eu queria falar com eles e lhes dizer que
eles podem encontrar seu caminho sem se tornarem vítimas do sistema.” –Keiichi Hara
Com cerca de duas horas de duração, podemos dividir o longa
em duas partes distintas; o dilema do suicídio dentro da concepção budista de
vida após a morte, e o processo de aceitação e descoberta de um mundo colorido.
Carpe Diem.
É em sua primeira metade que Colorful realmente brilha em
todos os aspectos. O que vemos é um retrato perfeito da sociedade japonesa, e
consegue com maestria se desvencilhar da abordagem típica de produções do
gênero, que normalmente fazem uma abordagem exagerada com intuito de manipular
a audiência, ou muito estilística [Serial Experimens Lain e Boogiepop Phantom,
por exemplo, fazem uma abordagem completamente estilizada sobre o tema, onde o
ponto a ser alcançado é a animação arte e a linguagem poeticamente trágica].
Colorful por outro lado, trilha o caminho da verossimilhança, e embora flerte
com a fantasia, consegue ser bem pé no chão nos seus principais aspectos, como
questões familiares e sociais. Graças a uma abordagem não exagerada, o drama
chega a nós de forma genuína, em uma execução lenta que, assim como o espirito
no corpo do jovem Kobayashi, parece não saber aonde quer chegar.
Confuso e sem entender o motivo que levaria um jovem com uma
vida tão perfeita a se suicidar, ele se questiona e Para-Para, indaga; “Que ingenuidade... Acha que pessoas felizes
se matam sem motivo?”. Mas não demora muito para que ele descobrisse que
Kobayashi se sentia sufocado em sua vida. Sua família é marcada por uma total
falta de comunicação, seu pai é um workaholic (aqueles que só têm olhos para o trabalho) e está sempre ausente,
sua mãe tem depressão e acabou cultivando um caso extraconjugal, seu irmão mais
velho é obcecado pelos estudos e vive trancado em seu próprio mundo, ele é
retraído e consequentemente, alvo fácil para brincadeiras maliciosos dos
colegas da escola, e pra completar, ele descobre que a garota pelo qual é
apaixonado é uma Enjo Kosai (menores de
idade que se prostituem com homens mais velhos).
Eles mudam drasticamente a rotina quando Kobayashi consegue
sobreviver à tentativa de suicídio e aqui Keiichi Hara constrói meticulosamente
a atmosfera do longa, com uma maior interação entre os personagens,
desencadeando num drama repleto de sutilezas. Nos sentimentos envolvidos ao
acompanharmos o jovem no corpo de Kobayashi em seu dia-a-dia, o seu crescente
asco que sente pela família e principalmente, a mãe, que tem se mostrado mais
amorosa e presente. Mas tudo o que ele consegue sentir é uma repulsa enorme
toda vez que ela se aproxima dele, por não conseguir perdoá-la. A interação
conflituosa entre mãe e filho é o ponto alto de Colorful e construída de forma
lenta, porém soberba, desencadeando sequências inquietantes, seja num frio e
curto diálogo, ou no mais puro e incomodo silêncio. Provavelmente, você assim
como eu, se sentirá mais favorável à mãe arrependida que mesmo tendo terminado
com seu caso extraconjugal, aceitado atuar em um teatro familiar e se desdobrar
para dar atenção ao seu filho, não consegue obter o seu perdão. As atitudes de
Kobayashi ao menosprezar o esforço e arrependimento de sua mãe, podem ser
interpretadas como cruéis, mas a maior força do personagem é essa imaturidade,
sua incapacidade de aceitar que a vida não é como ele gostaria, ele não é o
príncipe que salvará a princesa da garra do vilão, e que principalmente as
pessoas erram, não são perfeitas e nem por isso se tornam uma pintura feia.
[Makoto Kobayashi descobri a dura realidade; sua amada se prostitui por que
quer. Mas nem por isso se torna menos bonita ou mais adulta]
Kobayashi é um personagem bem verossímil, assim como seus conflitos internos. Por trás de uma história sobre reencarnação, o que temos na tela é um belo retrato sobre a vida e as pessoas, sobre o fantasma interior de cada um. Cada personagem que interage com Kobayashi, por mais que tenham pouco tempo de tela, traz a tona uma característica básica do ser humano. Avareza, incompreensão, egoísmo, passividade, solidão, desejos, medo, desajuste social. O maior deles, ele próprio, seu mais forte inimigo ao longo de toda a vida. Estão lá, também, nossos fantasmas, parecidos com os de Kobayashi, apenas menos nítidos, porque estão distantes dos refletores, porque estão menos expostos pela arte. O dom da arte é confrontar o que todos nós escondemos. Keiichi Hara nos diz isso diretamente através de uma pintura inacabada de Kobayashi no clube de arte, onde sugere que ele se sentia submerso, esforçando-se para ir de encontro à luz. Colorful passa sensações fortes para o espectador, fortes e desconfortáveis. Sua mensagem é enfática: Pessoas não são monocromáticas, elas são coloridas. São feitas de azul e vermelho, verde e preto, de acertos e erros. Suas imperfeições são o que a tornam uma bela pintura.
Porém... Se o forte
do longa como um todo são seus toques sutis – até mesmo no obvio segredo da
trama que será revelado em seu clímax final –, o mesmo não se pode dizer com
relação aos rumos que a trama segue na tentativa de legitimar sua mensagem mor.
O processo de amadurecimento e descoberta de Kobayashi é válido, mas se dá de
forma um tanto quanto abrupta. Tanto, que sim, é possível ver o filme como duas
partes distintas, devido a sua mudança de tom repentina. É meio plástico e palestral, dando a impressão de que é
fácil demais se livrar de uma crise de depressão, e a mudança repentina no
comportamento de Kobayashi diminui não apenas todos os conflitos anteriores,
como também o impacto da mensagem que Colorful tenta passar. As intenções de Keiichi
Hara são louváveis, mas ele se esqueceu de que, para falar com um depressivo ou
alguém desajustado com o mundo, sua melhor arma é a sinceridade [de que viver a
vida é válido, ainda que seus problemas continuem todos lá te esperando], e o
final que ele entrega é tudo, menos sincero.
Com duas horas de duração, tem se a impressão de que o filme
é desnecessariamente longo demais. Mas ainda assim, é um lindo filme, com belos
momentos que merecem ser apreciados e sentidos. Hara dá muita atenção à
precisão nos detalhes de espaços internos e externos, com uma fotografia
magnifica onde vemos uma bela montagem cinematográfica, ora com filtros que
tornam a paisagem como se fossem pinturas a óleo, ora compostas de fotografias
reais que dão todo um charme a essa produção com cara de cinema independente,
com cara de cinema experimental, mas capaz de dialogar com qualquer um. Hara é
conhecido aqui no ocidente pelo filme Kappano Coo to Natsuyasumi, mas seu prestigio no Japão vem dos vários
longas-metragens do icônico CrayonShin-chan, ao qual ficou à frente e que fizeram um enorme sucesso por lá.
Colorful não representa o seu mainstream de qualidade, nem mesmo tem uma
animação acima da média, mas é acessível e sem firulas em todas as suas paletas
de cores, tão diversas quanto à palavra que dá nome ao filme: Colorful.
Nota: 07/10
Direção: Keiichi Hara
Roteiro: Miho Maruo
Ano: 2010
Tipo: Filme
Estúdio: Sunrise
Similar: Haibane Renmei, Angel Beats!, Jigoku Shoujo
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