sexta-feira, 5 de abril de 2013

Little Witch Academia – De Gainax ao Trigger


‘Academia de Bruxinhas’ funciona mais como um cartão de visitas do estúdio Trigger do que uma peça de ensaios pouco comercial e com tentativas de roteiro substanciais, característica do projeto Anime Mirai até então.



Akko Kagari se junta uma academia para jovens bruxas após ser inspirada quando pequena enquanto assistia à uma apresentação ao vivo de uma bruxa chamada Shiny Chariot. Akko passa os dias aprontando ao lado de suas colegas de classe e quarto; Rotte e Sucy. No entanto, ela demonstra ter muita dificuldade em prestar atenção nas aulas, não sabe montar em sua vassoura, sempre levando diversos tombos, e como desgraça pouco fosse bobagem, ainda é ridicularizada por nutrir admiração por Chariot, que muitos acreditam passar uma imagem errado do que é ser uma bruxa. Um dia, durante um torneio de caça à relíquias raras, uma grande ameaçada acaba sendo liberta do selo de proteção, colocando a vida de todos em perigo. Cabe à Akko, que acabara de encontrar um artefato mágico que pertencia à Chariot, ir atrás da besta e tentar pará-la antes que ele alcance a Pedra Filosofal, a fonte de todo o poder da academia. Certamente, ela precisa de ajuda para completar esse desafio.


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Este é o típico projeto financiado que dá a chance para qualquer diretor explorar sua aveia artística e materializar no vídeo projetos mais experimentais. A edição de 2013 se caracteriza por trazer projetos mais ambiciosos, como o thriller Sci-Fi com toques de siscon; Arve Rezzle do estúdio Zexcs, e da jogatina psicológica do Madhouse; Death Billiards. Acaba sendo uma edição peculiar também por ser aquela com a presença massiva de estúdios mais conhecidos: GONZO (com Ryo), Zexcs, Madhouse e Trigger (com Little Witch Academia) – sendo que os projetos destes dois últimos sintetiza a assinatura visual de seus estúdios. Enquanto Madhouse sempre será conhecido [por mais que tenha produzido uma diversidade enorme de animações ao longo das décadas] por suas produções de cunho psicológico, adulto e obscuro, enquanto o simples fato do time de frente do estúdio Trigger ser formado por ex-veteranos do Gainax, já torna sua assinatura indissociável às produções autorais e cartoonizadas do antigo estúdio.


Apesar de ser a primeira experiência de Yo Yoshinari como diretor, se trata de um animador relativamente conhecido e de talento, suas contribuições para o Gainax atestam isso. E Little Witch Academia é uma experiência visual incrível, com um orçamento de quase 500 mil doletas, Yoshinari pôde utilizar com gozo de toda a sua técnica de animação flexível para tornar a ação deste OVA pulsante e envolvente. O cenário que serve como plano de fundo é tipicamente europeu (me atreveria a dizer francês, pelo nome das personagens) e extravagante, as sequências são vibrantes, onde mesmo a primeira cena com Akko e Diana assistindo um show pirotécnico da nem tão misteriosa Chariot, consegue captar perfeitamente a magia da típica empolgação infantil quando se está diante de algo que para você é extraordinário e único. Tenho certeza que muitos já vivenciaram isso. A expressividade no semblante de Akko e Diana é contagiante e isto se repete durante todo o OVA, com movimentos cartunescos que tornam tudo muito divertidamente exagerado e enérgico, em um ritmo realmente fantástico.

Nos animes vinculados na tv, têm se recorrido cada vez mais à técnicas alternativas, como o demasiado uso de layouts de fundo para se comunicar o que não pode ser animado , ou por falta de tempo ou orçamento. O estúdio Kyoto Animation que costuma impressionar em suas animações recorreu bastante a esta técnica que acabou se tornando uma das marcas do Shaft, de sempre enquadrar em objetos e cenário ao fundo.  US$480 mil dólares em um projeto como este é uma quantia considerável, e Yoshinari teve verba e tempo para produzir um episódio (que geralmente em animes que serão vinculados na tv, tem o prazo de uma semana para finalização), que se assemelha às melhores animações tradicionais da Walt Disney ou do Ghibli. Isso resulta em uma explosão visual com movimentos impressionantes, ousados e um tanto quanto trabalhosos demais para pensar que poderiam manter essa abundância de frame-rate caso isso fosse uma série de tv.


A premissa é clichê, a forma como se desenvolve é rasa e remete à outras obras do gênero, no entanto há de se destacar a forma como Yoshinari subverte tudo isso em favor da obra, o que foi possível graças ao bom roteiro de Masahiko Otsuka (FLCL, Panty & Stocking, Gurren Lagann), que deixa brechas suficientes para o diretor fazer a sua mágica. Por exemplo, todas as personagens são trópicos genéricos e suas personalidades falam visualmente. A direção é eficaz em transmitir para o expectador tudo o que ele precisa saber com relação a cada personagem, sua motivação, e conflitos, sem qualquer exposição, tornando Little Witch Academia uma sequência dinâmica que progride harmoniosamente. Os conflitos das personagens são apenas desculpas para o show audiovisual proposto e o curto desenvolvimento do time principal de personagens e seu relacionamento se dá através de diálogos ao fundo, que não chamam muito a atenção, mas são bem humorados.

Claro que é apenas um episódio, houve tempo suficiente para produzir algo deste nível, mas mesmo para tirar o melhor de um material genérico e fazer todos os seus elementos funcionar com harmonia, é necessário um grau elevado de talento.


Hiroyuki Imaishi e Masahiko Otsuka são os ex-Gainax mais famosos no estúdio Trigger, que conta com outros ex-membros, inclusive de outros estúdios. Como Yoshinari, que passou tempo suficiente no Gainax [desenhando e projetando pra series como Panty & Stocking e FLCL] para pegar o espirito que parece continuar em voga no Trigger; as referências da cultura pop e social nas animações interessantes do estúdio, de Panty & Stocking à Evangelion – Algo que todo nerd adora, e talvez o fato deles também serem um bando de nerds, seja o faz seus projetores terem o gosto de uma bala de menta na boca.

Little Witch Academia, obviamente, está repleta dessas referências à cultura pop. Do visual style de Susy (seu humor me lembra muito a Stoking) que remente a Ge-Ge-Ge Kitaro e outras séries deste período, ao conceito e construção de mundo que... Saiu diretamente do clássico de J. K. Rowling; Harry Potter, que não inventou o gênero, mas o despertou de seu sono, se tornando ícone moderno. Não chego a ser uma Potter maníaca, mas crescer com a série e vê-lo se tornar um marco para o cinema e a literatura infanto-juvenil foi marcante. O próprio subgênero mahou shoujo tem sua origem no universo das bruxas. Já ‘Academia de Bruxinhas’ está bem mais próximo do universo Potter, inclusive Akko, Sucy e Lottesão em essência Harry, Ron e Hermione, com uma Diana sendo um Draco bem mais amigável [e fofa].
Essa sintonia entre integrantes da staff de um projeto costumam render detalhes curiosos, como parte da mitologia criada em Madoka, que nasceu com várias mãos. Ver uma referência à Mami que se tornou uma bruxa em Madoka Mágica é algo divertido, mas melhor o melhor está no conceito das Sete Estrelas do báculo da mítica Chariot. Na mitologia grega, a sete estrelas são as Plêiades; sete irmãs companheiras de Ártemi, a deusa virgem da caça – que por um acaso é o título e o conceito de um outro projeto do estúdio... Gainax, Houkago no Pleaides.


Em última analise, Little Witch Academia pode até ser genérico num patamar de cultura pop em geral, mas no cenário atual de animações mundial é um sopro fresco de menta mostrando que há espaço para a velha escola brilhar, ao menos no Japão. Anos atrás Sugar Sugar Rune veio justamente para relembrar a magia do mahou shoujo clássico, o estúdio ufotable está atualmente trabalhando numa proposta similar no filme Majokko Shimai no Yoyo to Nene, logo seria interessante ver também o estúdio Trigger apostando nesta produção. Levando em conta que chegaram a cogitar exibir Little Witch Academia na tv, talvez este seja apenas o primeiro passo. Enquanto isso, essas bruxinhas são altamente recomendadas para os fãs do gênero e de animações de qualidade técnica.



Em Tempo

O projeto de formação de jovens animadores (Young Animator Training Project, que viria a se tornar Anime Mirai, em 2013), surgiu do interesse do Janica (Japanese Animation Creators Association) em mostrar o talento de animadores jovens que muitas vezes já possuem bastante bagagem, caso de Yoshinari. O Janica é um sindicado que representa os que trabalham na indústria de animação japonesa, formado em 2007. No Anime Mirai são 4 projetos que recebem 480 mil dólares do governo para um episódio, que podem ser exibidos na tv, eventos de animes e em portais da internet. O Janica, através do mistério de assuntos culturais também escolhe todo ano alguns longas metragens, que recebem a mesma quantia [recentemente The Last Vampire foi contemplado]. Embora o projeto tenha surgido em 2010, essa é apenas a terceira edição, que sem dúvidas foi a que mais repercutiu, graças à popularidade de Imaishi, ainda que o mesmo tenha ficado distante [teoricamente] de Little Witch Academia. Ou será paranoia minha?


Nota: 08/10
Diretor: Yoh Yoshinari
Roteiro: Masahiko Otsuka
Estúdio: Trigger
Tipo: OVA
Episódios: 01
Ano: 2013
Onde baixar: Aenianos

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