sábado, 19 de outubro de 2013

KILL la KILL – Sexualidade Reprimida

Mas então, o que você faria no lugar de Ryuuko se seu corpo fosse o centro das atenções? Intimidação ou indiferença? Duas mulheres. Duas formas distintas de se pensar. Ryuuko e Setsuki fizeram todos discutir o tema, mas o assunto aqui é outro.
"Os homens quando não são forçados a lutar por necessidade, lutam por ambição."
Niccolo Maquiavel

Ou por pura vingança. Mas será interessante ver Ryuuko ser descascada e aprofundada, com o simples e genuíno sentimento de vingança dando lugar a algo mais complexo. Quem sabe? Por hora...

Kill la Kill é uma narrativa tão fragmentada quanto seu próprio título repleto de analogias e correlações, mas como já comentado, essencialmente é uma ode aos velhos tempos, ao velhos autores, ao velhos animes, ao alicerce da atual cultura japonesa.

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Recato

Esse episódio pode ser dividido em 2 partes distintas que se complementam. A primeira estava umedecida em um suspense com diversos indícios do que viria acontecer na segunda parte. Ela torna a compreensão dos atos dos personagens mais lúcidos à frente. O professor Mikisugi fala sobre Hitler e ascensão do Terceiro Reich. Satsuki demonstra uma ambição sem limites frente ao poder absoluto num misto de temor que seus planos de dominação pudessem ser interrompidos e de rivalização. Se Ryuuko consegue dominar o uniforme, por que ela não?

É interessante como nos três episódios, o roteiro toca na tecla do Terceiro Reich, não se resumindo a sociedade distópico, mas um conceito de dominação mundial. Algumas referências e comentários dos personagens no episódio passado mais o caráter fascista de Satsuki e as simbologias deste, faz pensar que os planos dela não se restringem aos limites da Academia.

Satsuki representa a força opressora. Ryuuko é a força do povo, vindo de lugar nenhum, do meio da pobreza, apenas com o espirito quente dos protagonistas shounens dos anos 70. Não poderia este forte desejo de vingança ser análogo ao desejo dos pobres?


Kill la Kill é a pronuncia para o verbo Kiru (“vestir”, “cortar”). O conceito da história é sobre a rivalidade entre duas garotas misteriosas que só conhecemos por suas motivações, onde uma delas tem metade de uma tesoura, que é usada para cortar (e quando essas duas metades se juntarem?). Ambas vestem uniformes autoconscientes que lhe dão força em troca do sangue de cada uma. Setsuki veste pela primeira vez o uniforme que simboliza o vestido da noiva, que por sua vez representa o estado mais puro de uma mulher quando vai se entregar a um homem. Ao vesti-lo, ela abre mão de sua castidade, simbolizado pelo sangue que escorre.


Agora, em outra contraparte, Ryuuko discute com o seu uniforme; “Eu não posso ser vestido por você se eu não beber o seu sangue. (...) Quando você me veste e eu me encaixo a você, é então que o poder se manifesta”, diz ele. Uma analogia clara ao ato sexual. Ryuuko sente pudor ao se entregar, exibir seu corpo, sendo que toda a exposição a que se sujeita é sublinhado como sendo à força/contra a vontade. Ela não se sente confortável, mas também, quem se sentiria? Setsuko e muitas outras, mas cada pessoa tem sua própria perspectiva. Enquanto isso Satsuki se entrega por livre e espontânea vontade e se sente a vontade para apresentar a melhor performance.  Ela não sente rubor nem pudor, por estar disposta a qualquer coisa para alcançar seus objetivos. 




O anime é uma cama da gato! Acho divertido como Kill la Kill não apenas brinca com diversas possibilidades sobre uma mesma cena ou palavras, como também desenvolve algo com tantas camadas que cabe diversas visões e através de detalhes tão pequenos desenvolve seu enredo e personagens. Satsuki não sente rubor ou pudor porque não acredita que sua pureza e espirito está sendo manchada pelo simples fato de estar exibindo seu corpo. Seu corpo não diz nada sobre o que há dentro dela. Ryuuko não pôde se concentrar por estar desconcertada ao se despudorar fisicamente. Se sente maculada pelo corpo ter se transformado em objeto sexual (não são uma, não são duas, nesse episódio mesmo ela questiona o motivo de seu uniforme ser tão curto). Essa reviravolta é bem calçada, o nome “kamui” (espirito) já diz tudo, o uniforme e usuária precisam ser um só.

A dualidade entre Ryuuko e Satsuko é impressionante. Elas rivalizam, se complementam e se motivam. Afinal, é por Ryuuko que Satsuko desobedece todas as ordens deixadas por seu pai e veste o “vestido de noiva”. E é pela determinação de Satsuki, que Ryuuko finalmente entende que precisava se desprender completamente se quisesse alcançar seu objetivo. E poderíamos continuar com analogias infinitas porque o roteiro de Kill la Kill é uma espuma, mas fiquemos apenas com o que importa: metaforicamente, Satsuki se entrega para Ryuuko. Mesmo os nomes de seus uniformes se auto complementam; Junketsu (pureza) e Senketsu (cheiro de sangue).

Ai, olhamos para a ED do anime e vemos Ryuuko admirando um vestido de noiva em meio a uniformes escolares que se destacam no convívio social. Hehehe... já tá liberado shippar as duas?

Aliás, descobri no AnimeSuki que esse encerramento é todo uma referência ao dorama Sukeban Deka, dos anos 80. Até argumento da história é parecido.

Mas a principal mensagem é pureza de Satsuki que alude ao conceito de pureza ariana (“ariano” que deriva da palavra arya; “nobre” em sânscrito). Surgiu no século XIX e acolhida pelo Partido Nazista no XX. Talvez só mais um indício do futuro desta trama. Não apenas a construção de Satsuki, mas de seu conselho estudantil se assemelha muito a este conceito. Ouvi dizer que aparecerão outras escolas, que possivelmente entrarão em guerra... se for, promete ser empolgante.


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Promiscuidade revela caráter?

Toda essa discussão sobre o fanservice de Kill la Kill e a temática desse episódio, faz com que seja impossível não falar novamente de Go Nagai. Todo mundo sabe que o DNA de Kill la Kill é Nagaisquiano, sendo a grande influência do roteirista Kazuki Nakashima (“(...) Em particular, eu li tudo de Go Nagai, começando por suas obras de estreia e depois, quando eu estava no ensino médio o seu trabalho em Devil Man realmente me surpreendeu. Senti que estava amadurecendo junto com o desenvolvimento do próprio escritor).

O que há de mais notável sobre Go Nagai é sua crueza e violência em imagens de formas perversas e disformes num processo imaginativo muito dinâmico. É impressionante como artistas com artes nem tão refinadas dos anos 60 aos 80, possuem um timing visual impactante.

Mazinger Z. (1972) é uma de suas obras mais radicais em amostras explicitas de hiper violência e sexualidade, um dos seus ingredientes mais recorrentes. A ideia de sua criação teria surgido tão por acaso quanto a de Kill la Kill. Conta-se que um dia Nagai estava num engarrafamento, e pensou que se pudessem brotar do carro pernas e braços, poderia passar por todos os outros carros sem maiores problemas.

Isso revela que o colosso mecânico é projeção idealizada da necessidade da mente humana de encontrar onipotências idealizadas capazes de confrontar e superar a impotência real. Como os uniformes de Kill la Kill. Como as mahou shoujo que precisam de uma roupa de transformação para ter poderes.  E a roupa recebendo upgrades quando ficam mais poderosas.

Kill la Kill e Mazinger Z. possuem muito em comum. Também é uma história de vingança, mas de Go Nagai, que inflou a historia de alusões sexuais devido a repressão sexual daquela época e as criticas que recebia. Ele já havia enfrentado problema similar em Harenshi Gakuen (1968), uma história sobre um colégio interno onde os professores e alunos possuem o hobbie de ficar espiando as calcinhas e peitinhos das alunas. Obeveamentê gerou muitas polêmicas, os pais protestaram fervorosamente, Nagai passou a ser encarado como câncer da sociedade e o mangá teve que ser encerrado mesmo, mas não sem antes dele jogar mais pimenta ainda na ferida aberta de pais e mestres: a escola foi invadida por um exercito de pais e professores e todos foram cruelmente massacrados.

Violence Jack (1973) tem tanta violência e sexo que coloca muito guro aí no chinelo. Kekko Kamen (1974) é a história de uma justiceira mascarada que pra derrotar os caras maus dá chave de pussy neles! De roupa, só usa os acessórios [como luva, a mascara, a bota...rs]. Nagai é maluco, suas histórias são mais ainda e ele peitou toda a sociedade e seus valores comportamentais.
Mas ele tem muitas faces. Cutie Honey (1973) é um dos seus mangás mais charmosos. Robôs que se combinam; robôs tribulados; hipersexualização em mangás para crianças; e agora... garotas mágicas. Antes de Cutie Honey, os mahou shoujo eram exclusivamente para o publico feminino e sempre com abordagens infantis. Então veio Cutie Honey, um mahou shoujo voltado para o publico masculino – ou seja, as crianças que compravam ou assistiam o anime –, o percussor do igualmente clássico Sailor Moon. Foi Cutie Honey que formou esse enorme filão de mahou shoujo voltados para otakus que existe hoje.

A protagonista frequente uma escola católica (olha o escarnio) onde todas as alunas e professoras são lésbicas! A terra é invadida por monstras lésbicas ameaçadoras! A própria Honey não é uma mahou shoujo convencional, pois não possui habilidades oriundas de magias. Na verdade ela é uma androide!

A parte boa é agora! Honey está a maior parte do tempo seminua, com seus decotes salientes e as inimiga! usam roupas fetichistas, mas ao contrário de uma heroína virginal, Nagai nos dá uma personagem abertamente sexual que usa sua sexualidade para lutar pelo bem. Ela dança, faz charminho, conquista, é apaixonante, sem qualquer traço de moralidade ou punição.
Os anos 60 e 70 foram muito conturbados num Japão recém saído de uma Segunda Guerra Mundial, que ao mesmo tempo que se abria timidamente novamente para uma nova liberação sexual depois da censura, também era contrastado pelos valores e códigos morais dos conservadores. O entretenimento pop é regido pelo artigo 175 do Código Penal que coíbe a indecência moral, mas dá liberdade para insinuações e dai é que nascem os fetiches!

Nos 70 a ingenuidade dos mangás de Tezuka sucumbiria a abordagens mais... digamos, perniciosas. O próprio começou a fazer um filão com heroínas sedutoras, típicas mulheres fatais. Da tragédia, da insegurança, da repressão fez surgir uma áurea de experimentação imaginativa que permeou todos os meios artísticos. Cutie Honey com seu corpinho cheio de curvas e graciosidade era autoconfiante em seu sexo, se orgulhava do ter sexy appeal, revelando suas formas femininas quase que dizendo “se eu que sou uma máquina e me orgulho do meu corpo, porque vocês não se orgulham e se envergonham dos seus?”. O mais interessante, é que apesar da sexualização obvia, Honey tinha personalidade e um poder que a deixava praticamente imponente.

Sailor Moon tem como duas grandes inspirações os Super Sentai e Cutie Honey. Sailor Moon foi vendido para uma audiência mista, há coisas controversas na série, mas também há emancipação feminina. Cada obra representa o espirito da sua época. Hoje Cutie Honey seria apenas gratuito, mas no passado teve seu papel de destaque como avant-garde. Há um episódio de Sailor Moon que um vilão pergunta para a Sailor Moon e para Chibi-Usa se elas não se envergonham de usarem saias tão curtinhas. A Chibi então responde sinceramente e sem qualquer pudor que... não.



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Kill la Kill satiria, parodia e rende homenagens ao que veio antes. A mensagem do episódio é essencialmente esta, de que não há porque se envergonhar de estar exibindo o seu corpo. Um reflexo de Cutie Honey. Isso cabe mais discussão, mas não aqui. Chega.

Como curiosidade, só gostaria de acrescentar que foi Cutie Honey quem trouxe as transformações em que as personagens ficam nuas durante a metamorfose. Que se seguiu com Sailor Moon e...

O gênero mahou shoujo já foi reiventado várias vezes. Cutie Honey, Sailor Moon, Magic Knight Rayearth, Shoujo Kakumei Utena e o atual, Madoka Mágica – apenas citando os mais expressivos. Mesmo Kill la Kill, como não poderia deixar de ser, tem um quê muito forte de magical girl subvertido que segue de perto o caminho deixado por Utena. Então quando Kill la Kill diz que não há porque Ryuuko se envergonhar, é olhando as bravas guerreiras lá atrás que não se preocupam em expor seus corpos para salvar o mundo e a elas mesmo diversas vezes.

E eu gostaria de dizer que eu amo a Mako!!!!!!



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