segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Vai dizer que isso não deve ser assistido?!

Vai dizer que algo assim, tão espetacularmente colorido e desenhado não DEVE ser assistido?
Padrões cada um possui o seu, mas meus instintos reagem imediatamente ante às desenhos de cores vivas, personagens com character designer que fogem do convencional, principalmente esses cartunizados com arte arredondadas. 
Vi há pouco no ANN que o animador independente Hiroyasu Ishida estava produzindo um novo curta-metragem chamado Hinata no Aoshigure, uma história de amor sobre um garoto da quarta série que tentará transmitir seus sentimentos para a coleguinha de classe Shigure (Saori Hayami). Ele está dirigindo e escrevendo o curta.
Para quem já conhece Hiroyasu Ishida pelo divertido e explosivo Fumiko's Confession, ainda que não ligue a produção ao criador, irá reconhecer inconscientemente o estilo de condução dele que segue um ritmo caótico em meio à fuga.

A primeira vez que ouvi falar de Hiroyasu Ishida e consequentemente do curta Fumiko's Confession (Fumiko no Kokuhaku, de 2009), foi no nostálgico Subete Animes. Obviamente fiquei encantada com tanta vivacidade num curtinha feito de modo independente por apenas uma pessoa. Com este curta e com apenas 21 anos, ele venceu o YouTube Video Award japonês, que se tornou amplamente conhecido, chamando a atenção de gente importante. Ishida que aspira ser animador profissional, já angariou elogios de ninguém mais que Mamoru Hosoda (Ookami Kodomo no Ame to Yuki; As Crianças Lobo, Toki wo Kakeru Shoujo), que começou sua carreira como animador e aos poucos se destacando até se assumir como um dos principais diretores autorais de filmes animados no Japão atual.

Fumiko’s Confession é descontroladamente caótico, com espantosa fluidez cinética. Conta a história da garota Fumiko que ao se declarar para o coleguinha de classe, recebe um não e então sai correndo, só que ela pega uma ladeira e a situação foge do seu controle. 
A melhor forma de descrever este curta é da seguinte maneira: uma volta ao mundo em 60 segundos. E é quase como se fosse isso mesmo, à medida que Fumiko perde o controle do seu corpo numa ladeira e desce a toda velocidade – é como se essa caótica fuga representasse seus sentimentos internos. Pensa bem, você minha linda e meu lindo, é uma pessoa introvertida que enfim toma coragem para se declarar para aquela pessoa, e como se já não fosse pressão o suficiente, ainda recebe um não. Como se sentiria? Difícil mensurar. Você iria querer desaparecer da face da terra e sua mente perderia toda a razão por algumas frações de segundos. Mesmo que nada mudasse ao seu redor, pela perspectiva da sua mente, um segundo duraria uma eternidade e todo som ao redor desaparecia, você se tornaria naqueles segundos de eternidade um ser estático, externamente paralisado, mas internamente seu coração estaria quase arrebentando para fora do peito e sua mente estaria emulando uma fuga em que você de tanto vergonha, correria, correria, correria até não ter mais pernas, até estar a quilômetros de distância do catalizador da sua angustia.

Mas ai você voltaria à razão e perceberia que ainda estava diante daquela pessoa, completamente desconcertado. A corrida desenfreada de Fumiko é como se fosse as batidas dissonantes do coração dela.

Seu segundo curta se chama Rain Town (2011) e ao contrário de correria desenfreada de Fumiko, aqui o ritmo é lento e atmosférico. É um trabalho mais técnico e mostra um diretor mais experiente na linguagem visual. Conta a história de uma cidade que cai uma chuvinha incessante que perdura há bastante tempo. Tempo suficiente para fazer com que as pessoas abandonassem a cidade, que agora se encontra solitária entre memórias abandonadas e uma chuva que não quer mais parar. Tempo o suficiente para que as pessoas nem se lembrem mais de quando começou, mas objetos e construções guardam preciosos registros de um tempo em que as pessoas ali viviam. Nessa cidade há um robô esquecido, que acaba sendo encontrado por uma garotinha. Eles criam um vinculo emocional, mas ele sofre com a memória de uma amizade que fez com outra garota quando a chuva ainda não havia estagnado naquela cidade e o sol era quente. Só que a amizade terminou prematuramente quando a chuva começou a cair e as pessoas começaram a debandar da cidade.
A narrativa é desarticulada, dividida entre passado, presente e futuro, permeada por lembranças do passado. Lembranças impregnadas em tudo que ficou para trás. Lembranças que persistem na memória de alguém por ter representado algo importante. Ishida assume uma perspectiva de câmera sempre objetiva, com planos abertos que dá a sensação de estarmos diante de uma peça. De tudo ser um grande palco. É uma história delicada e sentimental, sobre a valorização da amizade e das memórias. O robô que temia ser abandonado novamente é acolhido pela garotinha mesmo já não tendo um corpo. Muitos anos se passaram e a chuva ainda não cessou, e tão forte como ela, os laços que os unia permaneceram intactos.

O que há de mais belo nesse curta é o modo como se dá a sua condução, repleto de momentos atmosféricos e absorventes, construído por um timing sensível por parte do diretor que valoriza frações da vida e por isso consegue fazer-nos encontrarmos em diversas sequências do dia a dia da amizade entre a garotinha e o robô. Essas frações de vida são importantíssimas em qualquer obra que lida com emoções e cotidiano. São aqueles momentos que buscam reconstruir ações banais e diárias, como uma simples passada embaixo de uma bica d’água, a forma como o personagem observa o espaço ao seu redor e reage a ele.   

Agora Ishida conta uma estrutura bem maior ao seu dispor, o apoio de um estúdio, de pessoas como Yojiro Arai que trabalhou de animador em From Up On Poppy Hill e The Secret World of Arrietty do Ghibli, agora como design de personagens. Do colorista Haruko Nobori (Tiger & Bunny, Gatchaman Crowds). E mais gente ao seu dispor que certamente fará a diferença no produto final. Ishida que já ganhou 2 premiações com seus dois primeiros curtas independentes, agora  tem a chance de voltar a impressionar. Certamente é um nome que deve despontar na indústria nos próximos anos, vale a pena ficar de olho.

E os materiais promocionais de  Hinata no Aoshigure tão lindo de morrer. Eu preciso logo assistir isto!

 Trabalho de produção


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Trivia

Makoto Shinkai é um dos grandes nomes autorais da indústria de animação atual, que também começou fazendo curtas com estruturação artesanal que lhe redeu perolas como o já comentado aqui Ela & Seu Gato. Hoje possui seu próprio estúdio e sucessos como O Jardim das Palavras e 5 Centímetros por Segundo, entre outros trabalhos impalatáveis

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