Vai dizer que algo assim, tão espetacularmente colorido e
desenhado não DEVE ser assistido?
Padrões cada um possui o seu, mas meus instintos reagem
imediatamente ante às desenhos de cores vivas, personagens com character
designer que fogem do convencional, principalmente esses cartunizados com arte
arredondadas.
Vi há pouco no ANN que o animador independente Hiroyasu Ishida estava produzindo um novo curta-metragem chamado Hinata no Aoshigure,
uma história de amor sobre um garoto da quarta série que tentará transmitir
seus sentimentos para a coleguinha de classe Shigure (Saori Hayami). Ele está dirigindo e escrevendo o curta.
Para quem já conhece Hiroyasu Ishida pelo divertido e
explosivo Fumiko's Confession, ainda que não ligue a produção ao criador, irá
reconhecer inconscientemente o estilo de condução dele que segue um ritmo caótico
em meio à fuga.
A primeira vez que ouvi falar de Hiroyasu Ishida e consequentemente
do curta Fumiko's Confession (Fumiko no Kokuhaku, de 2009), foi no nostálgico Subete Animes. Obviamente
fiquei encantada com tanta vivacidade num curtinha feito de modo independente
por apenas uma pessoa. Com este curta e com apenas 21 anos, ele venceu o YouTube
Video Award japonês, que se tornou amplamente conhecido, chamando a atenção de
gente importante. Ishida que aspira ser animador profissional, já angariou
elogios de ninguém mais que Mamoru Hosoda (Ookami Kodomo no Ame to Yuki; As Crianças Lobo, Toki wo Kakeru Shoujo), que
começou sua carreira como animador e aos poucos se destacando até se assumir
como um dos principais diretores autorais de filmes animados no Japão atual.
Fumiko’s Confession é descontroladamente caótico, com
espantosa fluidez cinética. Conta a história da garota Fumiko que ao se
declarar para o coleguinha de classe, recebe um não e então sai correndo, só
que ela pega uma ladeira e a situação foge do seu controle.
A melhor forma de descrever este curta é da seguinte
maneira: uma volta ao mundo em 60 segundos. E é quase como se fosse isso mesmo,
à medida que Fumiko perde o controle do seu corpo numa ladeira e desce a toda
velocidade – é como se essa caótica fuga representasse seus sentimentos
internos. Pensa bem, você minha linda e meu lindo, é uma pessoa introvertida
que enfim toma coragem para se declarar para aquela pessoa, e como se já não
fosse pressão o suficiente, ainda recebe um não. Como se sentiria? Difícil
mensurar. Você iria querer desaparecer da face da terra e sua mente perderia
toda a razão por algumas frações de segundos. Mesmo que nada mudasse ao seu
redor, pela perspectiva da sua mente, um segundo duraria uma eternidade e todo
som ao redor desaparecia, você se tornaria naqueles segundos de eternidade um
ser estático, externamente paralisado, mas internamente seu coração estaria
quase arrebentando para fora do peito e sua mente estaria emulando uma fuga em
que você de tanto vergonha, correria, correria, correria até não ter mais
pernas, até estar a quilômetros de distância do catalizador da sua angustia.
Mas ai você voltaria à razão e perceberia que ainda estava
diante daquela pessoa, completamente desconcertado. A corrida desenfreada de
Fumiko é como se fosse as batidas dissonantes do coração dela.
Seu segundo curta se chama Rain Town (2011) e ao contrário de correria desenfreada de Fumiko, aqui o
ritmo é lento e atmosférico. É um trabalho mais técnico e mostra um diretor
mais experiente na linguagem visual. Conta a história de uma cidade que cai uma
chuvinha incessante que perdura há bastante tempo. Tempo suficiente para fazer
com que as pessoas abandonassem a cidade, que agora se encontra solitária entre
memórias abandonadas e uma chuva que não quer mais parar. Tempo o suficiente
para que as pessoas nem se lembrem mais de quando começou, mas objetos e construções
guardam preciosos registros de um tempo em que as pessoas ali viviam. Nessa
cidade há um robô esquecido, que acaba sendo encontrado por uma garotinha. Eles
criam um vinculo emocional, mas ele sofre com a memória de uma amizade que fez
com outra garota quando a chuva ainda não havia estagnado naquela cidade e o
sol era quente. Só que a amizade terminou prematuramente quando a chuva começou
a cair e as pessoas começaram a debandar da cidade.
A narrativa é desarticulada, dividida entre passado, presente
e futuro, permeada por lembranças do passado. Lembranças impregnadas em tudo
que ficou para trás. Lembranças que persistem na memória de alguém por ter
representado algo importante. Ishida assume uma perspectiva de câmera sempre
objetiva, com planos abertos que dá a sensação de estarmos diante de uma peça. De
tudo ser um grande palco. É uma história delicada e sentimental, sobre a
valorização da amizade e das memórias. O robô que temia ser abandonado
novamente é acolhido pela garotinha mesmo já não tendo um corpo. Muitos anos se
passaram e a chuva ainda não cessou, e tão forte como ela, os laços que os unia
permaneceram intactos.
O que há de mais belo nesse curta é o modo como se dá a sua condução,
repleto de momentos atmosféricos e absorventes, construído por um timing
sensível por parte do diretor que valoriza frações da vida e por isso consegue
fazer-nos encontrarmos em diversas sequências do dia a dia da amizade entre a
garotinha e o robô. Essas frações de vida são importantíssimas em qualquer obra
que lida com emoções e cotidiano. São aqueles momentos que buscam reconstruir
ações banais e diárias, como uma simples passada embaixo de uma bica d’água, a
forma como o personagem observa o espaço ao seu redor e reage a ele.
Agora Ishida conta uma estrutura bem maior ao seu dispor, o
apoio de um estúdio, de pessoas como Yojiro Arai que trabalhou de animador em
From Up On Poppy Hill e The Secret World of Arrietty do Ghibli, agora como
design de personagens. Do colorista Haruko Nobori (Tiger & Bunny, Gatchaman Crowds). E mais gente ao seu dispor
que certamente fará a diferença no produto final. Ishida que já ganhou 2
premiações com seus dois primeiros curtas independentes, agora tem a chance de voltar a impressionar.
Certamente é um nome que deve despontar na indústria nos próximos anos, vale a
pena ficar de olho.
E os materiais promocionais de Hinata no Aoshigure tão lindo de morrer. Eu
preciso logo assistir isto!
Makoto Shinkai é um dos grandes nomes autorais da indústria
de animação atual, que também começou fazendo curtas com estruturação artesanal
que lhe redeu perolas como o já comentado aqui Ela & Seu Gato. Hoje possui seu
próprio estúdio e sucessos como O Jardim das Palavras e 5 Centímetros por Segundo, entre
outros trabalhos impalatáveis.
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