domingo, 12 de janeiro de 2014

Parasite Dolls (2003): Dilemas Existenciais

Retornando ao submundo de Bubblegum!
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Quando escrevi sobre Bubblegum Crisis 2032, comentei em como aquele universo era expansivo e criativamente rico, embora ache que não foi exatamente com estas palavras. Mas bem, Parasite Dolls mostra o quão longe pode ir este universo. Concebido originalmente como uma série de OVAs em 3 volumes, Paraiste Dolls foi um extra contido em edições de outra série oriunda do universo Bubblegum: AD Police. Posteriormente, houve uma reedição, dando origem a uma versão longa-metragem, exibida em diversos festivais. São animes assim que ajudaram a fomentar o boom do anime&mangá no ocidente nos findos dos anos 1990 e inicio dos 2000. Não por mero acaso, a franquia Bubblegum possui um culto por estas bandas, e que olhando só por aqui, faz parecer que se trata de séries cultuadas no Japão. O que não é bem o caso.

O ano é 2034, na MegaTokyo, a Branch é uma divisão especial e quase secreta da AD Police, algo similar ao FBI, só que mais pobre. Bem mais pobre. E se você não sabe essas unidades especiais só entram em casos em que determinados eventos possuam conexões com gente poderosa, grande interesse do governo, ou qualquer outra coisa que esteja além da policia normal. O enredo possui três linhas de tempo e três tramas (que corresponde aos 3 OVAs da versão original) interligadas, mas cada um com sua própria resolução.
A primeira história, ‘A Faint Voice’, acompanha o agente Buzz (Kazuhiko Inoue) de 32 anos e seu parceiro boomer chamado Kimball (Soumei Uchida), que investigam a origem da causa misteriosa que está enlouquecendo boomers em todos os cantos da cidade, fazendo-os sair de controle e colocar a vida da população em risco. 
No segundo, ‘Dreamer’, acompanhamos de perto o cotidiano da agente Michaelson (Akemi Okamura) de 22 anos e sua relação com Buzz e Kimball; ambos investigam o assassinato de diversas prostitutas, que coincidentemente ou não, são boomers. Em determinado momento, Michaelson que investigava uma boomer especial, diferente de qualquer outra já produzida, acaba desenvolvendo uma estranha relação com ela. 
E no último, ‘Knights of a roundtable’, fecham com chave de ouro, amarrando todas as tramas e subtramas, além de aprofundar melhor o seu protagonista, Buzz, que investiga o desaparecimento do chefe da Blanch, Takahashi (Masaru Ikeda). Este sumiço revela uma cortina de fumaça que envolve todos os personagens e lhe dão uma nova perspectiva sobre a vida e sobre os boomers.

Parasite Doll foi uma agradável surpresa que encontrei perdido aqui em meu HD e uma lufada de ar fresco que me deu uma motivação em ir atrás de mais séries do universo Bubblegum. Este OVA resgata os conceitos originais da série Bubblegum Crisis 2032; conflitos entre humanos e máquinas (boomers), corrupção do estado, conspirações tecnológicas, dilemas existenciais. Só que desta vez o roteiro está mais polido e com boas linhas de diálogos. Cortesia do lendário Chiaki J. Konaka (Malice@Doll, Digimon Tamers, Serial Experiments Lain), que tece um roteiro conciso e REALMENTE bem escrito (percebam o entusiasmo com que escrevi isto), embora já manjados.

A direção de Kazuto Nakazawa (Moondrive) e Naoyuki Yoshinaga (Maison Ikkoku) também é boa, principalmente nas cenas de ação. Elas possuem impacto dramático, que é aquela sensação climática de se envolver completamente numa sequência com ações do clímax. E em Parasite Dolls, é notável o amadurecimento entre áudio e visual, algo que muitas das produções menores até meados dos anos 90, com relação a anime, falham miseravelmente. Sim, falo particularmente dos OVAs. Aqui, a trilha sonora e a imagem fazem um casamento agradável e uníssono. Mesmo as batidas eletrônicas, já não se perdem mais em um fundo de ecos sintetizados. São os anos 2000!

Ainda assim, mesmo com episódios que conseguem desenvolver uma boa progressão e entregar um clímax compactado, amarrando seus núcleos abertos, a direção e roteiro ficam muito na superfície do tema. Os envolvidos não esboçam qualquer reação em explorar qualquer coisa além para sair da superficialidade. Isto causa a sensação de um mais do mesmo que por mais legal que seja, é um mais do mesmo que não só fica aquém dos diferenciados, como também é tanto fez e tanto faz.

Mas devo dizer que os personagens de Parasite Dolls e seus conflitos internos me conquistaram pra valer. São sem duvidas o ponto alto da narrativa e o elemento satisfação no ponto de chegada. Buzz não é tão desenvolvido assim, mas sua expressão vaga convence e as suas motivações vão se tornando gradativamente empáticas. Boomers, apesar de ser o elemento catalizador, não exercem papel de protagonistas. No entanto, o pano de fundo envolvendo os boomers e o impacto que provocaram naquela sociedade é expandido. Eles são parte da sociedade, estão integrados no sistema de modo aparentemente irreversível, ocupando funções outrora que só poderiam ser exercidas exclusivamente por seres humanos. Alguns ainda possuem autonomia. Com este panorama, as pessoas se sentem ameaçadas com estes androides que aos poucos vão assumindo suas funções e ocupando cada vez mais espaços, o que gera certos preconceitos, principalmente com os boomers do sexo feminino que trabalham como garotas de programa. 
A série toca novamente na questão da autoconsciência da máquina; poderia os boomers desenvolver sentimentos? Emoções próprias? Sonhar? Tudo isto é apresentado em pequenas pinceladas ao decorrer dos episódios e a resposta para a questão é evidente em casa caso. Uma boomer chamada Eve (a que ilustra o pôster e que talvez faça alguma alusão à Eva) que co-protagoniza o segundo OVA, é o destaque deste pensamento conflituoso da evolução da máquina ao ponto de não se diferenciarem mais de pessoas comuns. Ela é uma boomer evoluída, capaz de sonhar, sentir-se como uma mulher de verdade, que necessita inclusive de preliminares, para deixa-la mais relaxada para desempenhar suas funções. Mas não é isso que torna Eve tão humana, e essa analogia com Eva que vivia feliz enquanto ainda não conhecia a verdade, mas se perde ao se corromper, dá asas à imaginação; talvez por isso a história de fundo da personagem, sua origem e etc, tenha se mantido aberta à interpretação.

Eu diria que é sua capacidade de ter medo, carência e baixa-estima, que a leva a perder o domínio sobre seus atos. Uma característica comum em obras escritas por Chiaki Konata são transtornos psicológicos que fazem as personagens misturarem realidade com fantasia e enxergarem seus duplos, suas personas, transcendendo o corpo físico. Malice@Doll e Parasite Doll são duas de suas séries que possuem essa característica em comum. Em Parasite Doll, Eve começa a ter alucinações de uma garotinha de capuz vermelho, com uma bola. Tanto aqui, quanto em Malice, essas visões surgem de um extremo estresse emocional e da insatisfação pela dor causada ao adquirirem autoconsciência de sua existência. A solução então é transcender a matéria a partir do momento que resolvem seguir estas visões.

Paradoxal. A tecnologia evolui, por mãos humanas, ao ponto de sufocar a existência humana, trazendo consigo paradoxos complexos. Mas a ironia está no fato de que, ao experimentar a humanidade, tais máquinas se mostram incapazes de lidar com tamanha complexidade. Podemos interpretar pela ótica critica do autor, de que máquinas nunca chegarão, por mais evoluídas que sejam a possuírem a natureza humana. Ou por uma perspectiva mais romântica: o pensamento budista alude para a efemeridade cíclica da vida, e eu li certa vez que o inferno seria a própria vida, a própria vida terrena. É natural pensar então que a libertação só pode vir com a transcendência da alma.
  
Enfim, não posso encerrar o texto sem comentar da personagem mais fodástica chutadora de bundas da história: a sargento Reiko Michaelson. Apaixonada por Buzz, que não lhe dá a menor bola, Michaelson tem traços masculinizados, já flagrantes na sua postura tomboy. Com baixa estima por não se sentir feminina e atrativa para o sexo masculino, mas também não fazendo nenhum esforço prático para se adequar a este padrão além de namorar esse estilo pela vitrine, acompanhar a trajetória dela foi para mim extremamente prazeroso, principalmente por ela permanecer o que é. Ela, mesmo com seus 22 anos, ainda possui certa ingenuidade, extravasando a suas frustrações com as questões de gênero nos apetrechos eletrônicos, onde ela parece se sentir completamente à vontade. Especialista em armas e veículos da divisão Branch, em uma determina sequência onde um grupo de filhinhos de papais está controlando um bloomer remotamente através de um projetor cerebral, como se fosse um game, ela sai destruindo tudo e visivelmente se sente excitada com isto, como se aquilo também fosse um game de tiro de primeira pessoa. Deu vontade de dizer: AMIGA!

A interação entre Michaelson e Eve é bem bacana, apesar desta ainda ter uma visão bastante tradicional com relação gêneros, a repentina e breve amizade/camaradagem contrastante entre duas mulheres tão distintas, faz com que Michaelson olhe para dentro de si mesma e começar a se questionar. Gosto particularmente de quando Eve lhe diz que ela precisa parar de enxergar os homens como se fossem seus inimigos. Acredito que a pressão familiar e social pelo modo de se vestir e comportar de Michaelson, a tenha feito erguer um enorme escudo de proteção em torno de si, o que também justifica sua paixão por Buzz; maduro, e que não lhe julga, embora pareça lhe ver mais como uma criança do que como mulher. O que a deixa ainda mais conflitiva. Ainda há um logo caminho a percorrer para ela. Tudo o que precisa, é aprender a se aceitar, porque foda a bichinha é! 
Deu pra ver o tamanho de minha afeição, não é? Há ainda os personagens secundários, que servem para estabelecerem melhor os principais, tornando estas inter-relações algo interessante no decorrer da história. Bom, Parasite Doll é um OVA bacana. Tem algumas inconsistências na animação, em maior grau no que diz respeito ao character design que está sempre se mostrando desproporcional, mas com algumas sequências de ação divertidas, ainda que com animação mediana, e certo experimentalismo, que soa até datado para os dias atuais. Mas não reclamo, há até um certo charme trash nisto tudo.

Ah, não é preciso ter assistido nenhum outro da franquia para entender o que se passa em Parasite Doll.

Nota: 06/10
Direção: Kazuto Nakazawa, Naoyuki Yoshinaga, Yasuhiro Geshi (ep. 3)
Roteiro: Chiaki J. Konata
Estúdio: AIC
Tipo: OVA
Duração: 1h 25 min (3 episódios)
MAL: http://goo.gl/Ymxf5x
ANN: http://goo.gl/6bbjDS

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