sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Kill la Kill: Pessoas são porcos em pele humana

 Você certamente já ouviu alguém comentar e conhece o contexto da comparação pouco lisonjeira – para os pobres suínos que não fazem nada de mal – de que comunistas não passam de porcos. Caso contrário, deixe-me falar contigo! 
Como não faço postagens semanais de Kill la Kill tradicionalmente, isto é algo que não tive oportunidade de comentar sem criar um post especifico. Porque é um tema que achava muito pequeno, além de obvio, mas depois percebi que não era pequeno, mas aludia à série como um todo.

Quem acompanha Kill la Kill, deve se lembrar de uma das frases que a opressora e ambiciosa Satsuki mais parece sentir orgulho e certo prazer em pronunciar: “Pessoas são porcos em pele humana”. E verdade seja dita, a certeza inabalável de Satsuki ao proferir estas palavras tem lá sua razão de ser, como fica evidente no episódio 7, especialmente dedicado à escalada social da família Mankanshoku – estes, ao receberem uma oportunidade dada pelo governo gerido por Satsuki, de crescerem socialmente e adquirirem poder monetário, logo se transformam rapidamente, não sobrando nem casca do que eram antes.

Explico. A Academia Honnouji, da família Kiryuuin, e gerenciado por sua filha Satsuki, é uma autocracia. Resumindo, tipo de poder que só há um único detentor do poder. Satsuki possui o controle de tudo na Honnouji, embora isto possa parecer um pouco questionável se pensarmos que há alguém na família que ela deve obediência: sim, sua mãe, que pelo simples fato de a narrativa ainda manter um suspense sobre ela, promete ser mais assustadora que a filha.

Neste caso, acho que dizer que é um governo totalitário, cai melhor, né (é uma pergunta séria, poxa!)? Afinal, independente de ser a Satsuki ou não, ainda seria controlado por uma classe especifica e privilegiada. E sendo assim, se aproxima e muito do grande tema da série, que é o fascismo (oras, característica facilmente perceptível desde o primeiro episódio e as diversas referências desde o Terceiro Reich a livros clássicos que contextuam politicamente este modo de governo). E o que Kill la Kill tem haver com fascismo? Está mais do que obvio de que a intenção do clã Kiryuuin é unificar a “nação” através de um governo totalitário. Na história, usa-se muitas metáforas narrativas, mas é fácil perceber a entidade escolar como uma nação, para aquele mundo (o que de certa forma dialoga com a própria mentalidade social no que diz respeito a escola como meio formador de uma pessoa apta para continuar a movimentar as engrenagens do sistema. No Japão, isto pesa bastante sobre os ombros dos estudantes). Dai o plano de dominar várias escolas.

Está tudo interligado. E é bacana perceber que o roteiro de Kill la Kill, em toda a sua simplicidade e humor bobo (mas que me gusta) para funcionar no padrão de direção do Hiroyuki Imaishi, ainda consegue estabelecer uma narrativa com temas entrelaçados que são passiveis de se ver por diversos prismas, visões, interpretações. Por exemplo, a questão da vestimenta é uma temática fortíssima, que você pode ver como uma sátira ou mesmo uma critica jocosa à sociedade que é refém dos velhos códigos estéticos.  Também pode-se ver apenas como desculpa para fanservice e etc., a fim de vender bonequinhos; não estará de todo errado. Não mesmo.  E olha só, mesmo olhando para esta perspectiva, e somente ela, é impossível destaca-la solitariamente do restante do contexto do enredo. Calma aí, eu chego lá. 
É notável a revolução que Satsuki fez na Academia, usando a família Mankanshoku e sua ambição desenfreada para conseguir alcançar seu verdadeiro objetivo: recomeçar do zero. Assim, ela promove mobilizações em massa na comunidade, reitera sua dominação, e inicia com o apoio dos melhores uma revolução. Baaaasicamente, os preceitos do fascismo.

A frase pronunciada por Satsuki (“Pessoas são porcos em pele humana”) tem origem em um livro escrito por George Orwell, chamado ‘A revolução dos bichos’. Aí ele retrata sua frustração ideológica em relação à natureza “porca” e corruptível do homem.

Associar negativamente o homem ao porco é um dos motivos que levou seu livro a sofrer diversas recusas em ser publicado na época. Mas é importar ilustrar que Orwell se referia especificamente ao socialismo stalinista. O que provavelmente ele não imaginava, é que esta abordagem pudesse ganhar proporções muito maiores. Isto acontece porque é uma ideologia que não se restringe ao seu contexto histórico, mas que funciona perfeitamente bem sem ele nos dias atuais, podendo ser empregado de diversas formas; entre elas, para conotar negativamente o socialismo (independente de que seja ou não um modo de governo fadado ao fracasso).

A máxima de que socialistas são porcos, vem contido na ideia de que o socialismo é um sistema governista sem possibilidades de sucesso porque somos todos porcos, no sentido pejorativo. E claro, as raízes deste pensamento são muito profundas, e remonta de centenas de anos e tentativas frustradas do socialismo, por vezes culminando em governos tirânicos e nefastos; uai, mesmo com um sistema socialista, é necessário uma pessoa/entidade, governo para mediar tudo. E em A Revolução dos Bichos, na fazenda com animais utilizados como metáfora, fica claro que o problema está na essência do ser humano naquilo que ironicamente o torna Ser Humano; sempre egoísta, ambicioso, autoritário, violento, etc. 
Pode até ser uma visão muito negativa e melancólica de um mundo que nunca irá encontrar seu completo equilíbrio na espécie humana, mas isto nos leva de volta à Kill la Kill! Mais especificamente, o episódio 7. Aquele da família Mankanshoku.

Em Honnouji, a sociedade é dividida hierarquicamente através do poder aquisitivo (alguma diferença com o mundo real?), sendo que status social é estabelecido pelo que a pessoa veste (novamente, alguma diferença?). No caso, os uniformes, que possuem vários níveis. O primeiro, o Zero, é a classe mais pobre, então moram na favela em situação miserável. Porém, como qualquer governo, autoritarista ou não, sabe perfeitamente: para manter a ordem e o povo na coleira, é preciso deixar qualquer possibilidade, por mais difícil e limitada que seja, para que ele possa crescer. Para que não se sinta completamente abandonado pelo governo e uma revolta popular tenha inicio.  
E na Honnouji, basta derrotar os estudantes de menor nível e ir subindo. É quando Ryuuko vê nisto um atalho, não apenas para chegar mais próximo à Satsuki, mas também para provoca-la. Então, ao lado de Mako, elas começam a derrotar todos os clubes e subindo cada vez mais de status social, até chegar um ponto em que todos agora gozavam de uma vida prospera e luxuosa, mas paradoxalmente, eles que eram tão unidos e felizes na pobreza, agora estão divididos e visivelmente procurando reencontrar a felicidade perdida em bens materiais.

O blog Netoin! já comentou o assunto, então me sinto em paz por não descrever comentários poéticos e românticos acerta disto tudo, mas foi um dos meus episódios favoritos e o mais emotivo da série. O fato dos Mankanshoku terem se corrompido facilmente e rapidamente frente ao poder monetário, comprovando a astúcia de Satsuki ao dizer que todo ser humano é corruptível, em outras palavras, porcos, obviamente não deve ser levado seriamente, porque é apenas uma metáfora (em minha opinião) estilizada para se chegar a um denominador comum. O importante é a ideia de que a origem de nossas maiores mazelas está no próprio ser humano.

Em filmes e livros é possível se encontrar vários exemplos da ideologia acerca desta impressão. Na própria obra de Orwell ele trabalha muito este lado do homem preso às suas próprias criações, infeliz e perseguido. Já em animes, eu nunca vi referência a esta expressão, com exceção de Kill la Kill e duas obras de Hayao Miyazaki: reza a lenda que seu clássico Porco Rosso, seria inspirado nele mesmo e sua ideologia sócio-política. Marco Pagot, um piloto italiano veterano da Primeira Guerra Mundial, mas que depois de velho se transformou num freelance caçador de recompensas perseguindo piratas do ar, por ter sido amaldiçoado e transformado em um híbrido de homem com cabeça de porco. 
A história traz um plano de fundo fascista, inspirados em contextos políticos italianos reais. ‘Porco Rosso’, assim como em Kill la Kill, não desenvolve este tema com seriedade, preferindo empregar sátiras bem humoradas, como numa das frases do filme proferidas por Marco (“eu prefiro ser um porco do que um fascista”). A mocinha do filme ainda tenta convencer Marco a deixar de lado a sua avareza para que retornasse novamente à forma humana, e é com esta frase acima que ele a responde.  Miyazaki também disse que, “todo homem quando chega à meia-idade se torna um porco”. 
O outro filme dele que alude a esta ideologia, é ‘A Viagem de Chihiro’. Na história, Chihiro e seus pais que estavam à procura de ajuda, depois de o carro ter enguiçado no meio do caminho, acham um local deserto, mas repleto de comilanças, e sem se fazer de rogados, começam a comer histericamente, enquanto pouco a pouco iam se transformando em dois grandes porcos. Parece referir-se ao mal habito que tiveram ao se apropriar de algo que não lhes pertencia sem ter sido lhes dado permissão (aceito melhores interpretações/leituras, porém).

Enfim, eu ainda não assisti o episódio 13 de Kill la Kill, porque eu escrevi o texto nessa madrugada num momento furor interno (“ou eu escrevo sobre isto agora, ou nunca mais e passamos pro próxima tema” é, porque ainda quero comentar outra coisa sobre a série). Mas eu vi umas imagens, e definitivamente caminhamos nessa direção (como todo o fandom já previa, acho). De qualquer forma, enquanto posto este texto, o anime já está quase baixado. Sayonara bye bye!

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