sábado, 14 de maio de 2016

Katte ni Kaizou (2011) – De Onde Vem o Desespero

Katte ni Kaizou é originalmente uma série de mangá publicada entre 2004 e 2006 com um total de 26 volumes fechados. Katte (かって) é uma palavra muito especifica na língua japonesa, que significa realizar ações arbitrariamente por sua própria conta sem levar em consideração as demais pessoas – já Kaizou, por sua vez, é uma referência ao protagonista da história, que tem ações inusitadas em todo tipo de situação sem levar em consideração qualquer pessoa ao redor. 
Essa junção excêntrica conceitual do título da série reflete o seu espirito e o do próprio criador, que é o melhor contador de histórias nonsenses – no sentido de gênero – que conheço do Japão. Em Katte ni Kaizou ele ainda mantém um pouco do seu estilo bruto de inicio de carreira, mas já demonstra bastante polidez com o passar da história; polidez no modo de construir sua narrativa sim, suavidade e sensibilidade nunca. É importante que se saiba o que esperar quando se lê ou assiste um anime inspirado nas histórias do Koji Kumeta: espinhos, humor negro refinado, farpas farpas farpas por todos os lados, humor ácido e crítica feroz ao modelo estrutural da sociedade japonesa e seus costumes, além de diversas referências à cultura pop – especialmente os quadrinhos japoneses e o estilo de vida otaku: o alvo preferido do autor, que sempre constrói suas histórias satiricamente em cima de fetiches e vícios da indústria.

Katte ni Kaizou é a série que tirou Kumeta do anonimato, por assim dizer, no Japão. É o maior sucesso do autor, depois de Sayonara, Zetsubou-Sensei, embora seja muito pouco conhecida pelo publico ocidental. 
Na história, acompanhamos Kaizou, que provocou uma explosão num instituto de gênios, impedindo-os de se formarem, o que fez com que o que seria um futuro brilhante para o Japão se tornassem meros parasitas em busca de vingança. 

No começo, essa é a trama principal da história original, condutor de sátiras e ridicularizações variadas da sociedade e cultura japonesa, com o autor não se intimidando em explorar contos fantásticos em diversos capítulos, sem que não tenha nenhum gênero que seja poupado de ser parodiado – mesmo documentários e programas de curiosidades de TV, que inclusive desponta em um episódio da série de OVAs, que me fez disparar as melhores risadas dissonantes em dias. 

A série de OVA tem 6 episódios, e acaba não possuindo a mesma consistência narrativa da original, no sentido de linearidade e substância– apesar de parecer arbitrário falar isso de uma história de Kumeta, a narrativa evolui gradualmente e tudo vai se conectado, incluindo ai os capítulos autoconclusivos. A história que começa sobre uma vingança de um grupo, aos poucos vai se centrando mais e mais na vida e conflitos (sempre no intuito de fazer humor) desastrosos de seus personagens centrais. 
O mundo de Katte ni Kaizou através de sua perspectiva ácida e jocosa do ser humano no meio social é de uma comicidade tragicamente desesperada nos traços do autor, é quase como se tudo fosse destituído de esperança, afinal ela não tem espaço ali no que ele está contando, mas divago. O seu mundo é anárquico, mas não apresenta soluções ou saídas fáceis: elas não existem. O que há é o ser humano e o que ele é e faz. Não uma hipotética utopia do que se pode ser. Você ri com gosto de todas as aquelas situações absurdamente fantásticas que envolvem os personagens, mas em meio aquele redemoinho de tragédia há esse senso humano muito palpável e verdadeiro, que é a tristeza existencial do ser. Não que a série explore esse aspecto, mas se torna notável que há algo de errado no descontrole emocional dos personagens e nas suas ações alucinadas. É o estágio máximo da loucura, onde o desespero se converte em gargalhadas histéricas. 

A animação segue uma linha mais simples, até mesmo no que diz respeito à sua conclusão, onde [spoilers do mangá, selecione o texto para ler >>>] o acidente na origem da história deixou seu protagonista Kaizou em coma e todo aquele universo que acompanhamos na história nada mais é que uma viagem da mente do personagem, ou seja, nada daquilo é real na verdade. No anime, as tramas se guiam através do acidente que ocorreu com Kaizou na infância, após sofrer um golpe que fez com que ele acreditasse ser  especial e dotado de habilidades. Como resultado, Kaizou desenvolve um tipo de chuunibyou permanente, em que ele acredita ser um herói cyborg, se envolvendo em todo tipo de situações com seus amigos por culpa de sua imaginação exagerada. 

A própria imaginação fora de série de Kaizou, que o fez se tornar uma espécie de mártir para determinados tipos de indivíduos suspeitos da sociedade, é uma sátira ao comportamento característico dos otakus japoneses – que está em um nível bem acima de qualquer otaku ocidental – que vivem trancafiados em um mundo de fantasia e imaginam um mundo totalmente fora da realidade (a própria conclusão da história original confirma essa intenção autoral). 
Comandada por Naoyuki Tatsuwa (que dirigiu Nisekoi e participou da staff de diversos outros animes do SHAFT) e Akiyuki Sinbo (Monogatari Series, Madoka Magica), a série de OVAs apesar de ficar um tanto aquém no primeiro episódio – com uma aleatoriedade e falta de intimidade com os personagens que deixa o humor febril mais frio – a partir do segundo ganha bastante ritmo e envolvimento. Se o primeiro episódio é construído de uma maneira absolutamente agradável, a partir do segundo até o último parece pesaroso o fato de que em algum momento terá que se despedir de todo aqueles personagens. A série de OVAs é bem redondinha nesse sentido, alcançando uma vida própria independente de material original. Tem um charme que é reflexo do mangá, mas também carpintaria certeira da staff do SHAFT.

Ajuda também o fato de os capítulos adaptados serem mais finos por parte do autor, que passava por uma transição de qualidade em Katte ni Kaizou, até alcançar o seu apogeu em Zetsubou-sensei. Sua máquina furiosa que dispara para todos os lados se torna muito mais envolvente e doentia a partir do momento que se foca mais no elenco de personagens. O estilo excêntrico do estúdio SHAFT capitaneada pelo maestro Shinbo se complementa habilmente à performática da série, trazendo vida e impulsividade nos mais diversos ângulos às histórias do autor. 

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Capítulo Avulso: Bastidores

Não se pode falar de Katte ni Kaizou sem dar ao menos uma nota à conturbada transição do autor desta, para a sua série mais famosa; Zetsubou-sensei. 

Serializada pela editora Shogakukan na revista Shonen Sunday, a série do autor foi vitima de uma mudança de diretrizes internas, que afetava diretamente o conteúdo de sua história. Como se sabe, não é das mais suaves para um publico infanto-juvenil, almejado por esse tipo de publicação. Pode ser que ele tenha rejeitado a interferência editorial em sua história, e optou por um fim aparentemente prematuro a uma história que já tinha 27 volumes fechados e outros recém-publicados que encorpariam o volume 28, finalizando tudo. 

Apesar de ter começado sua carreira publicando na Shogakukan, seu sucesso comercial veio mesmo na Shonen Magazine da Kodansha, com Zetsubou, que ficou tão popular que fez com que as pessoas voltassem os olhos para Katte ni Kaizou, redescobrindo-a. Acontece que ainda na Shogakukan, havia planos para uma adaptação em anime TV de Katte ni Kaizou, e ainda que se houvesse começado uma pré-produção, a mudança nos rumos editoriais fez com que este fosse cancelado. Mas na Kodansha, gozando de prestígio e a adaptação do seu mangá de sucesso pelo estúdio SHAFT, Katte no Kaizou pôde voltar à ativa nesse mesmo estúdio em 2011, ainda que como uma série curta de OVAs. 

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Umi-chan no Otomodachi, no qual já comentei aqui no ELBR, é uma oneshot spin-off centrada em uma das personagens de Katte ni Kaizou – a mais incrível de todas, e a minha preferida. Eu a amo com tanta paixão, que é quase como se fosse uma parte de mim. É uma história simples que mostra a infância psicopata e ambiguamente inocente da personagem. Umi Natori é amiga de Kaizou desde a infância e é a culpada por seu estranho comportamento, apesar de nunca admitir isso. Ela, no começo, parece bastante normal, mas logo se descobre que ela possui uma personalidade aterradora; na verdade múltiplas personalidades. Heh.

Por fim, em Katte ni Kaizou está todas as características do que se veria em Zetsubou, pode ser encarado como uma espécie de laboratório definitivo, mas certamente possui um charme bem próprio e rústico. Falando de personagens, o auto-insert do autor Koji Kumeta é um dos mais geniais, que vive um mangaká frustrado por suas baixas vendas e impopularidade que não perde uma oportunidade para tentar suicídio. 
Nota: atualmente o autor escreve o mangá Joshiraku, que ganhou adaptação pelo J.C. Staff e também foi o character design da adaptação em anime de Uchoten Kazoku

Avaliação: ★★★★★ 
Fonte: Adaptação (mangá)
Estúdio: SHAFT
Diretor Chefe: Akiyuki Simbo
Diretor: Naoyuki Tatsuwa
Composição e Roteiro: Fuyashi Tou, Katsuhiko Takayama
Música: Ruka Kawada
Diretor de Arte: Hisaharu Iijima
Diretor Chefe de Animação: Hiroki Yamamura
Episódios: 06

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