Hoje temos um grande convidado especial que nos acompanha neste blog cor de beterraba desde os seus primórdios, presenteando-nos com um elaborado texto sobre a icônica A Piada Mortal, marco dos quadrinhos americanos. Com as palavras, meu amigo e colega Maeister do blog Divisão Paralela.
Por Maeister
Sob a chuva fria de uma noite comum, o Batman caminha determinado para o Asilo Arkham. Rapidamente passa por diversas celas, todas com conhecidos seus; vilões que em algum momento apresentaram perigo para a humanidade, mas agora são apenas lunáticos gritando no escuro. Os policiais, ao verem o grande morcego passar reto, se perguntam: qual o seu objetivo? Logo alguém deduz o que não é difícil prever: o Coringa.
O encontro não é um acerto de contas, apenas o momento de confissão de Bruce Wayne, cansado da vida de gato e rato entre inimigos. Aliás, segue a questão: o que diabos é um arqui-inimigo? Que ódio é esse que separa dois seres humanos em espectros tão opostos onde não é possível dialogar?
A preocupação de Bruce é legítima: ele sabe que em algum momento, agora ou depois, um deles irá morrer. Mesmo diante de tantos problemas ocasionados pelo Coringa, Wayne já se perguntou o que de fato é um arqui-inimigo e a reflexão foi tamanha, junto da perturbação, que ele deixou de lado a dita justiça punitiva para ir ali conversar. Quem sabe o inevitável possa ser evitado?
“Nunca entendi por que o nosso relacionamento é tão mortal... Mas eu não quero ter a sua morte em minhas... Mãos.”, confessa.
Perceba a importância dessa introdução: ela pode parecer simples, mas traz consigo complexas problemáticas - a vida e a morte são temas principais da aflição do Batman. Ainda longe de ser um assassino, ele vislumbra o momento em que essa realidade possa mudar e assim, tenha que se submeter a outros métodos. Usar de outros métodos é o mesmo que admitir que os atuais não funcionam e o que são os atuais? A “justiça” convencional. É exatamente a mesma problemática (caso você tenha assistido a série da Netflix) do Demolidor contra o Justiceiro. O que os separa de cidadãos comuns fazendo justiça com as próprias mãos de acordo com os próprios valores? Até aqui, Batman, assim como Matt Murdock, se coloca como uma ferramenta para auxiliar o processo de justiça – até o dia que tenha que tomar decisões drásticas que subverterão qualquer conceito de certo.
Por fim, nessas poucas páginas Bruce demonstra empatia pelo Coringa. O palhaço do crime parece estar em outro nível, onde facilmente poderia ser morto de forma oficial, mas Batman não quer ter a morte dele em suas mãos. É quase como se fosse um amigo. Talvez os dois se conheçam melhor do que qualquer outra pessoa poderia conhecê-los, mesmo sem saberem a identidade do outro. Matar o Coringa é admitir que a justiça falhou, que não há outro jeito; entretanto, ninguém está preparado para provar essa teoria.
Após essa confissão sincera, depois de alguns minutos, Wayne percebe que o palhaço não está ali. É tudo um truque. Não há diálogo.
Lançada em 1988, A Piada Mortal é um simples one-shot que conseguiu impactar ao ponto de se tornar um marco das histórias em quadrinhos. Para entendê-la, precisamos primeiramente partir do pressuposto de que a história se passa em um universo a parte e sendo assim, apesar de existirem referências, não há compromisso com a continuidade e nem realidade do universo principal. A Piada Mortal é a visão intimista de Alan Moore não só sobre a origem do Coringa, mas sobre a psicologia que envolve dois inimigos mortais. Portanto, não é estranho encontrarmos características semelhantes à Watchmen, principalmente ao se referir a visão de mundo dos vilões e anti-heróis. Não à toa, a ideia de que o mundo é uma piada é partilhada pelo Coringa e pelo Comediante (até por que o autor estava escrevendo Watchmen simultaneamente. Perceba o tom saudosista na foto que o Batman guarda, frente à realidade pessimista).
É interessante notar como a obra não é mirabolante, no sentido de buscar ser maior do que deveria e para ser sincero, vindo de alguém como Alan Moore, responsável por atos como Monstro do Pântano, é uma trama bastante contida, mas de modo a dosar as emoções com cuidado. Essas emoções e momentos expostos acabam por se assemelharem mais à literatura do que aos gibis.
Você sabe o que é uma crônica? Geralmente é uma história curta sobre o cotidiano com um final irônico, muitas vezes engraçado. Esse conceito de crônica, principalmente se tratando de estrutura narrativa, pode ser aplicado fora da literatura, e é exatamente este o caso. “Mas estamos falando do Batman, o que há de cotidiano nessa história?”, eu respondo: tudo. O principal não é a ação, tanto que ela surge só nos momentos finais, mas as divagações do Coringa e do próprio Batman sobre a situação em que se encontram.
Logo, não é difícil destrinchar a história em dois temas básicos, que até certo ponto seguem opostos, mas no final se complementam: morte e loucura. Como exemplificado, no início o Batman tem essa preocupação sobre o que vai acontecer – ele é a figura do “bem” e pensa nas consequências de seus atos. O Coringa já surge no extremo oposto, preocupado em provar a sua teoria. A diferença dele para o Batman é que este não se questiona, já tem todas as ideias prontas e por isso basta aplicá-las. Se Bruce utiliza os meios para evitar os fins, o Coringa utiliza os fins para justificar os meios (não que ele tenha alguma posição altruísta, como Ozymandias, mas quer provar algum ponto). Toda essa conduta me faz pensar em algo que não está nas páginas, porém talvez seja certo: será que o palhaço do crime também se fez as mesmas perguntas que o Batman? Se sim, temos que nos atentar que para ele, a morte não tem nenhum valor. Para confirmarmos isso, basta olharmos a sua reação ao ser confrontado:
“Bem o que está esperando? Eu atirei numa garota indefesa... Aterrorizei um velho... Por que não me manda pro inferno de uma vez por todas e ganha uma ovação da galera?”
Se a morte não importa, o que tem valor para ele? Simples: a loucura. Ser louco, no sentido do Coringa, não é só ser bizarro, mas ter uma visão de mundo diferente; se desprender das amarras sociais e morais, e basicamente ocasionar em si um anarquismo psicológico. Até que ponto alguém realmente é louco ou apenas tem uma visão diferente?
Neste cenário, fica obvio a figura simbólica do comissário Gordon. Ele é a personificação da bondade e da justiça; o lado sem máscaras e fantasias, buscando tornar o mundo um lugar melhor. Bárbara é um mero objeto de impacto, muito bem utilizado, para surpreender em termos de crueldade. Os problematizadores devem ficar malucos ao terem essa percepção, entretanto, a meu ver, não há problema nenhum nisso. Como percebemos mais a frente, nem só Bárbara, mas como o seu pai, são objetos de impacto para desenvolver o próprio Batman. Lembre-se, a história ainda é dele (pós-modernistas já devem arrancar os cabelos: “como assim o autor usou uma mulher e um velho para desenvolver um playboy?”).
A ironia destoante percorre também cada fala e ação. O Coringa seria o mal, mas ele é todo colorido e seu modo de ser é alegre e extrovertido. O Batman seria o bem, mas ele é todo obscuro e seu modo de ser é soturno e rabugento. É legal essa montanha-russa de dicotomias, pois por mais que seja macabro ver o comissário Gordon nu forçadamente vislumbrando fotos de sua filha também nua e machucada, fica um tom à la Laranja Mecânica, com uma certa glamourização da violência. A tal glamourização da violência, tema de debate em rodas de justiceiros sociais, não é inerentemente ruim – tudo depende de como e por que ela é usada. E aqui há sim um propósito, existindo para subverter nossas expectativas, adentrarmos a loucura do vilão e até simpatizarmos com a sua conduta. Se fica estabelecido o cenário preto e branco que coloca Batman e Coringa cada qual de um lado, A Piada Mortal é o ensaio para tornar tudo cinza e misturar os dois.
O Parque de Diversões acaba servindo tanto como uma amostra da mente do palhaço, como um olhar artístico do que seria a forma primitiva da mente humana. Ali existe uma certa sexualização em demasia, que parece estar demonstrando os estímulos mais básicos. Sendo assim, vemos também outro trunfo do roteiro, pois Alan Moore não é específico em nada. Sabemos que o comissário está sofrendo, mas não vemos exatamente as fotos e nem a totalidade de seus sofrimentos – apenas nos é informado que ele passa por portas e mais portas, talvez representando os estados da loucura.
Muito mais do que um debate sobre loucura e morte, a hq é ainda um estudo de psicologia. Eu não diria que é a construção perfeita, já que existe pouco tempo para conhecermos profundamente o Coringa antes de ser Coringa, mas é uma ótima brincadeira com os conceitos que formam a figura do palhaço. Um tanto quanto irônico um comediante que não faz ninguém rir se tornar um palhaço que leva dor. Calcado nessa figura, temos então a representação perfeita, ainda que rápida, sobre o tal dia ruim. Os flashbacks complementam bem todo o discurso anunciado – o dia ruim do Batman já sabemos, resta entender como o Coringa chegou ali. Entretanto, contrapondo a maior parte das expectativas, não existem muitas respostas sobre quem é o palhaço. Algumas pessoas arriscam a colocar isso como defeito, eu qualifico como qualidade, pois fica a cargo do leitor definir o grau de intensidade da loucura.
Até certo ponto, os flashbacks do Coringa são uma história a parte que parecem não se ligar direito àquela comum trama de perseguição. O seu ponto de encontro não está necessariamente na figura do palhaço, pois até ali é apenas uma brincadeira de conceitos, mas no fato de ser uma memória. Esse aspecto pode passar batido, mas é de extrema importância para o conteúdo da história e visão do vilão. Aqui, memórias não são meros fatos que aconteceram, mas construções que formam o psicológico do ser, influenciando a conduta da pessoa. O próprio Coringa deixa explícita essa importância:
“Lembrar? Oh, eu não faria isso! Lembrar é perigoso... Eu vejo o passado como um lugar cheio de ansiedade. O ‘pretérito perfeito’, como você chamaria. (...) As memórias são traiçoeiras! Num momento você está perdido num carnaval de prazeres com o aroma da infância, os neons da puberdade... No outro elas te levam a lugares onde a escuridão e o frio trazem à tona coisas que você gostaria de esquecer! Mas podemos viver sem elas? A razão se sustenta nelas. Não encarar as memórias é o mesmo que negar a razão. Mas e daí? Quem nos obriga a ser racionais? Não há cláusula de sanidade.”
Se as memórias são o que fazem a razão, a intenção do Coringa não é só causar dor no comissário, mas marcar nele memórias para a vida toda. Ele busca repetir o que lhe foi feito, para provar o tal ponto de que, “basta um dia ruim para tornar o mais são dos homens em um lunático”. Veja bem, durante toda a sua vida, Gordon terá duas alternativas: encarar o que sofreu de frente, provavelmente procurando ajuda médica; ou ignorar tudo o que passou, abrindo alas para a loucura. Daí a importância dos flashbacks, talvez reais talvez fictícios. Se levarmos em conta que a existência humana por natureza é um caos, ignorar esse passado, ou escolher o que preferir, parece mais coerente ainda. O Coringa pode ser um psicopata, mas ele não fala coisas sem sentido. Existe aqui uma interessante noção de realidade Nietzchiana, que nega a importância dos valores morais.
“Frente ao inegável fato de que a existência humana é louca, casual e sem finalidade, um em cada oito deles fica piradinho!”
O embate com o Batman, a única parte de ação do quadrinho (pelo menos no presente), não vem para distanciar os dois, mas aproximá-los. Bruce passou pelo mesmo processo de reflexão, negando certos valores morais, entretanto, conserva ainda algum grau de “sanidade” ou cinismo. Se você não vê Wayne como um louco, tente analisar sob esta perspectiva: ele é um milionário que após perder os pais passa a se vestir como um rato voador para bater em bandidos. Bruce não tem nenhum poder ou foi agraciado com ferramentas e profecias. Ele apenas teve um dia ruim. Se não fosse aquele dia, Bruce seria um cara normal, que talvez no máximo fizesse algumas ações sociais.
Perto do final, é uma grande surpresa percebermos que Gordon está... Bem. Sim, apesar dos pesares, o comissário está psicologicamente saudável. Se o passado flexionou o Coringa para um lado, provavelmente esse trauma flexionou Gordon para o outro. Em análise, talvez ele esteja melhor que o próprio Batman, visto o conselho dado: “Quero que você o prenda pela lei! Temos que mostrar que o nosso jeito funciona!”.
Segue a reflexão inicial sobre a moral: até que ponto o Batman está certo? A Piada Mortal testa essa concepção, colocando a sanidade do herói nos limites (ou melhor, a ideia de que ele é são). É aí que eu arrisco a dizer: o foco do Coringa nunca foi Gordon, mas apenas o próprio Batman. Analisemos com cuidado: será que ele não deduziu que Gordon ficaria bem? Sabemos o que aconteceu com Harvey Dent, mas uma ação dessas demanda tempo de reflexão. Não teria como ele provar o próprio ponto de vista imediatamente. Consequentemente, ele sabia que o Batman iria invadir o local para capturá-lo. Quando chega esse momento, o Coringa parece estar preparado para morrer. Pense como o palhaço do crime: se você chegasse à conclusão que você ou seu inimigo inevitavelmente irão morrer, o que faria? Tentaria mostrar que você não é especial e o outro, aquele que lhe persegue, não é diferente. Em Batman, O Cavaleiro das Trevas, o Coringa tenta, com sucesso, levar Dent para o seu lado. É exatamente isso o que ele está fazendo com o Batman. Não só Bárbara era uma ferramenta de impacto, mas Gordon também. Os dois são usados pelo vilão para atingir o mocinho.
Para falarmos sobre arte, temos primeiro que delimitar as diferenças. Há três tipos principais de estilos estéticos: realista, plano das figuras ou da abstração e icônico. Realista se trata, como diz o nome, de uma arte mais real, tendo como principal função ser crível. O plano das figuras ou abstração é mais caricato e o objetivo não é reproduzir o mundo real, apenas contar a história de uma forma própria (por exemplo: Turma da Mônica está nesse tipo. Obviamente nenhuma criança tem aquelas orelhas e pés redondos, é apenas uma representação caricata do real). Por fim, temos o tipo icônico, que se trata da representação simbólica, calcada muitas vezes nos sentimentos. O Monstro do Pântano, por exemplo, é um prato cheio para esse tipo de representação.
Tendo isso em mente, podemos identificar A Piada Mortal entre o tipo realista e o plano das figuras. Por que não icônico? Pois não há exatamente o eu colocado como principal e nem sentimentos personificados. Ainda é uma história do Batman e, portanto, há uma tendência em ser realista. O que o leitor quer é visualizar como seria o seu herói preferido no mundo real. Entretanto, visto que Alan Moore não pode soltar as asas da imaginação e deve se ater a realidade, a importância dos sentimentos acaba recaindo aos objetos de forma simbólica. E é aí que entra a genialidade de Brian Bolland, pois além do ilustrador ter um traço lindíssimo (ele sempre foi conhecido por estourar prazos. Só A Piada Mortal demorou dois anos para ser concluída), ele coloca certo exagero nas personagens, mesclando com enquadramentos cinematográficos. Ou seja, a hq é o que é não só pelo roteiro, mas pela execução. Os discursos do Coringa ganhavam uma vida nova por todos os gestos e ações que este expressa. Como se não bastasse, já que a dupla de artistas está presa no plano realista da DC, optam por dar atenção aos objetos. Assim, não é difícil ver como uma simples carta de baralho, uma lagosta ou o próprio cenário, ganham proporções reflexivas. A cena do palhaço em uma poltrona cercado por bonecas faz parte de um quadro mediano da página 27, mas certamente é uma das mais icônicas de todos os tempos.
No meu pouco conhecimento de quadrinhos, logo pude perceber também uma importância muitas vezes negligenciada: a do colorista. Um colorista tanto pode melhorar uma história quanto piorá-la. John Higgins coloriu a edição original e fez um ótimo trabalho. Existe ali a sua visão daquela história, de acordo com a necessidade da época. Há até certas cenas que acho mais bonitas no original. Porém, a versão de Brian Bolland, contida na edição especial de luxo, dá um show a parte. Brian não pôde colorir a própria hq por, como já dito, sempre estourar prazos, mas, com essa oportunidade, ele dá uma nova visão a tudo que já fora concebido. Sim, ainda é a mesma história, porém o impacto é outro.
Se com Higgins as cores eram fortes, como ditava a moda da época, com Bolland elas ganham um aspecto mais diáfano; bastante claras e contidas. Só que, combinando com a trama, há uma dosagem de exagero, importante para sentirmos de perto o que as personagens estão passando. Seria como um diretor preferir usar determinado plano para causar certa reação. Deste modo, por exemplo, o vermelho nas lembranças ganha atenção especial, perseguindo o jovem Coringa até o derradeiro final que lhe torna totalmente colorido. O Batman é muito mais cinza e sombrio, constratando com o seu arqui-inimigo. Ironicamente, eu diria que essa coloração é muito mais lúcida. Até os cenários dão um tom diferente a cada fala e discurso.
A edição especial de luxo capa dura da Panini faz jus ao que promete. São 82 páginas, com duas histórias curtas (além da principal) e mais dois prefácios: o primeiro de Tim Sale, ilustrador americano conhecido por trabalhar em Heroes, e o segundo do próprio Brian Bolland. Gostei muito por terem escolhido Tim Sale e não um figurão da indústria para escrever, pois ele é um desenhista mediano (em termos de obras importantes) que soa exatamente como um fã acalorado. É uma visão externa do que estamos prestes a ver. Depois de ler a hq, aí sim vem a visão interna de Bolland, respondendo algumas dúvidas e deixando outras tantas no ar.
Acho ótima esta edição, pois além de ser compacta em seu tamanho 17 x 24, não é exagerada no número de páginas (por isso faz jus ao que promete). Querendo ou não, A Piada Mortal é uma história curtíssima e por isso, não dá para fazer uma edição especial só disso, ainda mais em capa dura. Então, dentro do possível, me soa convincente incluir uma história do ilustrador, ainda sobre o mesmo tema, e uma edição antiga de Batman & Robin combatendo o tal vilão palhaço. Sem contar nos pequenos detalhes, como a silhueta do Coringa e do Batman rindo juntos e a chuva caindo na contracapa. Isso realmente torna a edição especial, construindo um vínculo emotivo com o fã.
Separei este conteúdo em um tópico, pois há bastante a ser comentado. Vamos lá:
Se você chegou até aqui, deve ter em mente alguns conceitos repetidos ao longo da análise: moral, loucura e morte (não exatamente nessa ordem). Durante a trama, esses conceitos parecem jogados em cantos diferentes: primeiro temos a reflexão do Batman, depois a ideia e flashbacks do Coringa, o embate dos dois e enfim, encontro. É aqui que tudo se une: a figura do comediante fracassado, da loucura que arrebatou os dois sujeitos de formas diferentes e do inevitável destino deles. Durante toda a história há muitos discursos e conteúdos para serem espremidos (resultando em novos conteúdos) e visto isso, Alan Moore poderia colocar mais texto; porém, ele decide outra coisa. Vemos um Batman um tanto quanto ingênuo, desesperado por ajudar não seu arqui-inimigo, mas um igual. Até que... O Coringa surge com uma piada.
A piada obviamente faz alusão aos dois e aquele momento em que se encontram. É uma sacada genial que complementa o início (perceba como a história começa em chuva e termina em chuva) e até mesmo o título. No título original, The Killing Joke, há outro significado. Em português há uma alusão direta ao sentido macabro, mas em inglês existe uma dualidade. The Killing Joke, principalmente no stand-up, é como é chamada aquela piada matadora; aquela que o comediante tem certeza que o público vai se acabar de rir. Então há esse sentido próprio da comédia e o sentido, obviamente, de fatalidade, que se complementam. Adicionando a esse tempero, temos, também, a narrativa de dois loucos que querem fugir do hospício. Não é preciso repetir: o Batman também é um louco, e a prisão pode significar muitas coisas, desde a sociedade ao modo como eles lidam com a justiça. Os dois, do próprio jeito, vislumbram sempre a inalcançável liberdade. No final, ou eles serão pegos ou morrerão. O problema é que a morte não percorre os dois juntos, mas só aquele que se propõe a atravessar sob a luz enquanto o outro segura a lanterna.
Basicamente temos aqui uma ideia ambígua, que responde todas as questões propostas e no final decide trazer mais questões. Para completar, a representação simbólica, que deixa a cargo do leitor o final, confunde de forma genial. Se o Batman matar o Coringa, o vilão ganhou (e a justiça perdeu). Se o Batman o prender, certamente o modo convencional se sobressai (ou talvez ele apenas alongue o inevitável). A resposta sobre quem está certo depende somente de você. Podemos interpretar como o derradeiro final do palhaço do crime, quando o grande morcego se cansa disso tudo e decide aderir a outros métodos (a tal Piada Mortal). Ou podemos interpretar como apenas dois malucos, que em um vislumbre de sanidade a respeito da situação em que se encontram, se identificam nas risadas intimamente desesperadas. Não sei qual exatamente é a resposta, apenas sei que frente a tudo isso, a única conclusão concreta é: a lanterna já está apagada.
El Psy Congroo.
Dados técnicos
Nome: A Piada Mortal (The Killing Joke)
Autor: Alan Moore e Brian Bolland
Editora: DC Comics/ Panini
Ano: 1988; edição analisada: 2015
N° de páginas: 82
Tamanho: 24 x 17 x 1,0 cm
Edição: especial de luxo (capa dura)