sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

O genial Slam Dunk

Saudações do Crítico Nippon!

Já comentei diversos mangás longos demais com textos longos demais. Vide Shaman King, Blade of the Immortal, Éden, Gantz. Não tinha a menor intenção de repetir a dose com Slam Dunk, por mais que eu estivesse me divertindo pra caramba no início. O que aconteceu? Bem, é muito simples, a história chegou ao nível de todas as citadas anteriormente, e aí eu percebi que não se trata de uma escolha consciente. É necessário passar para o “papel” e tentar convencer ao menos uma pessoa a embarcar neste clássico. Não posso dizer que me arrependo de não ter lido antes, porque vibrar com todas as forças e chorar nessa idade lendo um mangá shounen, olha, é um verdadeiro privilégio constar que ainda pode acontecer.


(não haverá spoilers, afinal, é pra incentivar os leigos)



















Escrito e desenhado por Takehiko Inoue (Vagabond), a trama acompanha o colegial Sakuragi, a representação máxima do shounen. A insistência do Naruto não chega aos pés do autoproclamado “gênio”. É um herói tão impossivelmente carismático que eu devo ter passado metade do mangá inteiro esperando ele baixar um pouco a bola (com o perdão do trocadilho) e perceber que talvez ele não seja tão bom assim. Que nada. Ele é o “gênio Sakuragi” e pronto, não importa a quantidade de derrotas e humilhações. Ele é uma mistura da alegria do Naruto com o esforço e determinação do Rock Lee.

Aliás, ter lido essa obra nos dias de hoje, após tantas obras modernas, acabou contribuindo para a experiência. Os heróis (sejam de luta ou de patinação) acabam sendo surpreendentemente habilidosos. Os autores não conseguem segurar as rédeas e fazê-los falhar. Com tanta frequência. Como é o caso de Sakuragi, cuja única qualidade ele já nasceu com ela: o porte físico grande (e o poço de otimismo, claro). Tirando isso, o herói comete erros gravíssimos em partidas importantíssimas. É absurdamente raro ele acertar uma cesta. Não é “de vez em quando”, não. É raro mesmo a palavra!


O que eu só posso assumir como insegurança dos autores atuais, afinal, precisam fazer sucesso logo. O que Takehiko compreendeu é que pode segurar as rédeas ao nos apresentar o restante do time igualmente carismático (percebam como o recente Boku no Hero Academia não tem um coadjuvante que presta, obrigando o protagonista a ser o mais forte e chamar atenção só por ele). E que companheiros fabulosos conta o time Shohoku. Aliás, a gravidade das partidas e urgência delas ocorre justamente por nos envolvermos com o capitão do time Akagi e seu amigo Kogure, que estão no último ano do colégio, ou seja, é a última chance deles realizarem seus sonhos competindo com todos os times colegiais nacionais. Os times são formados por jogadores do 1º ao 3º ano do ensino médio, e o protagonista se encontra no 1º, então mesmo que ele não realize suas aspirações agora, ainda há dois anos pela frente. Assim, sequer percebemos que é por personagens secundários, e não pelo protagonista, que ecoa em nossas cabeças “última chance... última chance...”. 


Retratando o esporte da forma mais realista possível, eu que não sabia quase nada sobre basquete, aprendi uma imensidão de regras sem esforço nenhum. Desde como funcionam os corta luz, as ponte aéreas, os rebotes, o próprio slam dunk título, o tempo que se pode segurar a bola, o tempo em que é preciso obrigatoriamente fazer um arremesso (já pensou no futebol os caras serem obrigados a chutar para o gol, sem poder ficar enrolando como ficam?). Reservando até mesmo um tempo para mostrar a insatisfação de jogadores dos anos anteriores que não aguentavam a rigidez do capitão Akagi e se sentiam abusados, abandonando o time. O que revela o esforço constante que todos os membros atuais do time Shohoku precisam aguentar diariamente.

Com adições valiosas e rápidas suficientes para não atrapalhar o que interessa (o esporte!), temos o capitão do time de judô sempre tentando recrutar o Sakuragi devido ao seu porte físico; os personagens ficam todos em recuperação no colégio, por passarem tempo demais jogando; o “romance” com a mocinha Haruko nada mais é que um gerador de reações ao Sakuragi nas partidas e treinos. E assim por diante. A comédia em Slam Dunk é incrivelmente afiada e constante, sendo regra ter que parar a leitura para rir com todas as forças. Acho que é seguro dizer que eu nunca ri tanto com um mangá. O que não diminui em nada a seriedade de todo o restante da narrativa.



















Creio que eu deva falar um pouco do Rukawa, o rival do herói, óbvio. Novamente, o autor segue caminhos inteligentes ao desenvolvê-lo. Primeiro que ele e o protagonista brigam com socos logo no primeiro encontro. A partir daí, a rivalidade é na quadra e no esporte. E é um verdadeiro prazer ver os personagens agindo, bem, como meninos e realmente implicando um com o outro. Eles vivem largando indiretas, se empurrando e chutando, tudo reciprocamente. E sempre de maneira que nos fazem gargalhar alto. Se nos torcíamos na cadeira com Naruto e Goku não mandando os rivais pra puta que o pariu, Sakuragi faz isso o tempo inteiro, sendo uma válvula de escape valiosa para não ficarmos com aquele rancor do rival entalado na garganta.

Aliás, há um equilíbrio delicado no personagem de Rukawa que o torna fundamentalmente diferente de Sasuke ou mesmo Vegeta. Ele está jogando no time que queremos que vença, o Shohoku. E ele é o melhor atacante. Como não vibrarmos com ele? Admirado pelo nobre capitão e pelos demais companheiros, é simplesmente hilário Sakuragi vibrando cada vez que o companheiro erra uma jogada. Por mais desesperador que esteja a partida. Rukawa comemora boas jogadas com os companheiros, tem sonhos de ir para os Estados Unidos (que são atrasados, vejam só, pelo time que ele escolheu continuar jogando). Ele pode não ser flor que se cheire, mas é inquestionável o quanto torcemos pelo seu sucesso. 


Fazendo rimas visuais inteligentes com uma diferença de inúmeros volumes entre elas, temos o quadro de Akagi consolando Sakuragi e vice versa. E se o autor havia feito Sasaki Kojiro, em Vagabond, praticamente nascer com uma espada na mão, aqui o autor revela que o vício já havia começado cedo. Colocando um atacante importante da última partida, praticamente nascendo com uma bola de basquete. Um paralelo interessante. Isso tudo embalado pela fabulosa arte do autor de, porra, Vagabond! Repleta de energia, de dimensão espacial perfeita, enquadramentos sempre novos e de tirar o fôlego. É uma obra que se mantém moderna e arrepiante até hoje.





A força de Slam Dunk reside mesmo em suas partidas que são verdadeiras batalhas espetaculares. Pouquíssimas lutas com poderes e espadas chegam próximas das partidas de basquete desta obra. Embora a força delas, especialmente da última que dura 8 volumes da edição da Conrad (média de 1.600 páginas uma única partida!), reside na interação do time em si, não na relação com o adversário (bem contra o mal). Os personagens cada vez mais trabalham em equipe, mesclando as habilidades que se destacaram ao longo da série, umas com as outras. Uma alavancando e melhorando a habilidade do outro. Os personagens crescem em quadra, aprendem, ganham reconhecimento de poderosos adversários, reconhecimento do próprio time. Enfim, cada um ganha o seu momento (várias vezes), como pequenas sagas que se passam na mesma quadra. Quando um obstáculo é contornado e superado, vibramos mais pelo crescimento interno do personagem do que pelo jogo ter melhorado um pouquinho. Para o personagem alavancar e superar barreiras, ele obrigatoriamente precisa evoluir psicologicamente. E é aí que reside a beleza de Slam Dunk. O desespero e as lágrimas vêm por conhecermos e amarmos cada um deles, o que os torna inquestionavelmente os vencedores.


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