Saudações
do Crítico Nippon!
Baseado
no mangá da década de 70 – e reconhecendo sua existência no próprio universo,
como forma de metalinguagem – Devilman Crybaby é de tirar o fôlego do início ao
fim. É um desenho adulto, repleto de sexo e mutilações, com um desenvolvimento
que cresce exponencialmente e com uma coragem admirável na escala em que
alcança.
O
anime começa com o protagonista Akira, e seu amigo de infância Ryo, enquanto o
primeiro tenta cuidar de um gatinho ferido à beira da morte. Em contrapartida,
Ryo julga que é perda de tempo e só estão adiando o inevitável. E essa dinâmica
irá ecoar por todo o restante da série. Por exemplo, quando Akira está com uma
amiga no colo impedindo Ryo de executá-la; ou quando Akira está olhando certos
massacres na televisão e Ryo diz que não há nada a se fazer, e ouve como
resposta “Eu devo só ficar olhando?!”.
A
trama inicial é relativamente simples, com Akira e Ryo tentando provar a
existência de demônios que começam a surgir em uma festa local. Ao entrarem lá,
Akira é possuído por Amon, mas mantém sua consciência humana. Ele agora se torna
uma espécie de Salvador em corpo de demônio.
É
impossível falar de Devilman Crybaby sem falar dos seus simbolismos católicos.
Em quase todos os episódios são vistas imagens de cruzes. O famoso quadro da
Santa Ceia se encontra na sala de jantar da casa em que o protagonista vive (e
onde eles passam mais tempo confraternizando). O número do apartamento de Ryo é
666. E, claro, os demônios surgem em festas regadas a drogas e sexo (viu, sua
avó tinha razão).
Os
personagens que viram demônios ao longo da série, todos tinham um “histórico
sexual”, pois nessa religião é algo pecaminoso, liberado apenas para reprodução.
Akira assistia vídeos pornô na aula; o garotinho que mora com ele também via os
mesmos vídeos logando com sua senha; Miko se masturbava, e notem o formato de
seios da cabeceira dela (radicalmente diferente de sua amiga com cabeceira em
forma de gatinhos e que, exatamente, não vira demônio).
Quando
transformado no homem demônio título, Akira mantém os impulsos animalescos mais
básicos. Comer bastante e foder bastante. Constantemente tendo o hábito
de cheirar as pessoas como um selvagem, e acordar com ereções bem maiores do que
o normal.
Essa
relação entre sexo/demônio/pecado irá perdurar até o fim. Miko, por exemplo,
mata um estuprador na hora em que ele irá gozar. Não à toa, sua forma demônio é
uma viúva negra. Já a personagem Silene, sedenta por sexo tanto ou mais que os
machos, encontra seu fim com seu chifre na cintura ereto de forma fálica e com
sangue amarelo na ponta representando o óbvio (além de sua expressão congelada
em satisfação e regozijo).
Com
imagens cada vez mais fortes no decorrer da série, desde pessoas se atirando de
prédios, o sofrimento de um pai decidindo matar a própria família, e todos os
massacres em boates, ônibus e estádios, deixariam Hiroaki Samura orgulhoso.
Isso tudo pela animação excepcional de Masaaki Yuasa (Ping Pong the animation),
e com uma trilha sonora eletrônica absolutamente espetacular, dando o ritmo
perfeito à narrativa repleta de cores e desejos.
O
anime encontra eco na religião inclusive nas montagens mais sutis, como um
bando de humanos empalando outros humanos e um fogo infernal atrás; ou Ryo, na
televisão, com suas vestes brancas sacerdotais, incitando o ódio através de um
discurso radical; e na cena em que ele e Akira estão conversando em seu
apartamento, com cores opostas nas vestimentas e no fundo (Ryo vestindo branco,
com o fundo preto; Akira vestindo preto com o fundo branco; o Bem e o Mau). E,
claro, toda narração de Gomorra e Sodoma que encontra reflexo na história com a
intervenção literal de deus.
Construído
com cuidado até culminar na forma mais grandiosa possível, Devilman Crybaby
pode ter seu título explicado de duas formas: em Akira, que surpreendentemente
é o que mais chora de todo o anime. Ou pode fazer referência ao outro
personagem revelado ao final, cuja última ação é chorar (e é sintomático que um
personagem tenha morrido perdendo justamente a parte de baixo, com a
castração do falo). Fazendo jus ao Antigo Testamento, seja nas ações dos
humanos e do deus, Devilman Crybaby é desde já um dos melhores e mais
ambiciosos animes do ano.
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