quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Houseki no Kuni (2017)


Saudações do Crítico Nippon!

É impressionante como é difícil assistir um anime aparentemente tão simples como este. A carga mental necessária para seguir adiante é devastadora. Sem grandes batalhas, grandes expectativas, nem grandes reviravoltas. E assim mesmo, é difícil respirar ao terminar vários dos episódios de Houseki no Kuni. É uma experiência universal de auto conhecimento que encontra eco em todos nós.

(mais um texto que só existe graças a votação dos nossos Padrim’s. MESMO.)





Sem qualquer trama especifica, a história acompanha uma série de joias/pedras/cristais (obviamente representadas em formas humanoides) que vivem em uma ilha. Cada uma possui um nível de dureza diferente (por exemplo, a diamante é a mais resistente, o ouro é o mais maleável, e assim por diante) e elas precisam se proteger dos Tsukijins, criaturas que vem da lua para capturá-las. Tirando esses breves confrontos ocasionais, elas são imortais e não há mais nada a se fazer. Não precisam procurar comida, são assexuadas e vivem num espaço limitado pela ilha.


É neste contexto que acompanhamos a protagonista Phos, a pedra mais frágil de todas. Qualquer vibração é capaz de rachá-la e qualquer queda certamente irá quebrá-la (o que acontece com frequência, precisando ser concertada pela médica (ourives?) da ilha). O que a obriga a buscar tarefas que não envolvam, bem, a única tarefa existente (lutar com os Tsukijins). E é essa busca e ânsia em encontrar o seu propósito que nos conduz por Houseki no Kuni. 


Com uma animação em CG completamente diferente daquelas vistas em Knights of Sidonia, Ajin e Blame!, as imagens são de tirar o fôlego. Fotografando a ilha sempre de maneira inspiradora, quase como um Paraíso, as paisagens se tornam verdadeiras pinturas. Note, por exemplo, a fumaça aquarela que fica no céu ao explodirem um Tsukijin; ou um dos seres orgânicos da água flutuando na frente da Phos; a beleza do gelo derretendo ao final do inverno; entre muitas outras.


Com sequências de ação absolutamente espetaculares, a câmera se movimenta com fluidez seguindo o movimento leve e gracioso de suas personagens. Há momentos belíssimos da Dia correndo sob a luz do luar; ou Bort e Phos fugindo de um Tsukijin dentro da base delas; a destreza de Antarcticite surfando na neve.  Extraindo uma carga dramática surpreendentemente avassaladora de combates que envolvem seres imortais. As pedras nunca desistem, seguindo na luta enquanto perdem pedaços do rosto, braços, pernas. E é palpável a agonia que sentimos em cada fragmento e estilhaço saindo delas. O que comprova a afeição que investimos em praticamente todas elas. Um feito digno de todos os aplausos do mundo.


Contudo, é mesmo a busca de um propósito que faz o anime tão forte, e ecoa em diversas personagens. Por mais rasas e duvidosas que sejam a necessidade destas atividades. Antarcticite, por exemplo, cuida das demais que hibernam no inverno (afinal, elas se alimentam da luz solar). Porém, os Tsukijins raramente aparecem no inverno, o que a faz cortar blocos de gelo que ela diz que atrapalham o sono das outras. Shinsha possui uma substância venenosa aos seres orgânicos, o que a faz evitar andar de dia, ou seja, ela é a única que patrulha à noite (embora Tsukijins não ataquem à noite). Outra personagem passa a eternidade sem ver os inimigos, se limitando a estudá-los à distância. E Phos começou a fazer uma enciclopédia sobre a ilha.


Essa desculpa que todas se contam para seguir existindo, sejam com atividades aparentemente vazias, reflete em nós mesmos. Nas atividades que arrumamos para viver a vida e passar nosso tempo aqui na Terra. Cada cicatriz e perda que Phos sofre em sua jornada, a modifica aos poucos, até que ela seja completamente diferente do que conhecíamos no início. Somos exatamente assim através das experiências que vivemos. Perdemos nossa ingenuidade e inocência. Nossas ideias e convicções mudam completamente com o passar dos anos. Nossos propósitos soam grandiosos e super importantes... para nós mesmos. Pessoas de outros países e culturas tem obrigações completamente diferentes, que fariam as nossas parecerem triviais. E vice versa. Todos corremos atrás de algo a mais na vida para não simplesmente existir. Pode-se dizer que as sociedades foram construídas em torno disso. 


Apesar de, teoricamente, imutáveis por serem pedras, elas são cientes de si e possuem personalidades próprias. São inúmeros os momentos em que é possível notar a carência afetiva em várias delas, especialmente em relação ao Sensei. Há um momento em que a mais velha de todas, com milhares de anos de existência, está contando sua história enquanto conserta uma amiga. Podemos imaginar quantas vezes ela já passou por aquele procedimento. Quantas amigas ela já não perdeu para os inimigos. Bem como a solidão de Shinsha e o afeto que cresce em Phos para ajudá-la são legítimos e profundos. E é por conhecermos tão bem todas e suas vidas tão simples, que cada luta ganha uma dimensão gigantesca em nosso emocional.


Por que Phos continua buscando um objetivo? Quando será o suficiente? A resposta pode ser a mesma para as nossas perguntas. Por que continuamos querendo conhecer pessoas novas? Por que ficamos mudando de curso na faculdade? Ou de empregos? Por que queremos viajar e conhecer lugares novos, ao invés de ficar onde estamos e é seguro e fácil? Esse impulso é universal e é o que nos move, e move a protagonista. 


Fazendo uma belíssima rima interna ao iniciar o primeiro episódio e encerrar o último com os mesmos planos da solitária Shinsha, às vezes o que buscamos está mais próximo do que pensamos. Para uma delas, se revela que é ser convidada a fazer parte de um grupo que estava ao seu lado o tempo todo; para outra, passa a ser descobrir mais sobre aquele que esteve ao lado delas desde sempre. Seja como for, esta é só a minha interpretação de Houseki no Kuni, que desperta inúmeras emoções com uma narrativa simples e uma arte de tirar o fôlego. 


(Para mais dos meus textos, só ir no menu "Crítico Nippon" lá em cima)

Twitter: @PedroSEkman
 


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