quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Junji Ito: O Melhor e o Pior de HellStar Remina


Eu nunca imaginei que fosse chegar este dia.

Sinopse: Um cientista descobre uma nova estrela e a batiza com o nome de sua filha, Remina. Ela se torna famosa por carregar o nome da nova estrela, mas a euforia da população logo dá lugar ao terror generalizado quando eles descobrem que a nova estrela está vindo em direção a terra. O problema é que Remina não é uma estrela comum, ela é uma estrela que se alimenta de tudo que está a sua volta. Enquanto isso, a filha e o cientista, são alvos de fanáticos ensandecidos que querem sacrifica-los em nome da paz.  


Comentários: Quando comecei a conhecer Junji Ito, tudo era fascinante e belo, era fantástico e aterrador, mas depois de colecionar diversas histórias fantásticas de um dos meus autores preferidos, inevitavelmente cheguei aos mais questionáveis. Hellstar Remina (originalmente “Jigokusei Remina” e em tradução livre para o português “Remina, a Estrela do Inferno”) está entre os que são inquestionavelmente fracos, mas apesar de fraaaaaco, fraaaaaco, fraaaaaaquíssimo, não é tão ruim que faça querer parar a leitura antes do fim, e nem tão flopado ao ponto de não podermos tirar algo de interessante dessa experiência desastrosa.

A despeito de Gyo!, o fedor putrefato da morte, e Uzumaki, a espiral do horror, Hellstar Remina era pra ter sido o autêntico representante do horror cósmico, um conceito que ganhou forma e força graças a um cara chamado Howard Phillips Lovecraft. Horror cósmico são contos onde os personagens são pessoas comuns que de repente se veem diante de algo que simplesmente não faz o menor sentido, não deveria existir. Por exemplo, em Madoka Magica, Sayaka simplesmente não consegue lidar com aquela situação ao qual é inserida, Madoka resiste à ideia de se tornar uma garota mágica, e se torna uma espectadora de todas as estranhezas que acontecem na série. Se formos fazer um paralelo com a Kirie de Uzumaki, veremos então as similaridades entre uma personagem e outra, que simplesmente se veem arrastadas pelas situações mais inusitadas.
Em cima, Remina, a esquerda, um fanart de Ghroth, à direita, Kyouko simbolicamente com Ghroth no peito e mostrando a linguinha. E eu não percebi isso na primeira vez que assisti.










A característica do horror cósmico que o distingue de outros gêneros, como aventura e ação, é o fato dos personagens não encararem isso com naturalidade, mas com medo e estranheza. E, gradativamente, ocorrendo todo um processo degenerativo antes da pessoa enlouquecer por completo. Sayaka de Madoka Magica e Kaori de Gyo!, são excelentes exemplos de estados degenerativos, que ao se defrontarem com algo que abala o seu psicológico, começam a ter paranoias constantes, isolamento, mania de perseguição – E quanto maior o contato, pior fica. Claro que essa é apenas a característica, há sempre personagem com uma maior resistência psicológica que têm no máximo, pequenos distúrbios [quase sempre o protagonista]. Horror cósmico é o ser humano se deparando com algo incompreensível, com o qual não pode lidar. Ou seja: Fudeu!

Isso é o que acontece em Hellstar Remina, quando o professor Oguro descobre uma estrela misteriosa que devora tudo à sua volta – É como se fosse um buraco negro, que de buraco não tem nada, engolindo o que há em volta. Obviamente, encaram isso com naturalidade, tanto que Oguro batiza a estrela com o nome de sua filha, Remina, que se torna uma celebridade instantaneamente. Mas a coitada nem pôde desfrutar por muito tempo da fama, pois logo a estrela muda seu percurso, indo em direção a terra numa velocidade assustadora, o que deixa toda a população em pânico, ao ponto de perseguirem e sacrificar Remina e seu pai, acreditando que isso aplacaria a fúria da estrela do inferno.

O antes...



E o depois....

Algo bem lúcido aqui é com relação ao culto, onde no meio de toda a histeria coletiva, surge um fanático religioso que começa os guiar, estes que por sua vez, já estão completamente alienados e se apegando a qualquer fresta de esperança que representasse a salvação. Guiados e manipulados por um mascarado com objetivos obscuros com relação à Remina, funciona como uma sátira de Junji Ito, ao representar o instinto mais primitivo do ser humano, e a forma como o ser humano pode ser facilmente manipulado em momentos de crise por gurus espirituais. Também é uma leitura repleta de cinismo. Até pouco tempo atrás, Remina era adorada pela população, agora é vaiada, perseguida, onde ironicamente, os seguidores/stalkers fieis que a salvam, não passam de doentes pervertidos. E claro, assim como seu pai que passou de mártir a sacrifico humano, se vê pendurada numa cruz, prestes a ser queimada viva.

Hellstar Remina, ao lado de Neko Nikki: Yon & Mu (2008 – gatos...comédia?), BLACK PARADOX (2009 – viagens entre o futuro e o passado?) e Yuukoku no Rasputin (2010 – mangá histórico?), é uma tentativa de Ito se reinventar e experimentar novas abordagens. Essa é uma característica de suas obras recentes, e começou em 2005, justamente com este mangá aqui. Quer dizer, Hellstar Remina é ainda um mangá feitos com elementos típicos de seus trabalhos anteriores; há aquela pegada de terror (vocês sabem, não é preciso ser assustador pra ser considerado terror. O terror mesmo acontece é dentro da história), psicológico, drama e tragédia – mas desenvolvido de uma forma que se parece muito mais com um mangá de aventura e ficção cientifica. E eu não sei qual era a real intenção de Ito, mas seja qual for ele falhou.



A arte está incrível, e particularmente, eu considero a mais incrível desde Uzumaki (1997). A Remina está tão linda que daria inveja à Tomie (personagem homônima de Tomie – 1987), o seu look é todo delicado, e dentre todas as heroínas de Ito, é a mais feminina, no sentido mais clássico da palavra. O problema, é que Ito confunde feminilidade e delicadeza, com apatia e fraqueza. Ao longo da história, Remina se torna uma verdadeira idol, e logo ganha fã-clubes e diversos admiradores, quando toda a população se volta contra ela, são esses admiradores que a salvam e partem com ela em uma fuga alucinada. Mas ao contrário do passeio exótico de Kirie em Uzumaki, através do desconhecido, Remina é simplesmente arrastada como uma boneca inflável a torto e a direito. Um personagem morria, ou desistia dela, outro aparecia para puxá-la pela mão, sem que ela resistisse ou questionasse com muita propriedade. Apenas lamentava.

Remina se assemelha bastante às personagens clássicas de filmes de terror B, muito passivas e geralmente com a única função de gritar e correr. O, porém, é que Hellstar Remina é uma história teoricamente construída em cima do terror psicológico, não do terror barato onde o atrativo é o sangue e a nudez feminina. Então, sua incapacidade de tomar decisões e o fato de agir como uma ovelha, me faz suspeitar seriamente de sua inteligência. Com a história se focando nela, o drama e a pressão psicológica simplesmente não funciona. Em um dos capítulos, um dos homens que aparecem na história na parte final, sendo mais um com a função de puxá-la, simplesmente a coloca no ombro e sai saltando entre as ruinas da civilização, tal qual um novo Tarzan. Com a [sensacional] aleatoriedade típica, só que sem o choque característico, não tem aquela surpresa seguido do medo do desconhecido, o temor é tão artificial, quanto à loucura coletiva da população.


Embora há bastante tensão, principalmente nos primeiros capítulos, sua ânsia por saber o que virá na próxima página simplesmente some quando a Estrela do Inferno se aproxima e causa pânico na população. O cinismo e a sátira, dois elementos fantásticos na leitura, se perdem entre eventos tão repetitivos e cansativos, sem desenvolvimento no psicológico dos personagens. Já pela metade, se torna uma perseguição em massa, com personagens caindo de paraquedas na história, a torto e a direito. Faltou visão ao Ito, pois Hellstar Remina parece ter mais potencial como gag mangá. E falo sério, se ele alterasse o feeling da obra, teria sido um mangá hilário e divertidíssimo, no nível de Neko Nikki: Yon & Mu. Lendo Hellstar Remina, fica-se a impressão de estar assistindo a um filme de comédia, com uma trilha sonora pesada e orquestral ao fundo.

Por outro lado, graficamente o trabalho de Ito é fantástico aqui. A história se passa em algum futuro não especificado, com toda uma ambientação futurística. O cenário é cartunesco ao ponto de parecer ter saído do cenário dos “The Jetsons”, mas tem um charme e tanto. Os diálogos podem ser maçantes logo após as primeiras páginas, mas a cinética de sua arte está mais fantástica aqui, do que o costume, com uma cinemática de página para página, que tornam Hellstar Remina muito mais visual, do que algo repleto de sentidos.

Isso nos leva a outro ponto: A inspiração de Ito. Dessa vez é em Ghroth (the Harbinger), que se assemelha a um pequeno planeta ou estrela, cor de ferrugem e com um único olho da cor vermelha, que quase sempre está fechado para evitar que seja detectado. Trata-se de um dos deuses exteriores, ora chamado de O Devorador de Mundos, ora de Nemesis ou a Estrela da Morte, em homenagem a hipótese de Nemesis – na mitologia de Cthulhu, Ghroth é creditado como responsável pela extinção em massa de 90% da vida na terra, incluindo aí os dinossauros. Ele percorre cosmos, se alimentando de planetas inteligentes a cada 10 mil anos, totalmente indiferente ao lamento daqueles ao qual consome.

O grande barato é a forma como Ito desenha Ghroth – a forma onipotente em que ele se aproxima e estende sua língua, como se fosse um enorme tentáculo em direção a terra – e explora suas dimensões internas com tentáculos enormes e grossos (!!!) que surgem em sua superfície. O curioso, é que a qualquer toque aos tentáculos, o ser se deteriora, e isso (ao menos na mitologia), incluindo Ghroth. A Estrela da Morte girando o planeta com sua enorme língua, fazendo os personagens sobrevoarem os céus de um país a outro (seria ainda mais fantástico se eles tivessem passado pelo Brasil, com Ito desenhando o Cristo Redentor tombado). Mas não tão fantástico quanto à exploração dos seres humanos que fugiram assustados da terra, procurando abrigo na superfície de Ghroth, que claro, é completamente inóspito. A melhor parte fica para quando a Estrela da Morte devora o planeta terra e mata o seu apetite.


Algumas imagens bacanudas:























Hellstar Remina traz uma história bem obvia referente aos conceitos de uma mitologia Cthulhu , o deus exterior chamado Ghroth. Infelizmente, acaba pecando na tentativa de criar o caos absoluto, falta o horror e o drama típico do horror cósmico. Há ainda uma história extra chamada “Exercito de Um”, novamente um conceito interessante – Começam a aparecer casos bizarros de assassinados na cidade, pessoas aparecem mortas, costuradas uma às outras com fio de pesca, nos locais mais inusitados. O que há por traz disso tudo? – Mas apesar de promissor, e do suspense constante, o desfecho é meio anticlimático. Hellstar Remina, graficamente é mais clean que os outros trabalhos de Ito, o argumento é fantástico, e é interessante explorá-lo pelo viés da contradição humana. A trama é bem amarradinha e fica a impressão de que seria melhor como uma comédia satirizada, tal qual Gyo! assumiu com competência sua pegada trash, sem deixar de ser impressionante. Na verdade, parece intencional, toda a passividade de Remina, a insanidade satirizada da população, a forma como a Estrela Remina brinca girando e girando a terra e o traçado tem toda uma leveza cômica, mas, tanto falta timing, como também os diálogos são fracos. Ito parece apenas, perdido em suas próprias ideias. Se fosse pra dar uma interpretação, seria a de quão estúpida é a humanidade, e sua capacidade de fazer de tudo para sobreviver, ao ponto de comemorarem o fato de estarem vivos por mais um dia, mesmo com um futuro incerto. A última página de Hellstar Remina é emblemática. 


Nota: 05/10
Ano: 2005
Volumes: 01
Revista: Big Comic Spirits
Editora: Shogakukan
Demográfico: Seinen
Onde encontrar: Chrono