Sinopse:
Sakamichi no Apollon se passa já no final dos anos 60, com a história de
Nishimi Kaoru, um estudante que vive se mudando por causa do emprego do pai e
nunca cria laços por onde passa. Porém, isso muda quando ele vai para uma
pequena cidade no interior do Japão e acaba se envolvendo com Mukae Ritsuko,
com quem acaba se apaixonando, e Kawabuchi Sentaro, por causa de uma paixão em
comum, o jazz.
O que devo fazer?
Esqueci quem eu era antes de conhecer você.
O vento acaricia
nossas bochechas.
Lullaby of Birdland...
Enquanto descemos a
ladeira, nossas frágeis sombras se esticam.
Como férias de verão
que nunca terminam.
A sensação de entrar sorrateiramente
na piscina.
Ei, vamos nadar de
ropa. Pule!
É uma espiral de
intensas tentações.
Essas batidas que me
atravessam são estranhas.
Elas queimam depressa
e desaparecem.
Mesmo em dias ruins,
eu me visto bem e danço com algum
swing a música que rapidamente
me cerca.
Que dança é essa? Não
consigo mais parar.
Ela não vai embora,
continua tocando em meus ouvidos.
A melodia é...
Semelhante ao amor.
Comentários: Composta
por Yoko Kanno e cantada pela cantora YUKI, Sakamichi
no Melody consegue ser um resumo bem eficaz dos conflitos, sentimentos de
estranheza, a descoberta da amizade, a nostálgica melodia de um amor perdido e
de uma época de descobertas que marcou a vida do quadrado de personagens em
Sakamichi no Apollon (Kids on the Slope
em inglês e Crianças na Ladeira, em português. Título bem pertinente). As
subidas e decidas no tom da melodia também se encaixa satisfatoriamente com o
título e a relação entre aqueles personagens. Ao escutar os primeiros acordes
tocando na abertura pode ser difícil não se deixar levar pela letra e a
melodia, e se isso acontece com você, não se preocupe, pois não está sozinho.
Olhar para a sequência de imagens e a letra inspirada de Kanno nos faz ter a
sensação de que já vivemos algo parecido em um daqueles fragmentos. Uma subida
exaustiva em uma ladeira, um mergulho coletivo ao lado dos amigos que por algum
motivo ficou retido em sua memória, uma música que estava tocando e que acabou
se tornando a trilha sonora daqueles bons momentos.
A melodia composta pela Kanno foi fundamental nesse sentido.
Dos seus arranjos de guitarra ao envolvente solo de trompete que traz uma áurea
de pura nostalgia, se complementando na voz anasalada de YUKI que dá o tom
dramático e de excentricidade que a obra pede.
Sakamichi no Apollon foi produzido por figuras lendárias da
animação Japonesa. O recluso diretor Shinichiro Watanabe (Samurai Champloo/ Cowboy Bebop) que estava há anos sem dirigir
nenhum anime, a aclamada Yoko Kanno e a produção artística do lendário Masao
Maruyama, que juntou suas coisas e fundou o independente estúdio MAPPA, depois
da terceirização do Madhouse [do qual ele foi fundador]. E ele levou algumas
pessoas com ele da antiga casa, o que pode ser sentido na produção artística do
anime, que não possui uma animação fora de série, mas contém uma ótima direção
de arte – as cores sóbrias, o característico character designer oitentista que
é menos arredondado e mais firme, te darão a impressão que se trata de um genuíno
anime do Madhouse –, com momentos marcantes e sequências de imagens intraduzíveis
em diálogos (a sequência do Kaoru no
trem em movimento, comendo a marmita de comida preparada pela Ritsuko, sua
paixão platônica, é de uma cinética impressionante. Ele não disse uma palavra.
Não havia nenhuma trilha sonora marcante, apenas o personagem, o som ambiente, seus
sentimentos e um vazio dimensionado pela ausência de uma trilha sonora e suas
expressões faciais) que legitima a força da mídia visual de arrebatar o
espectador através da identificação gestual. Méritos para a sensibilidade de
Watanabe, que viria a repetir esses pequenos fragmentos diversas vezes durante
a série. E é desses fragmentos que vem toda a força e magia de Sakamichi.
Sakamichi no Apollon tem sequências musicais que são um
deleite, e por mais que possa parecer incrível, o desempenho daqueles
personagens ao utilizar aqueles instrumentos, é algo que você nunca viu antes
em nenhum outro anime. Ao menos, com a mesma técnica e desenvoltura. É disto
que o velho Maruyama fala quando diz “era possível ter sido feito antes com um orçamento
suficiente e esforço, mas fomos nós os primeiros”. Todo o esforço de
Watanabe pode ser sentido nas performances musicais dos personagens que fazem
uso daqueles instrumentos de forma tão natural – quando Sentarou começa a tocar
a bateria, você pode observar em como a câmera foca em seus dedos sempre ágeis
no manuseio das baquetas, sem nenhuma repetição dos movimentos. E são quadros
que exigem destreza da direção e que comem parte considerável do orçamento. –,
e ainda assim respeitando a característica de cada personagem na releitura de
grandes clássicos.
De um Kaoru com uma interpretação mais simplista e menos rítmica
da clássica My Favorite Things, à
suavidade gostosa de se ouvir do
timbre hesitante de Yuuka Nanri [dubladora da Ritsuko], sem técnica alguma, mas
imprimindo a naturalidade que a cena pedia. Vale salientar que Yuuka Nanri é
cantora profissional, mas conseguiu fazer uma atuação convincente aqui. Aliás, essa
sequência do episódio 11 do anime pode ser considerada uma das melhores já
produzidas (a cena foi muito bonita),
do melhor episódio da série. Kanno e Watanabe estavam impecáveis. É
impressionante na Kanno como ela consegue fazer releituras de melodias
instrumentais que se encaixam com perfeição ao estilo de outro artista. Essa
sequência, onde os três amigos se reúnem com suas coisas favoritas e tocam My Favorite Things, tem uma produção lindíssima,
com o filtro que fez toda a cena parecer um esboço a lápis e um enquadramento
inspirado. A direção de Watanabe conseguiu salvar esse episódio de um amontado de
clichês sem muita inspiração, apenas com o jogo de câmera.
Outra cena, do mesmo episódio, tem uma execução extremamente
envolvente, com Kaoro e Sentarou separados por lençóis, como uma bela metáfora
visual. Enquanto Sentarou era atormentado pela culpa, Kaoru sempre foi ajudado
por ele, dessa vez é quem vai ao auxilio do amigo de forma convicta. É uma cena
lindíssima.
Sakamichi no Apollon tem um roteiro muito fraco, agravado
pelo pouco número de episódios. O que é uma pena, pois um drama que pretendia
retratar o crescimento de seus personagens através de eventos históricos
culturais precisava de tempo para criar bases sólidas e reforçar a ligação
entre aqueles amigos para que o desfecho fosse mais forte e catártico, mas
acabou sendo extremamente corrido. Claro, a adaptação de Watanabe está incrível,
poucos conseguiriam saltar tantos capítulos de forma aleatória para fechar a
história de forma redonda, e ainda faze-la ter sentido, como ele fez. Pode
parecer pouco, mas em uma história onde a máxima do enredo são as relações dos
personagens, e não o roteiro é um grande desafio. Poderíamos comparar com
Cowboy Bebop, que conseguiu utilizar todos os seus 25 episódios em beneficio
dos personagens e o vinculo que mantinham, criando uma ligação que o espectador
só iria perceber de forma nítida no tocante episódio final. Cowboy Bebop com 11
episódios, não seria metade do que é, porque a história em si não é tão incrível.
O que faz a série são os personagens [e as referências audiovisuais].
Ritsuko e Sentarou foram os personagens mais prejudicados,
com desfechos anticlimáticos e mal desenvolvidos. O próprio episódio final é
bem fraco, muito por causa disso. Kaoru por outro lado, como protagonista, teve
um crescimento mais acentuado que os demais e se mostrou um belíssimo
personagem [ainda que não tenha o carisma, nem a popularidade de Sentarou]. Sakamichi
não é apenas uma simples história de amor, na verdade não é uma história de
amor, mas de amizade através do tempo. De drama e de manifestações civis. A
autora original, Yuki Kodama, costura e contextualiza o roteiro com eventos ocorridos
entre 1966 e fim dos anos 70 no Japão com maestria. A forma como a politica
daquele tempo afeta os personagens, e como o enredo vai se desenvolvendo com um
plano de fundo tão rico é fascinante.
Com a influência americana, este é um período musical muito
rico no Japão. Tal qual, ela exerce um papel fundamental dentro de Sakamichi no
Apollon, afinal, música e memoria estão interligados em linha tênue. O roteiro
explora aquele contexto cultural sempre com muita sutileza, mas é perceptível perceber
como o Jazz não era tão respeitável e popular quanto o frenético yeah!, yeah!, yeah! dos Beatles e suas dancinhas
no palco. Ao contrário do rock, o jazz ainda não era associado a algo
sofisticado, da mesma forma que é atualmente. Tinha-se o preconceito do jazz
feito por artistas negros e seus músicos eram muito ligados a dependência de
drogas, alcoolismo, eram rebeldes revolucionários – a inclusão no anime do
drama de Jun e Yurika foi um dos grandes acertos por parte de Watanabe. Esses
personagens tomam o foco da história por um certo tempo, mas foi necessário para
a contextualização daquele momento histórico. Da cena musical do período, passando
pelas movimentações politicas, à cultura repressiva da sociedade vivida na pele
por Yurika... Sem dúvida uma pela fotografia – que tocavam em locais fechados
ou porões.
Kaoru é um estudante honrado e inteligente, toca música
clássica. Sentarou é um garoto pobre e agressivo, amante do jazz. O enredo se constrói
através desses paralelos, a partir do momento em que Kaoru começa a tocar com
Sentarou, o personagem passa a romper com as amarras que o prendiam e cresce
como ser humano, o que leva bastante tempo, entre altos e baixos no temperamento
difícil do garoto. O que se justifica pela rigidez da formação clássica, que
chega ao extremo de ser representada através de efeitos colaterais de náuseas e
ansiedade social quando Kaoru passa a ter contato com um outro mundo, um mundo
estranho e diferente do dele. Yuki Kodama foi sensível na absorção de características
tão obvias e ao trabalhar a música de forma tão sutil e unilateral à história.
Sentarou já tem impregnado a música em sua cabeça, o que a
gente nota já no trailer da série, com ele usando gravetos como baquetas e como
ele não resiste em entrar no ritmo de uma melodia, mesmo que seja apenas na sua
mente. Quando Kaoru tenta desajeitadamente reproduzir os acordes de “Moanin” no primeiro episódio, Sentarou
o corrige, diz que faltou swing; “Se você toca sem sentimentos, não parece
jazz pra mim!”. Eles brigam, mas Kaoru fica extremamente intrigado e
resolve embarcar nesse desconhecido. A grande tacada de Yuki Kodama está no
fato de que, por exemplo, em contraste com a música clássica, o jazz naquela
época sempre fora transmitido de pessoa para pessoa. Também vale mencionar o
espirito da amizade masculina espelhada no jazz, que também sempre fora uma característica
marcante da amizade entre dois homens. E Sakamichi no Apollon é praticamente um
brinde à amizade masculina, seja entre Kaoru e Sentarou, ou deste com o seu
grande ídolo Jun. Aqui, mesmo uma amizade desfeita por causa de uma mulher,
consegue dar a volta por cima de forma honrosa. Com música! Não houve necessidade
sequer do uso de palavras.
Claro que sim, as mulheres da trama têm o seu lugar [Yurika surpreendentemente
até mais do que Ritsuko], mas elas são praticamente um plano de fundo, e ao
menos na versão animada, nenhuma delas tem um desenvolvimento notório, nem um
desfecho narrado de forma interessante. Watanabe também se mostra desajeitado
na abordagem do fanservice feminino [Boys Love], onde às vezes simplesmente
aparece abruptamente, pra depois retornar ao tom anterior da narrativa.
Acontece poucas vezes, mas nunca de forma natural. E isso chamou bastante
atenção.
Sakamichi no Apollon acaba tendo uma narrativa que alterna
bastante entre bons e excelentes momentos, e os de pouca inspiração. Mais pelo
roteiro, do que necessariamente pela direção, que acredito ter feito o que pôde
numa história onde os sentimentos são máxima da mesma. O ponto alto nem é a
amizade entre os personagens [faltou tempo, faltou tempero, desenvolvimento],
mas a trilha sonora e apresentações musicais, que pontuaram momentos (e reviravoltas) dramáticos e marcantes
do roteiro, momentos que te darão vontade de rever e rever novamente, pra se emocionar mais uma vez. A mesma trilha sonora que faz crescer o gostoso tom nostálgico da
série. Mesmo sendo uma história irregular, Sakamichi no Apollon consegue tocar
e envolver quem o assiste, pois a música é universal e marca momentos banais de
nossas vidas que ficarão eternizados em uma melodia. E é a saudade e a vontade
de revisitar algo importante do seu passado, que torna a sequência dos últimos
segundos de Sakamichi no Apollon tão forte e poderosa [e foi à cena que salvou
todo o episódio].
Nota: 08/10
Direção: Shinichiro Watanabe
Episódios: 12
Ano: 2012
Estúdio: MAPPA/ Tezuka Productions (episódios 03 e 05)
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