quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Sakamichi no Apollon: Nostalgia em Notas Musicais


O melhor anime do ano? Quem decide são vocês.

Sinopse: Sakamichi no Apollon se passa já no final dos anos 60, com a história de Nishimi Kaoru, um estudante que vive se mudando por causa do emprego do pai e nunca cria laços por onde passa. Porém, isso muda quando ele vai para uma pequena cidade no interior do Japão e acaba se envolvendo com Mukae Ritsuko, com quem acaba se apaixonando, e Kawabuchi Sentaro, por causa de uma paixão em comum, o jazz.


O que devo fazer? Esqueci quem eu era antes de conhecer você.
O vento acaricia nossas bochechas.
Lullaby of Birdland...
Enquanto descemos a ladeira, nossas frágeis sombras se esticam.
Como férias de verão que nunca terminam.
A sensação de entrar sorrateiramente na piscina.
Ei, vamos nadar de ropa. Pule!
É uma espiral de intensas tentações.
Essas batidas que me atravessam são estranhas.
Elas queimam depressa e desaparecem.
Mesmo em dias ruins, eu me visto bem e danço com algum
swing a música que rapidamente me cerca.
Que dança é essa? Não consigo mais parar.
Ela não vai embora, continua tocando em meus ouvidos.
A melodia é... Semelhante ao amor.

Comentários: Composta por Yoko Kanno e cantada pela cantora YUKI, Sakamichi no Melody consegue ser um resumo bem eficaz dos conflitos, sentimentos de estranheza, a descoberta da amizade, a nostálgica melodia de um amor perdido e de uma época de descobertas que marcou a vida do quadrado de personagens em Sakamichi no Apollon (Kids on the Slope em inglês e Crianças na Ladeira, em português. Título bem pertinente). As subidas e decidas no tom da melodia também se encaixa satisfatoriamente com o título e a relação entre aqueles personagens. Ao escutar os primeiros acordes tocando na abertura pode ser difícil não se deixar levar pela letra e a melodia, e se isso acontece com você, não se preocupe, pois não está sozinho. Olhar para a sequência de imagens e a letra inspirada de Kanno nos faz ter a sensação de que já vivemos algo parecido em um daqueles fragmentos. Uma subida exaustiva em uma ladeira, um mergulho coletivo ao lado dos amigos que por algum motivo ficou retido em sua memória, uma música que estava tocando e que acabou se tornando a trilha sonora daqueles bons momentos.

A melodia composta pela Kanno foi fundamental nesse sentido. Dos seus arranjos de guitarra ao envolvente solo de trompete que traz uma áurea de pura nostalgia, se complementando na voz anasalada de YUKI que dá o tom dramático e de excentricidade que a obra pede.


Sakamichi no Apollon foi produzido por figuras lendárias da animação Japonesa. O recluso diretor Shinichiro Watanabe (Samurai Champloo/ Cowboy Bebop) que estava há anos sem dirigir nenhum anime, a aclamada Yoko Kanno e a produção artística do lendário Masao Maruyama, que juntou suas coisas e fundou o independente estúdio MAPPA, depois da terceirização do Madhouse [do qual ele foi fundador]. E ele levou algumas pessoas com ele da antiga casa, o que pode ser sentido na produção artística do anime, que não possui uma animação fora de série, mas contém uma ótima direção de arte – as cores sóbrias, o característico character designer oitentista que é menos arredondado e mais firme, te darão a impressão que se trata de um genuíno anime do Madhouse –, com momentos marcantes e sequências de imagens intraduzíveis em diálogos (a sequência do Kaoru no trem em movimento, comendo a marmita de comida preparada pela Ritsuko, sua paixão platônica, é de uma cinética impressionante. Ele não disse uma palavra. Não havia nenhuma trilha sonora marcante, apenas o personagem, o som ambiente, seus sentimentos e um vazio dimensionado pela ausência de uma trilha sonora e suas expressões faciais) que legitima a força da mídia visual de arrebatar o espectador através da identificação gestual. Méritos para a sensibilidade de Watanabe, que viria a repetir esses pequenos fragmentos diversas vezes durante a série. E é desses fragmentos que vem toda a força e magia de Sakamichi.

Sakamichi no Apollon tem sequências musicais que são um deleite, e por mais que possa parecer incrível, o desempenho daqueles personagens ao utilizar aqueles instrumentos, é algo que você nunca viu antes em nenhum outro anime. Ao menos, com a mesma técnica e desenvoltura. É disto que o velho Maruyama fala quando diz “era possível ter sido feito antes com um orçamento suficiente e esforço, mas fomos nós os primeiros”. Todo o esforço de Watanabe pode ser sentido nas performances musicais dos personagens que fazem uso daqueles instrumentos de forma tão natural – quando Sentarou começa a tocar a bateria, você pode observar em como a câmera foca em seus dedos sempre ágeis no manuseio das baquetas, sem nenhuma repetição dos movimentos. E são quadros que exigem destreza da direção e que comem parte considerável do orçamento. –, e ainda assim respeitando a característica de cada personagem na releitura de grandes clássicos.



De um Kaoru com uma interpretação mais simplista e menos rítmica da clássica My Favorite Things, à suavidade gostosa de se ouvir do timbre hesitante de Yuuka Nanri [dubladora da Ritsuko], sem técnica alguma, mas imprimindo a naturalidade que a cena pedia. Vale salientar que Yuuka Nanri é cantora profissional, mas conseguiu fazer uma atuação convincente aqui. Aliás, essa sequência do episódio 11 do anime pode ser considerada uma das melhores já produzidas (a cena foi muito bonita), do melhor episódio da série. Kanno e Watanabe estavam impecáveis. É impressionante na Kanno como ela consegue fazer releituras de melodias instrumentais que se encaixam com perfeição ao estilo de outro artista. Essa sequência, onde os três amigos se reúnem com suas coisas favoritas e tocam My Favorite Things, tem uma produção lindíssima, com o filtro que fez toda a cena parecer um esboço a lápis e um enquadramento inspirado. A direção de Watanabe conseguiu salvar esse episódio de um amontado de clichês sem muita inspiração, apenas com o jogo de câmera.

Outra cena, do mesmo episódio, tem uma execução extremamente envolvente, com Kaoro e Sentarou separados por lençóis, como uma bela metáfora visual. Enquanto Sentarou era atormentado pela culpa, Kaoru sempre foi ajudado por ele, dessa vez é quem vai ao auxilio do amigo de forma convicta. É uma cena lindíssima.


Sakamichi no Apollon tem um roteiro muito fraco, agravado pelo pouco número de episódios. O que é uma pena, pois um drama que pretendia retratar o crescimento de seus personagens através de eventos históricos culturais precisava de tempo para criar bases sólidas e reforçar a ligação entre aqueles amigos para que o desfecho fosse mais forte e catártico, mas acabou sendo extremamente corrido. Claro, a adaptação de Watanabe está incrível, poucos conseguiriam saltar tantos capítulos de forma aleatória para fechar a história de forma redonda, e ainda faze-la ter sentido, como ele fez. Pode parecer pouco, mas em uma história onde a máxima do enredo são as relações dos personagens, e não o roteiro é um grande desafio. Poderíamos comparar com Cowboy Bebop, que conseguiu utilizar todos os seus 25 episódios em beneficio dos personagens e o vinculo que mantinham, criando uma ligação que o espectador só iria perceber de forma nítida no tocante episódio final. Cowboy Bebop com 11 episódios, não seria metade do que é, porque a história em si não é tão incrível. O que faz a série são os personagens [e as referências audiovisuais].

Ritsuko e Sentarou foram os personagens mais prejudicados, com desfechos anticlimáticos e mal desenvolvidos. O próprio episódio final é bem fraco, muito por causa disso. Kaoru por outro lado, como protagonista, teve um crescimento mais acentuado que os demais e se mostrou um belíssimo personagem [ainda que não tenha o carisma, nem a popularidade de Sentarou]. Sakamichi não é apenas uma simples história de amor, na verdade não é uma história de amor, mas de amizade através do tempo. De drama e de manifestações civis. A autora original, Yuki Kodama, costura e contextualiza o roteiro com eventos ocorridos entre 1966 e fim dos anos 70 no Japão com maestria. A forma como a politica daquele tempo afeta os personagens, e como o enredo vai se desenvolvendo com um plano de fundo tão rico é fascinante.


Com a influência americana, este é um período musical muito rico no Japão. Tal qual, ela exerce um papel fundamental dentro de Sakamichi no Apollon, afinal, música e memoria estão interligados em linha tênue. O roteiro explora aquele contexto cultural sempre com muita sutileza, mas é perceptível perceber como o Jazz não era tão respeitável e popular quanto o frenético yeah!, yeah!, yeah! dos Beatles e suas dancinhas no palco. Ao contrário do rock, o jazz ainda não era associado a algo sofisticado, da mesma forma que é atualmente. Tinha-se o preconceito do jazz feito por artistas negros e seus músicos eram muito ligados a dependência de drogas, alcoolismo, eram rebeldes revolucionários – a inclusão no anime do drama de Jun e Yurika foi um dos grandes acertos por parte de Watanabe. Esses personagens tomam o foco da história por um certo tempo, mas foi necessário para a contextualização daquele momento histórico. Da cena musical do período, passando pelas movimentações politicas, à cultura repressiva da sociedade vivida na pele por Yurika... Sem dúvida uma pela fotografia – que tocavam em locais fechados ou porões.

Kaoru é um estudante honrado e inteligente, toca música clássica. Sentarou é um garoto pobre e agressivo, amante do jazz. O enredo se constrói através desses paralelos, a partir do momento em que Kaoru começa a tocar com Sentarou, o personagem passa a romper com as amarras que o prendiam e cresce como ser humano, o que leva bastante tempo, entre altos e baixos no temperamento difícil do garoto. O que se justifica pela rigidez da formação clássica, que chega ao extremo de ser representada através de efeitos colaterais de náuseas e ansiedade social quando Kaoru passa a ter contato com um outro mundo, um mundo estranho e diferente do dele. Yuki Kodama foi sensível na absorção de características tão obvias e ao trabalhar a música de forma tão sutil e unilateral à história.


Sentarou já tem impregnado a música em sua cabeça, o que a gente nota já no trailer da série, com ele usando gravetos como baquetas e como ele não resiste em entrar no ritmo de uma melodia, mesmo que seja apenas na sua mente. Quando Kaoru tenta desajeitadamente reproduzir os acordes de “Moanin” no primeiro episódio, Sentarou o corrige, diz que faltou swing; “Se você toca sem sentimentos, não parece jazz pra mim!”. Eles brigam, mas Kaoru fica extremamente intrigado e resolve embarcar nesse desconhecido. A grande tacada de Yuki Kodama está no fato de que, por exemplo, em contraste com a música clássica, o jazz naquela época sempre fora transmitido de pessoa para pessoa. Também vale mencionar o espirito da amizade masculina espelhada no jazz, que também sempre fora uma característica marcante da amizade entre dois homens. E Sakamichi no Apollon é praticamente um brinde à amizade masculina, seja entre Kaoru e Sentarou, ou deste com o seu grande ídolo Jun. Aqui, mesmo uma amizade desfeita por causa de uma mulher, consegue dar a volta por cima de forma honrosa. Com música! Não houve necessidade sequer do uso de palavras.

Claro que sim, as mulheres da trama têm o seu lugar [Yurika surpreendentemente até mais do que Ritsuko], mas elas são praticamente um plano de fundo, e ao menos na versão animada, nenhuma delas tem um desenvolvimento notório, nem um desfecho narrado de forma interessante. Watanabe também se mostra desajeitado na abordagem do fanservice feminino [Boys Love], onde às vezes simplesmente aparece abruptamente, pra depois retornar ao tom anterior da narrativa. Acontece poucas vezes, mas nunca de forma natural. E isso chamou bastante atenção.



Sakamichi no Apollon acaba tendo uma narrativa que alterna bastante entre bons e excelentes momentos, e os de pouca inspiração. Mais pelo roteiro, do que necessariamente pela direção, que acredito ter feito o que pôde numa história onde os sentimentos são máxima da mesma. O ponto alto nem é a amizade entre os personagens [faltou tempo, faltou tempero, desenvolvimento], mas a trilha sonora e apresentações musicais, que pontuaram momentos (e reviravoltas) dramáticos e marcantes do roteiro, momentos que te darão vontade de rever e rever novamente, pra se emocionar mais uma vez. A mesma trilha sonora que faz crescer o gostoso tom nostálgico da série. Mesmo sendo uma história irregular, Sakamichi no Apollon consegue tocar e envolver quem o assiste, pois a música é universal e marca momentos banais de nossas vidas que ficarão eternizados em uma melodia. E é a saudade e a vontade de revisitar algo importante do seu passado, que torna a sequência dos últimos segundos de Sakamichi no Apollon tão forte e poderosa [e foi à cena que salvou todo o episódio].

Nota: 08/10
Direção: Shinichiro Watanabe
Episódios: 12
Ano: 2012
Estúdio: MAPPA/ Tezuka Productions (episódios 03 e 05)

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