quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Black Lagoon

Saudações do Crítico Nippon!



Povoado em um universo extremamente masculino, é no mínimo curioso que as verdadeiras atrações de Black Lagoon sejam as personagens femininas. E isso pouco tem a ver com a sensualidade das mesmas, afinal, tirando o shortinho de Revy, todas as outras dispensam qualquer característica sensual. Passando pela “freira” Eda; a empregada toda coberta Roberta; a chinesa Shenhua; a colegial Yukio e sua saia até abaixo dos joelhos; a líder Balalaika e sua terrível cicatriz no rosto e seios... É uma galeria digna de comparação com as do filme Sin City. Tirando o protagonista Rock (para fazer a mínima ligação entre o leitor e aquele mundo novo), todos os homens são relegados à segundo plano e servem apenas para aumentar a pilha de cadáveres. Quem rouba a cena e faz com que sintamos que algo está acontecendo são sempre as mulheres. Quão ruim isso pode ser, afinal?

(Este artigo irá comentar apenas os 9 volumes lançados no Brasil até 2012)



A trama começa quando Rokuro Okajima - colarinho branco de uma empresa japonesa - é seqüestrado e abandonado por seus superiores nas mãos da Lagoon Traders. Esta que é uma empresa especializada em transportes de cargas pelo mar. À bordo da lancha torpedeira, Rokuro se envolve com seus tripulantes, o capitão Dutch, o engenheiro  Benny e a atiradora de elite do grupo, Revy (apelidada de Two Hands). Rokuro os ajuda a se livrar de um problemão no meio do caminho e, sem ter para onde voltar, acaba juntando-se ao grupo de foras da lei. E para esta sua nova vida, se batiza de “Rock”.


Black Lagoon é moldado através das missões que os protagonistas recebem para ganhar dinheiro. Geralmente ocupando um volume e meio ou dois. O ambiente é sempre cheio de fumaça e bebida e os personagens comuns são compostos de ex soldados das mais diversas guerras dos mais diversos países, e sim, isso inclui os nazistas (que soam tão artificiais quanto aqueles de Hellsing). Lidando sempre com problemas envolvendo drogas, prostituição, propinas entre facções, é interessante observar o modo costumeiro com que os personagens lidam com aquilo. E assim como o novato Rock, aos poucos vamos fazendo parte daquele universo.

Dito isso, não deixa de ser acertado e bacana observarmos a “arma” do grupo, Revy, com o rosto animado apenas na hora dos tiroteios. Fora deles, mostra-se uma garota preguiçosa e entediada na maior parte do tempo. Melhor ainda, é constar esse tipo de mudança da parte do Rock. Geralmente sério e mantendo os modos de “colarinho branco”, seu sangue parece ferver quando encontra uma oportunidade de usar sua inteligência em prol do crime e das lutas ao lado dos companheiros. Isso pode ser constado já na primeira ajuda que dá ao seu grupo, e será repetido diversas vezes ao longo de outras missões (falarei mais sobre isso adiante). 

Revelando-se um universo ainda mais imprevisível e cruel, o autor Rei Hiroe merece todos os créditos do mundo por isso. Contando com diversas traições ao longo de seus volumes, nos convencemos totalmente de que o que funciona ali é o dinheiro, as influências, e o poder. E ninguém está imune à isso. E um momento chave dessas decisões cruéis todas é quando a chefe Balalaika ordena que seus outros capangas se livrem de Revy, Rock e os outros, caso fiquem no caminho de sua missão de lucro. E a líder da cicatriz do rosto parece repetir um milhão de vezes que seu único objetivo é a destruição e lucro, não importa por cima de quem tenha que passar. Palavras que sempre nos fazem pensar e relembrar o tipo de caráter dos personagens que acompanhamos, principalmente o mais “bonzinho” Rock.



Mostrando parte desse mundo selvagem através de diálogos ditos de forma natural como “Não importa, é só atirar em qualquer moleque que passar por aí”. Aprofundando isso na “saga dos gêmeos”, mostrando um sadismo incrível para com aquelas crianças - infelizmente esta é uma saga sem pé nem cabeça e que termina da forma mais anticlímax possível. Colocando ainda decisões continuamente corajosas na saga seguinte, da personagem Yukio e seu espadachim. Temos aí Rock pedindo que sua chefe Balalaika extermine completamente a Família criminosa da garota, como única forma de tirá-la daquele mundo e deixá-la completamente sem “peças” para jogar. E essa evolução toda de pensamento dele é construída cuidadosamente ao longo dos volumes, o que é absolutamente fascinante.

Caminhando cada vez mais para o lado negro, Rock pode parecer sempre inocente e boa praça, mas está longe disso realmente. Quando colocado contra a parede por Revy no volume 007, que indaga o que ele ganharia ajudando o garotinho Garcia, ele enfim fala da mesada e recompensa que poderia ganhar. Logo em seguida parece usar os sentimentos dela da maneira mais fria possível, para fazê-la voltar a ajudá-lo em sua missão, voltando a ser a Two Hands, a “sua arma”. Somando isso com uma cena das poucas páginas seguintes, ao fazer Rock resumir a situação crítica para os companheiros dentro de um carro, Hiroe coloca um quadro em close com o sorriso dele dizendo o quanto é “interessante” aquele “jogo”. A partir daí Rock já pode ser considerado praticamente um psicopata em ascensão. E ele falará no mínimo mais quatro vezes as palavras “jogo” e “diversão” na mesma frase no último volume, provando o quão distante emocionalmente ele está de todas aquelas pessoas envolvidas. 

























Já que citei a evolução de Rock, é importante salientar que, apesar de um mangá de ação, Black Lagoon tem vários e excelentes – e longos - diálogos. Não apenas construídos cheios de gírias e naturais como pessoas de verdade, mas também momentos bonitos de se ouvir. No primeiro item, alguns exemplos como “Faz aí que eu quero ver, sua freira filha da puta! Tá tremendo por quê? Tá com um vibrador ligado aí no meio das pernas?” e também “Aqui há mais postos de inspeção que starbucks no bairro de Brooklin”. Do segundo grupo, temos as incríveis discussões entre personagens, sempre pertinentes e reveladoras.

A primeira grande discussão é entre Revy e Rock, construída com cuidado no volume anterior, algo que incomodou a garota e veio a deixá-la de mau humor por muito tempo. Culminando com Rock estando farto das reclamações e implicâncias dela, enfim os dois colocam as cartas na mesa. E de forma belíssima. Podemos citar também a análise da Yukio para com o Rock, onde analisa perfeitamente o atual estado “meio termo” do que ele parece acreditar ser um bandido-boa-praça em meio a um grupo tão canalha. Nas palavras dela Você não quer voltar pra luz, nem afundar de vez nas trevas. Só fica aí estacionado na penumbra”. Felizmente há diversos outros para lembrar e que falam muito daqueles personagens e daquele universo violento. 





O único problema desses diálogos todos é a visão espacial dos quadros de Rei Hiroe. Sua visão é extremamente limitada e seus quadros são pequenos, algo que Takeshi Obata (Death Note, Bakuman), já disse em entrevista se preocupar bastante com isso e fazendo ambientes sempre grandes e bem estruturados e limpos. O que não é o caso de Hiroe com seu desenho burocrático e chegando a ficar desinteressante às vezes por não variar em sua “câmera”. Diálogos longos, de diversos grupos que acompanhamos simultaneamente, acabam soando ainda mais longos do que deveriam, pois a arte e a composição das páginas não ajudam a manter o foco. Isso dificulta até mesmo sabermos quais conversas estão ocorrendo ao mesmo tempo, pois os grupos mostrados são diversos. Como se não bastasse sua confusão temporal, há um problema espacial em suas páginas. Diversos tiroteios ocorrem em prédios ou algumas quadras, e dificilmente conseguimos localizar a posição exata de todos os combatentes. Os quadros são fechados e nunca sabemos direito quem está perto de quem, o que dificulta na tensão.



Os quadros também dificultam outro problema grave: os tiroteios. Ainda que seja um problema recorrente em todos animes e mangás do gênero, a pouca visão espacial não nos deixa compreender absolutamente nada, e eventualmente quando vemos um quadro grande, é sempre duas personagens de frente se atirando ao mesmo tempo, nos levando a pensar o quão impossível é sobreviver a tal situação (e isso se repete demais). Um bom exemplo de tiroteios tensos vem do anime Noir, o melhor no quesito que já vi. Neste, a tensão vem das estratégias e não do dedo preso no gatilho.

Culminando os problemas com personagens difíceis de engolir, desde a empregada com o guarda-chuva que dá tiros e serve de escudo contra balas; a Shenhua atirando kunais contra balas; os gêmeos psicopatas que não sei nem por onde começar; à própria loucura e resolução da Roberta nos volumes finais (com decisões extremamente falhas e resoluções frágeis). Ainda assim, confesso que merece créditos por manter uma tensão mesmo sem utilizar a Two Hands Revy, e o Rock apenas indiretamente. Sinal de que nos envolvemos muitíssimo bem com os antagonistas.


Black Lagoon tem um roteiro afiado e complexo e toda atenção é pouca. A relação entre Revy e Rock é sutil, mas visivelmente amadurece, com a primeira chegando a apontar a arma para a líder Balalaika pra proteger o companheiro. Outro exemplo é a garota começando a lhe cobrar explicações no chuveiro, demonstrando um interesse nunca antes visto. É nesse tipo de desenvolvimento com o passar do tempo, que este mangá se mantém sempre interessante e cativante. Com figuras sinistras e sem nunca trair suas origens, a maior façanha de Rei Hiroe é nos importarmos e torcermos por estes tipos tão sangue frios e violentos. Não só constar o carinho de nós por eles, mas entre eles. Apesar de tudo, há um coração pulsante muito bem disfarçado naqueles corpos cheios de adrenalina. 



(Para mais dos meus textos, é só ir no menu 'Crítico Nippon'.)
@PedroSEkman





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