A característica mais notável do estúdio Kyoto Animation,
que carinhosamente chamamos de KyoAni, é a sua consagrada formula de escapismo para
um mundo de pura fantasia – Essa já é a sua assinatura desde Munto. Depois
então de Air e The Melancholy of Haruhi Suzumiya, produções como Full Metal
Panic! encontrariam pouco espaço no estúdio.
A fantasia adolescente receberia vida em histórias colegiais
com personagens ociosos (Oreki – Hyouka)
e descontentes (Kyon – Suzumiya Haruhi)
que acabam por encontrar uma garota que transformará suas vidas em algo muito
mais interessante do que aquele cotidiano monótono. Mesmo que seja no famoso
tropo de adolescentes castas (Yui –
K-On!).
É em algum clube escolar onde as coisas geralmente acontecem
nas séries do KyoAni – Não por acaso, as investidas do estúdio fora deste
gênero nunca foram muito bem recebidas pelo seu público alvo. O recente e
esmagador fracasso comercial de Nichijou, talvez seja aquele que feche
definitivamente as portas para algo que fuja do convencional da casa, apostando
em formulas mais seguras. Ou você nunca ouviu alguém dizer que estava
assistindo aquele anime do KyoAni só por causa do visual fantástico e pelas
personagens bonitinhas?
Tornar a figura escolar indissociável para o texto é uma
fórmula segura. A escola é tão importante no Japão por ser a representação da
sociedade, com suas regras e doutrinação de coletivismo, daí os clubes ficarem
tão em evidência. Eu diria que o apelo desde gênero é a identificação e o fator
nostálgico, mas acredito que vai muito mais além quando o público alvo é o
otaku – A juventude, as garotas em idade pré-púbere, os uniformes, a genuína ingenuidade
e claro, aquele meio do caminho entre a infância e a vida adulta.
É aí onde vivemos as situações mais inusitadas, descobertas,
e onde acontece o choque entre realidade e fantasia. É exatamente disto que Chuunibyou
demo Koi ga Shitai! (abreviado como Chuu2Koi,
e literalmente em português; “Ela Tem Delírios Adolescentes, Mas Eu Quero
Amá-la!”) se trata;
situações inesperadas, a descoberta do sexo oposto, e a tentativa de fugir dos
problemas, se refugiando no escapismo. Não é bem típico da idade?
Chuu-ni-Byou, “a doença do segundo ano do ensino médio” – Nas
palavras do diretor da série, Tatsuya Ishihara: “‘Chuunibyou’ é um termo moderno
que descreve o que tem sido chamado de a ‘era rebelde’ ou uma ‘puberdade
problemática’, como descrito no passado. Normalmente, esse tipo de
comportamento ocorre em torno do segundo ano do ensino médio, é por isso que é
chamado de ‘chuu-ni’ (Significa ‘durante’). Normalmente as crianças nesse período
vai adotar um estilo de vida que imita seu músico favorito ou ator, onde
adotamos a postura da pessoa, mas recentemente houve uma grande influência de
mangá, anime e vídeo games. Pode parecer estranho para as gerações mais velhas,
mas as pessoas que trabalham na indústria de anime com menos de 40
experimentaram esse fenômeno. Nosso conto é uma estranha história romântica
sobre uma garota que está ativamente representando o ‘chuunibyou’ e um menino
que foi curado.”
Eu iria ainda mais longe, e diria que é um transtorno
provocado justamente pela pressão que os adolescentes/jovens japoneses sofrem
da família e sociedade. E essa ilusão mental faz com que criem um mundo de
fantasia repleto de tentativas ridículas de soarem cool. Segundo o próprio Tatsuya
Ishihara, durante o período em que a pessoa está sofrendo de Chuunibyou, sua
mente se torna instável, podendo ser facilmente tomada por pensamentos
negativos. Algo como ele descreve como “melancólico e sombrio”; “Esse
tipo de atmosfera sombria não está presente neste trabalho.” – E no
primeiro momento, este é o aspecto mais interessante em Chuu2Koi: A comédia.
Aqui, é Yuuta com o
seu álter ego ‘Dark Flame Master’, que na tentativa de viver uma história de
fantasia emocionante, se veste com um look típico deste tipo de personagem e
tenta imbuir espadas extravagantes com poderes sobrenaturais (além de outros diversos apetrechos) –
Não demorando muito para que tempos depois ele tome consciência do quão
ridículo era aquilo. Quando a história começa, ele já está profundamente
envergonhado por esse passado, corando e encolhendo até ao chão quando se
recorda. Quando ele vai para escola, pensando em deixar todo aquele passado
para trás e se enturmar, a única pessoa que conhece é uma menina que ainda está
atolada no pior dos delírios de chuunibyou; a graciosa e delirante Takanashi
Rikka. Logo ele é arrastado e envolvido nos planos estranhos dela, e acabam
formando um clube singular com outra garota que sofre de chuunibyou; a enérgica
e cativante Dekomori; uma garota que usa o tempo de atividade do clube para
dormir chamada Kumi; o palhaço da turma chamado Makoto e uma líder de torcida
popular que atende por Nibutani e esconde um passado “negro” por ter sofrido de
chuunibyou, sendo constantemente atormentada por Dekomori. Essa dupla, Nibutani
e Dekomori, rendem os melhores risos da série.
Chuu2Koi é a típica comédia romântica de “Estranho Casal” (outra do tipo que tivemos no ano de 2012 foi
Nazo no Kanojo X), que é quase como se fosse o encontro entre Toradora e Black Rock Shooter. A última vez que vi um romance se tornar o clímax da história de
uma forma tão explosiva e impulsiva, foi em Toradora. E o romance é realmente
encantador, principalmente se levarmos em conta a idade aparente pelo character
designer. E a série apresenta sequências de ação simplesmente alucinantes
quando os personagens começam a se portar como se estivesse no universo de Shakugan no Shana.
Embora Chuu2Koi possa ser até mesmo embaraçoso para alguém
já adulto, a série possui um humor ingênuo no nível de Shinryaku Ika Musume, que me
arrancou altas e histéricas risadas, sorrisos afetuosos e certa emoção por
muito me ver em algumas daquelas personagens. O último anime que me envolveu ao
ponto de me fazer rir, e sentir o coração atordoado em alguns momentos, foi
justamente Ika Musume.
Vamos lá, eu sei que a maioria dos fãs de animes e mangás...
Não, não apenas fãs de animes e mangás, mas todo mundo já deve ter feito coisas
constrangedoras em sua adolescência, e hoje se recorda, vê fotos e talvez se
envergonhe disto. Alguns continuam fazendo, mesmo já com certa idade. Deixando
de lado o contexto japonês da obra, Chuu2Koi também diz muito sobre nós.
Acompanhando o conflito entre as irmãs Takanashi, numa das sequências mais
intensas e criativas da série onde Rikka a vê como uma rival e imagina todo um
cenário fantasioso ao seu redor; eu não consegui evitar me recordar de quando
era guriazinha e ficava brincando com os moleques de minha rua de poderzinho e
transformação – Sempre inspirados em desenhos como Sailor Moon, BDZ, Sakura
CardCaptors (que ainda passavam no
Cartoon Network na década de 2000), filmes – onde nos colocávamos no papel
do personagem em questão. Curiosamente, ainda dou umas surtadas em casa quando
o espírito do Nizuma Eiji encarna em mim. Mas não contem pra ninguém, minha
mãe já me acha louca o suficiente!
É este poder de identificação que torna Chuu2Koi uma série
tão atraente mesmo para o público convencional que não assiste um anime
procurando personagens bonitinhas – Ao menos, foi o efeito causado aqui no
ocidente, já que no Japão Chuu2Koi não conseguiu repetir o efeito K-On!, que atingiu em cheio o público médio japonês causando
um efeito impressionante na indústria. Obviamente, o gancho inicial da série está ligado à forma como este tipo de escapismo ressoa com o público alvo, justificado no episódio final onde o KyoAni faz uma ode ao mundo dos sonhos; Com base no seu público algo, o estúdio jamais daria um tapa na cara do seu espectador, o chamando para a realidade. Mas o que é o entretenimento, se não um escapismo da realidade? Mais do que isso, é uma forma de arte, onde você se identifica e interpreta de sua própria maneira. Não importa se os motivos que deram vida à Chuu2Koi não são tão coloridos assim (pouca coisa do que se faz na indústria, o são), mas sim o que esta obra te diz; como ela ressoa em você. Essa é a magia da arte como um todo.
Em especial gosto de como o character designer dos
personagens com sintomas de Chuunibyou são; uma aparência mais infantilizada
como crianças de 11 a 12 anos, enquanto os outros parecem estar na faixa dos 15
a 16 – Caso de Nibutani, por exemplo. A infância é a fase mais criativa de ser
um humano, isso porque “Brincar é a fase mais importante da
infância – do desenvolvimento humano neste período – por ser a auto ativa
representação do interno – a representação de necessidades e impulsos internos”,
nas palavras da escritora Gisela Wajskop. Podemos perceber que Yuuta e Nibutani
depois de certa idade, passam a se envergonhar disso, diferente de Dekomori e
Rikka, que ainda não cruzaram a linha. A direção de Tatsuya Ishihara se
desvencilha propositalmente da literalidade do “Chuunibyou”, assim evitando
tocar na aresta mais espinhosa do tema. O que ele faz, é relegar o transtorno
de Chuu-ni-Byou a algo ingênuo para se encaixar na proposta da série. Pela primeira vez, o protagonista não é sarcástico, nem melâncolico como o Kyon (Suzumiya Haruhi) ou Tomoya (CLANNAD); os clássicos protagonistas do KyoAni. Em outro
extremo, temos Kumin praticamente inexplorada, que passa o seu tempo livre
dormindo, por que dormir é “sonhar, e sonhar é entrar em uma realidadetotalmente diferente”. Simbolicamente, um escapismo inofensivo e
benigno, onde seu subconsciente fantasia sem culpa.
Passados metade dos episódios, Chuu2Koi faz o que
inevitavelmente a maioria dos animes do gênero quando estão prestes a engatar a
reta final; se focam mais no drama. A trama de Rikka é palpável e coerente com
a linha narrativa introduzida pelo KyoAni – Afinal de contas, a “doença” dela é
resultante de sentimentos reprimidos, e mais tarde ficamos sabendo que não foi
um sintoma que brota do nada, justificando as aspas quando mencionei doença. Contudo,
o drama não é aproveitado da forma que deveria por Tatsuya Ishihara não ter a
ousadia de ultrapassar a linha. Chega a um ponto que soa como um coito
interrompido por ele nunca deixar que você sinta o drama da personagem. Ele
disse em sua entrevista que queria fazer uma série leve, no entanto o fato dele
sempre cortar a tensão antes que esta atinja o clímax, prejudica a imersão do
espectador, e também o que poderia haver de profundidade nele.
Houve muitas comparações entre Chuu2Koi o estilo tearjerker
[séries onde o objetivo final é levar sua audiência às lágrimas] das adaptações
de animes da Key [CLANNAD, Kannon 2006 e Air Tv], porém nota-se que ainda há um
caminho longo para o KyoAni percorrer se este for o objetivo. Isso acaba sendo
evidente no próprio final, que sofre com uma catarse pouco emocional, onde toda
a climática evidenciada na fuga de Rikka e Yuuta, pouco impacta – Justamente
pela falta da tensão (aquela que você
sente à flor da pele nos episódios decisivos de Toradora).
Mas é inegável que a resolução final foi a mais apropriada e
coerente com o texto da série. Não se recorre a um “foi tudo um sonho e agora voltamos à nossa vida normal de clubinho e
fantasia”, embora possa parecer que sim, é evidente o fato da série não
deixar um ponto de retorno ao “chuunibyou”. O monologo final foi belíssimo, e o
que se entende é que não há nada de mal em se deixar levar um pouco. Eles
[Rikka e Yuuta] inevitavelmente serão pegos, e voltarão à sua vida normal. O
que tiver acontecido não importa, portando não há prologo; tornando a mensagem
final ainda mais forte. O que importa é o significado daquele impulso do Yuuta
em pegar Rikka e sair pedalando com um carro de polícia atrás: Se permitir uma
fuga momentânea. Experimentar aquele sabor único de liberdade, com a brisa
batendo suavemente ao rosto e o coração disparado. São momentos únicos! É o que
a Rikka precisa naquele momento para resistir à realidade massacrante.
Nota: 07/10
Direção: Tatsuya Ishihara
Roteiro: Jukki Hanada
Ano: 2012
Episódios: 12
Estúdio: Kyoto Animation
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