Por que nunca foi tão difícil maratonar um anime ou algum seriado de muitos episódios? E porque esse sintoma parece surgir depois de um certo tempo de exposição? Acho que não existe só uma resposta, mas podemos refletir sobre.
Bem, falando especificamente sobre animes, pode se dizer simplesmente que eles são ruins e pronto. Mas não creio que se resuma a isto. Maratonar animes, em tese, é mais fácil do que maratonar uma seriado, tendo em vista que normalmente um anime de tv tem a metade de duração de uma série com atores reais (vamos englobar nisto também os doramas de longa duração), no entanto, tenho observado uma dificuldade absurda entre muitos em não conseguirem assistir seguidamente mais de dois episódios de um mesmo anime – ou de vários em um único dia. Eu me confesso culpada de todas as acusações, mas a principal delas é a da procrastinação. É difícil resistir entre um intervalinho; uma pausadinha e outra, dar um cheque-in no meu twitter ou algo aleatório. Ou simplesmente postar reações.
Um padrão que venho observando há bastante tempo na minha timeline do twitter, é que muitos dão play em um episódio e vão pausadamente dividindo a atenção entre o que está acontecendo na timeline e no desenrolar do anime. Isto quando não dividem a tela ao meio, entre twitter e player. Obviamente que sua atenção acaba por ser capturada pelo assunto do momento no twitter e quando você percebe já se passou uma, duas, três horas e o player continua aberto e o anime ainda bem no iniciozinho (sou culpada de tudo, menos isto – ainda não cheguei neste nível). Você se esqueceu completamente! Ou foi tomado por uma onda de desânimo em continuar assistindo.
Claro! Perfeitamente natural que isto ocorra. Pode ser que o episódio estivesse chato e desinteressante, mas em tal circunstância, qualquer série pareceria chata ou desinteressante pelo simples motivo que o seu interesse maior está concentrado em outro foco, que causa distúrbio, distração, empolgação e estresse. O ser humano é bem capaz de administrar várias coisas ao mesmo tempo. Coisas práticas. No entanto, quando se envolve emoção, isto se torna muito complicado de balancear porque, afinal, estamos lidando com sentimentos. Seu cara ou sua mina certamente não iriam gostar de estar falando algo que consideram importante com você não concentrando seu foco naquilo que está sendo dito. Isto é desinteresse e perda total de sintonia. Numa série há toda uma estrutura semiótica trabalhada por autores e artistas a fim de manipular o que você sente. Se sua atenção não está depositada sobre aquilo, é como alguém tentando hipnotizar uma pessoa que sofre de cegueira. Ele pode perceber que está acontecendo algo bem à sua frente, que há uma pessoa parada ali, porém sem compreender seu significado.
Será que é superestimar demais o entretenimento? Ou subestimar a capacidade de quem assiste? Eu não penso que seja o caso, pois, existe uma diferença substancial entre assistir um vídeo qualquer – ou mesmo um clipe bem produzido – e assistir um material com estruturação narrativa extensa, com várias divisões esquemáticas. Diferentemente de um vídeo de curta duração. Ambos podem perfeitamente possuir uma estrutura complexa de narrativa, se pensar que ambos são idealizados para afetar o seu subconsciente (ao menos, quando falamos de material produzido artisticamente), mas a diferença obvia é que foi pensado exatamente para um formato curtíssimo de duração em que teria inevitavelmente que lidar exatamente com esse tipo de situação, onde a atenção está dividida e dispersa. É bem menos complexo para um produto de duração mínima obter um retorno melhor nesse sentido, mas claro, não menos laborioso e trabalhoso. É uma questão paradoxal.
Quanto a longa exposição e o cansaço progressivo que muitos denunciam sentir depois de um certo tempo acompanhando determinada mídia (depois de passado todo aquele fulgor juvenil), parece coincidir com o aumento de nossa exposição às redes sociais, a partir da segunda década de 2000. Ao menos no meu círculo, noto que aqueles que começaram a acompanhar animes a mais de 5 anos, são os mais queixosos. Já na minha vida fora da internet, todos meus colegas não demonstram dificuldade em encarar maratonas, sendo o facebook o principal veiculo pelo qual se comunicam – um veiculo que parece exigir menos de um acompanhamento em tempo real (o tempo de vida de um tweet é estimado em torno de 5 minutos pra menos!!).
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Eu sempre fui uma criança imaginativa. Não tive irmãos, me mudava frequentemente, meus pais eram ausentes, morava em locais onde só existiam pessoas velhas, então minha fase criança (de 5 a 9 anos) foi solitária – em partes, porque sempre tive minha imaginação ao meu alcance me oferecendo o melhor do entretenimento. Assim, minha companhia e distração era minha imaginação, as ilustrações dos livros e as palavras, que fui aprendendo. Crianças já nascem naturalmente imaginativas pra caralho, é quando o cérebro tem mais facilidade para absorver novas informações, é a fase mais criativa do ser humano. Isto tende a se concentrar mais naqueles que não desenvolvem tão plenamente os sentidos de interação e comunicação. É tudo prática. E crianças assim se distraem com facilidade. Olham para uma nuvem e se perdem e delírios íntimos que ninguém mais consegue acessar. Enxergam formas de animais nela. Criam-se brincadeiras e brinquedos. Histórias infinitas.
Quando entrei na adolescência, sofri dolorosamente com os livros que não mais continham as ilustrações que eu adorava. Os exercícios se tornaram mais tediosos e desinteressantes. Foi um processo difícil, até aprender que utilizando a imaginação o cenário de um livro poderia inigualavelmente mais interessante. Que ilustrações não eram mais suficientes para ilustrar questões muito complexas e que meu cérebro deveria ser aguçado e desenvolvido para que estas se tornassem simples. Enfim, mangás e livros tendem a utilizar bastante de muletas para atrair a atenção de crianças e pré-adolescentes, que por natureza, sofrem uma grande dispersão do fluxo de atenção. É bastante comum que você ao ler mangás [ou assistir animes] voltados para o publico infantil e adolescente, se depare com uma situação que para você que é adulto, pode ser bastante chata e narrativamente pobre: diálogos e narrativas em eco. Informações que se repetem continuamente, às vezes até no mesmo diálogo, com um personagem reafirmando algo que o outro acabara de dizer. Você com certeza já presenciou isso assistindo os dolorosos episódios da série clássica (principalmente os primeiros) d’Os Cavaleiros dos Zodíacos. Ou lendo algum mangá da Shounen Jump. Esse, e mais artifícios, como exposições desnecessárias até mesmo para um mangá, são empregados a fim de reafirmar e fixar informações ora para um publico que começou acompanhar pelo segundo ou demais capítulos ora visando leitores naturalmente dispersivos.
Séries novatas, até mesmo novelas que acabaram de estrear, utilizam recurso similar durante os primeiros capítulos para que uma nova audiência possa se integrar com facilidade com o que está acontecendo ali. Light Novels, que culturalmente são mais fáceis de ler para os japoneses jovens e empregam palavras e enredos não muito complexos, de narrativa muitas vezes pobre, são estruturadas pelas editoras na medida para se ler a partir de, e em qualquer lugar, ou se envolver facilmente com a história, mesmo que a pegando pela metade (há exceções, mas não estamos falando delas). Há desde ilustrações aos títulos que se tornam verdadeiras sinopses na batalha pela atenção dividida dos leitores. Até mesmo parar pra ler uma sinopse é encarado com possibilidade de morte prematura e alvo de menor interesse ao livro em questão.
Não é sempre o caso, pelo contrário, mas há muitos animes que tendem a ter narrativa mais simplória, em muitos dos casos são adaptações mais preguiçosas ou por simplesmente já ser um vicio do original, não corrigido pela equipe de produção. Não é exagero dizer que otakus são a galinha dos ovos de ouro das empresas japoneses que investem no nicho, e a eles são dadas a devida importância na mesma medida em que são desprezados. E eles são tratados de forma similar a um publico infantil, sem capacidade critica desenvolvida. São chatos e exigentes, por outro lado. Parece contraditório?
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Na época que assisti o filme The Sky Crawlers (2008), do velho Mamoru Oshii, sai da experiência emocionalmente desgastada. É um filme simples em sua primeira camada, mas que exige concentração e entrega do expectador, para compreendê-lo em sua essência. Não é que seja um filme complexo. Não. Não é. É de fácil compreensão até mesmo para quem não está habituado ou preparado para as referências culturais de Oshii e seu estilo narrativo caracteristicamente puxado. Sua mensagem é universal. Existem símbolos espalhados por todo o layout, mas são detalhes que podem ser capturados. E se não forem, não se deprima, nem todo mundo conseguiu compreender o final de Taxi Driver sem que lhes dissessem o seu sentido. Mas todo mundo é capaz de amá-lo verdadeiramente. Porque é um filme que mexe com seus sentidos, ainda que só lhe absorvam 70 ou 90% do seu conteúdo e forma. O ser humano é assim, essa gama de sentimentos pronto a sentir empatia por qualquer coisa que seja desde que isto lhe diga algo emocionalmente. Mas, para isso, é preciso que você tenha absorvido por alguns minutos ou horas, daquela obra.
The Sky Crawlers não é diferente. No entanto, ele é difícil, não no sentido de compreensão, mas de envolvimento. É um filme lento e silencioso. Os esparsos diálogos existentes não fazem muita diferença, mas a narrativa exige sua atenção, sua vontade, para que então ele possa te entregar a recompensa. Só assim se pode sentir o quão denso e poderoso ele é. O quanto ele te pressiona emocionalmente. Porque é atmosfera. E atmosfera, você só sente vivenciando essa experiência. Fiquei tão absorta e desgastada do que absorvi, que no texto que escrevi sobre ele, também comentei que não teria gostado metade do que gostei se não tivesse me decido a me focar apenas no filme, sem demais distrações.
Falando assim, faz parecer que se trata de um processo terrível, que não envolve prazer em se assistir nada. Não é isso. Mas tudo é costume e prática. Depois que você passa a enfiar a cabeça para fora do veiculo todos os dias para sentir o vento, isso tende a se tornar um habito até mesmo involuntário. Twitter é viciante. São pessoas falando de assuntos que são do seu interesse, afinal, você só segue pessoas nas quais tem algum ou outro apelo contigo. Muitas das pessoas que ali estão, podem até ser ou se verem como antissociais, mas não quer dizer que elas não sintam vontade de interagir. Sentem sim essa necessidade, e este é o poder circular das redes sociais. Quando você precisa elaborar e ler artigos enormes e maçantes, isso soa quase como uma prisão sufocante no inicio. Ainda assim, pode se tornar habito e ser uma experiência fácil. Fechar a janelinha da distração e compartilhamentos também pode ser exercitado. É um vicio que precisamos superar, e que parece tomar conta do mundo contemporâneo. Meu nome é Roberta Caroline e eu tenho tentado melhorar apesar de adorar comentar animes em tempo real no twitter em capsloke (mas esse é um outro assunto, embora faça parte do mesmo problema).
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