Mirai Nikki é uma grande e divertida comédia. Essa é a
proposta do autor, e é assim que deve ser encarado.
Mirai Nikki se enquadra perfeitamente na definição básica do
que se entende como “thriller”, um gênero inconstante que transita entre a
calmaria, a ação alucinada e nervosa, e o choque do horror, com tomadas e
viradas rápidas que oscila entre diversos mini clímax e reviravoltas. Essa definição
pode muito bem ser um resumo do que você irá encontrar nessa série. Quando
surgiu, houve diversas comparações à Death Note (inclusive as más línguas diziam que Mirai Nikki era uma versão melhorada
do suspense de Oba e Obata), que continuam sendo propagadas continuamente.
Isto se deve à forma como ambas as obras se posicionam dentro do gênero thriller,
às similaridades e contrastantes existentes entre as duas obras, utilizando o
suspense e o raciocínio lógico de forma tão similares que é difícil fugir das
comparações, principalmente por se tratar de duas obras que são expoentes no
estilo narrativo que ostentam. Em ambos, há em foco um jogo mental, uma partida
da xadrez em que cada jogada, cada peça, influencia no resultado final.
No entanto, além de Mirai Nikki ser uma sátira ao gênero,
também não carrega nenhuma mensagem ideológica. O imenso sucesso dessa obra é proporcional
ao numero de detratores que possui. A fórmula utilizada por Sakae Esuno? Ele
não se leva a sério e se diverte com os clichês dos mangás de jogos de
sobrevivência, estes que são tão comuns e populares no Japão. Ele leva à
extremos seu casal de protagonistas: Yuki, um covardão que você verá em quase
todas as páginas chorando e se lamentando, e Yuno, uma stalker que se diverte
matando. O maior clichê deste gênero é sem dúvida o casal de personagens
principal, formado quase sempre por um bunda mole perdedor que por algum motivo
se torna especial no enredo, e uma yandere; uma garota perfeita, linda,
admirada por todos, inteligentes, habilidosas, que o ame incondicionalmente,
ainda que ele seja um boooosta, estando disposta a arriscar sua vida e até a
matar por ele. Ah, claro, essas personagens são possessivas e matam qualquer um
que se coloque entre elas e seu alvo. Yanderes é mais do que um clichê, assim
como as Tsunderes, elas são essencialmente objetivos de fetiche para os otakus;
Afinal, quem mais os amaria incondicionalmente além de suas mães (não raramente, nem essas os suportam)?
Yanderes os amariam pelo que eles são, e as tsunderes; uma fantasia criada para
justificar o fato de serem esnobados, onde a negativa da garota, quer dizer o
exato oposto.
Sakae Esuno não apenas subverte este tropo ao longo de sua
obra, com dá uma evolução e caracterização que não se vê no gênero [que presa
pela manutenção do status quo], como também descontrói toda a premissa. Yuki e
Yuno são um Yin e Yang – Um não existe sem o outro. Enquanto Yuno representa Yin,
o lado escuro; Yuki é Yang, a luz. A dinâmica dessa relação doentia é um dos maiores
trunfos da série, que se desenvolve entre um gato e gato até a última página do
mangá, onde você não pode afirmar com toda a certeza que Yuno ama realmente
Yuki, que suas intenções são realmente as melhores possíveis. O mais
impressionante são as técnicas utilizadas por Esuno quando se enfoca em Yuno e
Yuki: O uso constante de closes e jogos de luz e sombra quando eles não estão
entre beijos e amassos. Este elemento sempre marca bem a instabilidade de sua
relação, a confiança quebrada, a resignação de Yuki face ao inevitável quando
se vê obrigado a usar Yuno para poder sobreviver, o ciúme dela, tudo isto é ilustrado
com muita técnica visual, mesmo que o traço do autor não seja maravilhoso, ele
tem uma ótima técnica ilustrativa.
A perversidade fria e calculada de Yuno é fruto de uma
idolatria sem limites por Yuki, que encontra a tão sonhada segurança justamente
num amor com toques homoeróticos (vou
guardar segredo). Percebem o ponto da subversão? É comum que no gênero, o
garoto se sinta seguro ao lado da liderança feminina, que sempre ostenta grande
poder, mas Yuki em nenhum momento (até
certo ponto), não se sente seguro do lado feminino, encontrando a tão
pretendida segurança nos braços de um garoto.
A brincadeira proposta por Esuno, em sua obra prima, não
param por aí, mas eu teria que entregar todo o enredo se fosse destrinchar cada
particularidade (talvez em outra
oportunidade) e fetichismo. O ponto essencial é o domínio dos meios
utilizado pelo Esuno, a orquestração do olhar e dos gestos [palavra, olhar,
atitude de cada personagem que ganha contornos muito ambíguos], capaz de
capturar a atenção do leitor. Apreensão e expectativa compõe o lastro dessa
captura, que tornam a atmosfera em um terror inquietante através do suspense. Isso
é perceptível na leitura dinâmica de Mirai Nikki, que possui uma narrativa
muito estimulante.
Esuno utiliza como ninguém de páginas extras e side story’s
(espero que a JBC os lance, são fundamentais para a história. São 2 volumes centrado em 2 personagens muito queridos) para expandir seu enredo. Diálogos expositivos, explicações, motivações,
detalhes que foram omitidos na história principal, que poderiam tirar um pouco
desta dinâmica narrativa, são explanados nos extras seguindo uma linha contínua
e interativa com a história. O Critico Nippon já havia discutido em seu texto,
OVAs Que Engrandecem a Série, sobre como um material extra pode enriquecer
ainda mais a história principal de uma obra, e é fantástico como ele consegue
amarrar toda a história, tirando proveito desde aspecto. Mirai Nikki tem um
enredo que se utiliza de muitas reviravoltas e paradoxos temporais, e sempre
com coerência – Com direito à vários eventos absurdos, que Esuno usa intencionalmente
para dinamizar a narrativa: Personagens sabendo o que o outro está pensando e dialogando
por pensamentos e motos saindo de explosões de bombas de fumaça, são dois dos
maiores exemplos que você irá encontrar, e que inicialmente me deixou meio
confusa na primeira vez que li. O autor também tem a mania de introduzir diversas
subtramas, personagens e motivações que só serão explicados mais à frente, em
extras ou até mesmo no final do mangá, como por exemplo, a fixação de Yuno por
Yuki, e o porquê de demais personagens aparecerem em situações pouco
convencionais.
Para Hitchcock, o mistério raramente tem suspense, mas
alguns autores conseguem amarrar bem os dois gêneros e tirar proveito deste
fato; Este é o caso aqui. Além de um intricado suspense, há também uma espécie de
quebra cabeça que gera uma curiosidade repleta de emoção, e a emoção é um
ingrediente essencial do suspense. Particularmente, o humor negro nas
entrelinhas da narrativa é o meu ponto preferido, como eu disse, Mirai Nikki
antes de tudo é uma comédia, mas não no sentido conceitual.
Há algum tempo atrás, eu jamais esperaria um mangá com a proposta
de Mirai Nikki pela editora JBC, que ao longo desses anos, depois dos problemas
enfrentados pela editora Conrad, têm saído pela Panini: Mangás como Gantz,
Deadman Wonderland, MPD Psycho, Elfen Lied, Blood+, entre outros – Mangás que
são enquadrados algumas vezes como quadrinhos adultos [aqui no ocidente] por
suas quantidades de sangue, violência e insinuações sexuais, embora saibamos
que o publico alvo consumidor é principalmente o adolescente. É uma faceta
muito bem vinda ao mercado (que agora
também conta com a editora Nova Sampa, apelando para o mesmo filão), apesar
de infelizmente a JBC pouco investir em quadrinhos que são genuinamente adultos,
ao contrário da Panini, que à passos lentos, possui um catálogo de obras
maduras oriundo do Japão, invejável (que
só não consegue fazer frente ao da Conrad).
A qualidade física de Mirai Nikki pela JBC está muito boa,
apesar das páginas serem nos chamados papéis jornais, a capa é em papel
laminado fosco que faz uma bela diferença com relação às capas convencionais.
Ainda vem com as páginas coloridas do original, e também contracapas em cor. Além
disso, o papel jornal vem com boa gramatura, impedindo aquele efeito de
visibilidade de uma página para outra, ufa. Tem a presença dos extras no final, e comentários do autor na contracapa. Gostei da escolha em traduzir o título, ele tem um impacto maior para compradores casuais, traduzido, do que no original, e foi uma excelente opção em manter o original como subtítulo. A título de curiosidade, nos EUA é "Future Diary" e na Itália, optaram pelo nome original e sua tradução para o inglês como subtítulo, invertendo o que foi feito aqui no Brasil. O preço de R$13,90 é justo, claro (publicar mangás no Brasil é caro,
licenciar algo do porte de Mirai Nikki também), mas não há nada de extraordinário
no tratamento/acabamento dispensado pela JBC, lembrando que a Panini já fazia
este tipo de coisa há algum tempo, por um preço mais em conta. O diferencial é
somente o fato que a JBC agora está dando um acabamento melhor aos seus mangás,
o que somado à publicidade que estão fazendo e a interação com o público, algo
muito louvável. Algo que a Panini deixa muito a desejar. JBC caminha à passos
largos, que continuem crescendo.
Volumes: 12
Autor: Sakae Esuno
Publicação original: 2006/2010
Status: Finalizado
Demografia: Shounen
Publicação no Brasil: JBC
Lançamento: 2013
Valor: R$13,90
Compras online: Anime Pro, Comix, Jâmbo
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