segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Preview: Mirai Nikki – Diário do Futuro (editora JBC)


Mirai Nikki é uma grande e divertida comédia. Essa é a proposta do autor, e é assim que deve ser encarado.


Mirai Nikki se enquadra perfeitamente na definição básica do que se entende como “thriller”, um gênero inconstante que transita entre a calmaria, a ação alucinada e nervosa, e o choque do horror, com tomadas e viradas rápidas que oscila entre diversos mini clímax e reviravoltas. Essa definição pode muito bem ser um resumo do que você irá encontrar nessa série. Quando surgiu, houve diversas comparações à Death Note (inclusive as más línguas diziam que Mirai Nikki era uma versão melhorada do suspense de Oba e Obata), que continuam sendo propagadas continuamente. Isto se deve à forma como ambas as obras se posicionam dentro do gênero thriller, às similaridades e contrastantes existentes entre as duas obras, utilizando o suspense e o raciocínio lógico de forma tão similares que é difícil fugir das comparações, principalmente por se tratar de duas obras que são expoentes no estilo narrativo que ostentam. Em ambos, há em foco um jogo mental, uma partida da xadrez em que cada jogada, cada peça, influencia no resultado final.

No entanto, além de Mirai Nikki ser uma sátira ao gênero, também não carrega nenhuma mensagem ideológica. O imenso sucesso dessa obra é proporcional ao numero de detratores que possui. A fórmula utilizada por Sakae Esuno? Ele não se leva a sério e se diverte com os clichês dos mangás de jogos de sobrevivência, estes que são tão comuns e populares no Japão. Ele leva à extremos seu casal de protagonistas: Yuki, um covardão que você verá em quase todas as páginas chorando e se lamentando, e Yuno, uma stalker que se diverte matando. O maior clichê deste gênero é sem dúvida o casal de personagens principal, formado quase sempre por um bunda mole perdedor que por algum motivo se torna especial no enredo, e uma yandere; uma garota perfeita, linda, admirada por todos, inteligentes, habilidosas, que o ame incondicionalmente, ainda que ele seja um boooosta, estando disposta a arriscar sua vida e até a matar por ele. Ah, claro, essas personagens são possessivas e matam qualquer um que se coloque entre elas e seu alvo. Yanderes é mais do que um clichê, assim como as Tsunderes, elas são essencialmente objetivos de fetiche para os otakus; Afinal, quem mais os amaria incondicionalmente além de suas mães (não raramente, nem essas os suportam)? Yanderes os amariam pelo que eles são, e as tsunderes; uma fantasia criada para justificar o fato de serem esnobados, onde a negativa da garota, quer dizer o exato oposto.

Sakae Esuno não apenas subverte este tropo ao longo de sua obra, com dá uma evolução e caracterização que não se vê no gênero [que presa pela manutenção do status quo], como também descontrói toda a premissa. Yuki e Yuno são um Yin e Yang – Um não existe sem o outro. Enquanto Yuno representa Yin, o lado escuro; Yuki é Yang, a luz. A dinâmica dessa relação doentia é um dos maiores trunfos da série, que se desenvolve entre um gato e gato até a última página do mangá, onde você não pode afirmar com toda a certeza que Yuno ama realmente Yuki, que suas intenções são realmente as melhores possíveis. O mais impressionante são as técnicas utilizadas por Esuno quando se enfoca em Yuno e Yuki: O uso constante de closes e jogos de luz e sombra quando eles não estão entre beijos e amassos. Este elemento sempre marca bem a instabilidade de sua relação, a confiança quebrada, a resignação de Yuki face ao inevitável quando se vê obrigado a usar Yuno para poder sobreviver, o ciúme dela, tudo isto é ilustrado com muita técnica visual, mesmo que o traço do autor não seja maravilhoso, ele tem uma ótima técnica ilustrativa.

A perversidade fria e calculada de Yuno é fruto de uma idolatria sem limites por Yuki, que encontra a tão sonhada segurança justamente num amor com toques homoeróticos (vou guardar segredo). Percebem o ponto da subversão? É comum que no gênero, o garoto se sinta seguro ao lado da liderança feminina, que sempre ostenta grande poder, mas Yuki em nenhum momento (até certo ponto), não se sente seguro do lado feminino, encontrando a tão pretendida segurança nos braços de um garoto.

A brincadeira proposta por Esuno, em sua obra prima, não param por aí, mas eu teria que entregar todo o enredo se fosse destrinchar cada particularidade (talvez em outra oportunidade) e fetichismo. O ponto essencial é o domínio dos meios utilizado pelo Esuno, a orquestração do olhar e dos gestos [palavra, olhar, atitude de cada personagem que ganha contornos muito ambíguos], capaz de capturar a atenção do leitor. Apreensão e expectativa compõe o lastro dessa captura, que tornam a atmosfera em um terror inquietante através do suspense. Isso é perceptível na leitura dinâmica de Mirai Nikki, que possui uma narrativa muito estimulante.

Esuno utiliza como ninguém de páginas extras e side story’s (espero que a JBC os lance, são fundamentais para a história. São 2 volumes centrado em 2 personagens muito queridos) para expandir seu enredo. Diálogos expositivos, explicações, motivações, detalhes que foram omitidos na história principal, que poderiam tirar um pouco desta dinâmica narrativa, são explanados nos extras seguindo uma linha contínua e interativa com a história. O Critico Nippon já havia discutido em seu texto, OVAs Que Engrandecem a Série, sobre como um material extra pode enriquecer ainda mais a história principal de uma obra, e é fantástico como ele consegue amarrar toda a história, tirando proveito desde aspecto. Mirai Nikki tem um enredo que se utiliza de muitas reviravoltas e paradoxos temporais, e sempre com coerência – Com direito à vários eventos absurdos, que Esuno usa intencionalmente para dinamizar a narrativa: Personagens sabendo o que o outro está pensando e dialogando por pensamentos e motos saindo de explosões de bombas de fumaça, são dois dos maiores exemplos que você irá encontrar, e que inicialmente me deixou meio confusa na primeira vez que li. O autor também tem a mania de introduzir diversas subtramas, personagens e motivações que só serão explicados mais à frente, em extras ou até mesmo no final do mangá, como por exemplo, a fixação de Yuno por Yuki, e o porquê de demais personagens aparecerem em situações pouco convencionais.

Para Hitchcock, o mistério raramente tem suspense, mas alguns autores conseguem amarrar bem os dois gêneros e tirar proveito deste fato; Este é o caso aqui. Além de um intricado suspense, há também uma espécie de quebra cabeça que gera uma curiosidade repleta de emoção, e a emoção é um ingrediente essencial do suspense. Particularmente, o humor negro nas entrelinhas da narrativa é o meu ponto preferido, como eu disse, Mirai Nikki antes de tudo é uma comédia, mas não no sentido conceitual.


Há algum tempo atrás, eu jamais esperaria um mangá com a proposta de Mirai Nikki pela editora JBC, que ao longo desses anos, depois dos problemas enfrentados pela editora Conrad, têm saído pela Panini: Mangás como Gantz, Deadman Wonderland, MPD Psycho, Elfen Lied, Blood+, entre outros – Mangás que são enquadrados algumas vezes como quadrinhos adultos [aqui no ocidente] por suas quantidades de sangue, violência e insinuações sexuais, embora saibamos que o publico alvo consumidor é principalmente o adolescente. É uma faceta muito bem vinda ao mercado (que agora também conta com a editora Nova Sampa, apelando para o mesmo filão), apesar de infelizmente a JBC pouco investir em quadrinhos que são genuinamente adultos, ao contrário da Panini, que à passos lentos, possui um catálogo de obras maduras oriundo do Japão, invejável (que só não consegue fazer frente ao da Conrad).

A qualidade física de Mirai Nikki pela JBC está muito boa, apesar das páginas serem nos chamados papéis jornais, a capa é em papel laminado fosco que faz uma bela diferença com relação às capas convencionais. Ainda vem com as páginas coloridas do original, e também contracapas em cor. Além disso, o papel jornal vem com boa gramatura, impedindo aquele efeito de visibilidade de uma página para outra, ufa. Tem a presença dos extras no final, e comentários do autor na contracapa. Gostei da escolha em traduzir o título, ele tem um impacto maior para compradores casuais, traduzido, do que no original, e foi uma excelente opção em manter o original como subtítulo. A título de curiosidade, nos EUA é "Future Diary" e na Itália, optaram pelo nome original e sua tradução para o inglês como subtítulo, invertendo o que foi feito aqui no Brasil.  O preço de R$13,90 é justo, claro (publicar mangás no Brasil é caro, licenciar algo do porte de Mirai Nikki também), mas não há nada de extraordinário no tratamento/acabamento dispensado pela JBC, lembrando que a Panini já fazia este tipo de coisa há algum tempo, por um preço mais em conta. O diferencial é somente o fato que a JBC agora está dando um acabamento melhor aos seus mangás, o que somado à publicidade que estão fazendo e a interação com o público, algo muito louvável. Algo que a Panini deixa muito a desejar. JBC caminha à passos largos, que continuem crescendo.

Volumes: 12
Autor: Sakae Esuno
Publicação original: 2006/2010
Status: Finalizado
Demografia: Shounen
Publicação no Brasil: JBC
Lançamento: 2013
Valor: R$13,90