Você está maluca? Eu não vou assumir os negócios da família nem formar uma família. Meu exílio, é o meu quarto. Essa foi uma tentativa de interpretar essa imagem que inicia o post!
Sasami-san@Ganbaranai
(Sasami-san@Desmotivada)
é o que a tradução do título indica, a falta de vontade e auto estima em se
esforçar por aquilo que almeja, e não por acaso a protagonista é uma otaku em
uma série que fala a língua otaku. Em meio à excentricidade criativa de
Akiyuki Shinbo, a série oferece um cardápio recheado de fetiches e quotes; às vezes
refinados outras vezes vulgares e que só devem soar engraçados para quem consegue
se identificar e olhe lá, por serem diálogos e tirações de sarro que falam
muito do dia a dia do fã hardcore.
Sasami Tsukuyomi
(Kana Asumi) é uma hikikomori que há tempos não sai de casa nem vai às aulas,
dependendo de irmão mais velho, Kamiomi Tsukuyomi
(Houchu Ohtsuka), para lhe auxiliar nas tarefas mais impensáveis,
como higiene pessoal. Eu suponho que para um irmão siscon
(complexo incestuoso pela irmã), ajudar sua irmãzinha a tomar banho,
vestir e lhe dar comida; nada disso deve ser um grande incomodo, de fato. Aqui do meu esconderijo secreto eu consigo
escutar pelo poder da minha mente, diversas pessoas que dariam tudo para estar
no lugar de Kamiomi, mas você sabe, pessoas velhas fantasiando com garotinhas são
algo que só dá certo em animes – nada mais engenhoso então que criar a figura
de um homem adulto com uma irmã menor de idade, em situações em que ele nunca
mostra o rosto. Sasami é uma otaku hardcore que passa seus dias entre a cama,
as fanfics pervertidas que escreve, jogos e mangás. Suas únicas companhias é
uma vasta coleção de figures de suas waifus. LOL
Só que as coisas tendem a ficar muito loucas, porque
supostamente Sasami possui os poderes da deusa Amaterasu, mas não possui
consciência deste fato, com seus desejos mais íntimos se tornando realidade e
afetando todo o mundo lá fora. Um simples desejo de comer chocolate, de Sasami,
pode transformar um mundo inteiro em chocolate pastoso. Imagina se nós, mulheres, tivéssemos os
poderes de Amaterasu durante a TMP?
Tudo fica ainda mais estranho porque existem algumas
deidades xintoístas; Tsurugi Yagami
(dublada
pela espevitada Chiwa Saito e spoilers: que mais tarde se revela a verdadeira Amaterasu, a deusa do sol),
Kagami Yagami
(Kana Hanazawa como sempre
muito doce – o nome da personagem é baseado no mito Yata no Kagami, um dos três
tesouros sagrados do Japão e ligado à Amaterasu) e Tama Yagami
(Ai Nonaka, que dá tom uma personagem bem
diferente do que fizera com a Kyouko de Madoka Mágica – a Tama também tem o
nome baseado em um dos três tesouros sagrado do Japão, Yasakani no Magatama),
que sempre intervém fazendo com que o mundo volte à sua normalidade.
Sasami-san é uma adaptação de uma light novel que utiliza o
mesmo conceito de Suzumiya Haruhi [insira aqui algum subtítulo], ao menos
inicialmente, em que uma garota comum é dotada de poderes alheio a seu
conhecimento, alterando o mundo conforme seus sentimentos internos. Porém, a
temática e a sátira conceitual de Sasami-san misturando mitos folclóricos e
subcultura é mais complexa e exige certo conhecimento principalmente da cultura
xintoísta, para que algumas ações façam certo sentido. Por exemplo, Kagami é uma
cyborg modificada, qual sua relação com Yata no Kagami? Talvez uma referência
de estudos referente aos três tesouros sagrados, em que se acredita que o
original da peça Yata no Kagami tenha sido incendiado por samurais e replicado
posteriormente, usando suas cinzas, se tornando a simbologia máxima do
animismo: espíritos que podem ser qualquer coisa. Quem sabe? Do mesmo modo que se acredita que
apenas a joia Yasakani no Magatama está em sua forma original, fazendo com que
Tama seja retratada como uma personagem inocente e pura, a despeito de sua
idade e corpão.
Essas são apenas conjecturas, analisar o lado xintoísta da
série é algo que está além de minhas capacidades. Inclusive, o enredo traz
diversas reviravoltas e inserções de divindades neste aspecto – infelizmente, a
série acaba justamente quando a deusa da lua Tsuki-yomi (spoilers: o
Kamiomi Tsukuyomi, eu me senti uma lesada por não ter percebido antes
algo que estava tão na cara) faz sua aparição.
O autor original, que usa o pseudônimo de ‘Akira’, fez um
trabalho exemplar ao entrelaçar misticismo com tramas mundanas – está tudo
interligado engenhosamente – e desenvolver neste novelo um enredo sobre “crescer/amadurecimento”
de um ponto de vista satírico, utilizando cultura folclórica e subcultura. A
série chega a tocar em temas que atualmente está sendo bastante discutido aqui
no ocidente, sobre a geração atual japonesa que vêm abdicando de tradições
culturais e obrigatoriedades que são passados de pais para filhos a fim de
manter a tradição e o país de pé – eles estão mais individualistas, pensando
mais em si do que em famílias ou no sustentação do estado; e a série faz um belo esboço desse tema, que
comentei aqui no post
Sasami-san@Ganbaranai – Filha de Amaterasu. Este aspecto
representa o ponto forte da série, que mostrou saber dosar tramas
conflituosamente dramáticas, com o humor satírico/debochado.
Na divisão do mundo, Izanagi (divindade responsável pela criação do mundo), deixou com Tsuki-yomi,
o deus da lua, o comando do reino da noite; com Susanowo, deus da tempestade (infelizmente nem chegou a fazer a aparição
no anime, ao menos que eu tenha boiado em alguma parte); o domínio dos
mares, e Amaterasu, deus do sol; o reino do dia. Enquanto Amaterasu e
Tsuki-yomi estavam contentes, Susanowo se revoltou por não querer o que lhe
fora atribuído. Então, ele assusta Amaterasu, que se esconde dentro de uma
caverna, recusando-se a sair. Com a ausência de Amaterasu, o mundo inteiro
mergulhou na mais profunda escuridão, sem a luz da deusa do sol, nada nascia
nem crescia. Os outros deuses, que temiam que o mundo se tornasse caótico, decidiram
armar uma estratégia para tirar Amaterasu de seu esconderijo. Colocaram um
grande espelho mágico (Yata no Kagami)
nos galhos de uma árvore na entrada da caverna e fizeram com que todos os galos
cantassem incessantemente para parecer que o dia raiava. Fizeram grandes
fogueiras para iluminar o local providenciaram música e passaram a se divertir
com a dança apresentada pela deusa Uzume. Eles riam tanto que Amaterasu se viu
atraída pela curiosidade. Ela então afasta a pedra da caverna e pergunta o que
está havendo, e Uzume lhe diz que estão comemorando a chegada da nova deusa da
luz, que brilhava mais do que todos. Amaterasu, curiosa, começou a olhar pra
fora da caverna, até que se deparou com o seu próprio reflexo no espelho. Fascinada
e embevecida com tanta beleza, esplendor, nem percebeu que os deuses a puxavam
para fora da caverna. E foi assim que a deusa Amaterasu voltou ao mundo, trazendo
sua luz radiante e vitalizante.
O que tem haver tudo isso? Primeiro que Akira respeita a
mitologia com a conexão existente entre esses personagens
(Kamiomi, Tsurugi, Kagami, Tama), ainda que tomando certas
liberdades. Tirando o aspecto alegórico, nunca entendemos o porquê de Kamiomi
sempre esconder o rosto e mantê-lo protegido, o que provavelmente tem a ver com
[spoilers >]
o fato de
ele ser o deus da lua, irmão de Amaterasu. Mas o mais interessante é
como a mitologia de Amaterasu se encaixa no conflito de Sasami, que também se
recusa a sair da caverna. A tentativa dos outros personagens de trazê-la de
volta para o mundo cá fora, o mundo real, se assemelha ao gesto dos deuses na
tentativa de trazer Amaterasu para fora. Sasami-san@Ganbaranei tem diversas
camadas, a mais rica sem dúvidas são suas alegorias sobrepostas aos dilemas do
hikikomori japonês. O ‘@Desmotivada’ do título sempre traz uma perspectiva de
quem passa por este problema. Sua baixa estima faz com que se retraiam cada vez
mais e quando percebem, suas capacidades de socialização estão completamente
atrofiadas. Entre muitas causas, geralmente é sempre motivado pela dificuldade
de se relacionar e quando se dá conta, está preso numa areia movediça que
parece incapacitar qualquer reação. Além de tudo o que eu disse, ainda convém
frisar que mesmo a figura de sua mãe, se assemelha bastante com a figura mitológica
de Izanami, irmã e esposa de Izanagi, que acabara se perdendo no inferno – no inicio
da criação, só havia os dois irmãos, que envolveram sexualmente e deram vida ao
mundo. É um aspecto interessante da cultura japonesa que, que essencialmente é
xintoísta – a religião oficial do país – que nutre tanto fascínio pelo romance
incestuoso sem reprovações. A série inclusive pauta bastante esse tema.
Sobre a desmotivação da heroína, é interessante a forma como seu conflito é desenvolvido através de ciclos; passando por sua desmotivação e escapismo no entretenimento, seguindo para problema de dificuldade socialização, baixa estima, relacionamentos familiares, amigos, etc. e etc., culminando no aprendizado da importância de lidar com o problema ao invés de fugir dele. No segundo arco, com a introdução de novos personagens, Sasami já se
encontra mais sociável, mas ainda há barreiras que parecem intransponíveis,
como aumentar o círculo de amizade. É o arco mais leve em termos de mitologia e
alegoria, embora com um humor pesado e carregado de otakices. Algo que me sinto
sempre atraída em comédias nonsenses e aleatórias é como o humor consegue
construir uma ligação entre personagem e espectador sem precisarem ir fundo no
drama, se mantendo apenas na margem. É como encontrar uma amizade no período de
férias e cada vez que se aproxima do período da partida, recebe uma pontada no
peito, enquanto exibido um sorriso largo no peito, sem dizer nada. Ambos
percebem, mas evitam o assunto. Comédias tem essa particularidade mágica, e em
Sasami-san isso é perceptível, mesmo que predomine as situações absurdas.
Sasami-san, além de lembrar Haruhi no aspecto mitológico,
também leva consigo um pouco das
Monogatari Series no sentido de satirizar
subculturas. Mas enquanto na série de Nisio Isin o que chama a atenção são o
jogo de palavras e as desconstruções satíricas de gênero, a sátira imposta por
Akira é na inserção de figuras de mitologias em um contexto que brinca com os
mais famosos tropos otakus. Não sei dizer o quanto é da mente de Akira e o
quanto é da mente maluca do Shinbo, mas o resultado é satisfatório, embora muito
criticado; seja pelo caos narrativo, seja pela apelação dos tropos otakus. Shinbo
continua um diretor admirável com sua destreza em dirigir séries caóticas e
toxicamente confusas, colocando em cada uma sua visão muito particular. Em
Sasami-san ele está um diretor melhor que em
Maria Holic Alive ou Soredemo
Machi wa Mawatteiru, porque há um bom casamento entre imagem e texto,
timing,
pacing. Não digo que seja mais digerível por isto, mas é sem
dúvidas uma experiência interessante. Mas fica o pesar por ser uma obra adaptada de modo incompleto.
Nota: 07/10
Estúdio: Shaft
Diretor: Shinbo Akiyuki
Adaptação de Roteiro: Katsuhiko Takayama (
Mirai Nikki/
Ga-Rei-Zero)
Tipo: TV
Episódios: 12
ANN:
http://goo.gl/5Avk2F
MAL:
http://goo.gl/4iyH7M
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Shinbo é bastante criticado por isso, mas eu acho seu modo de dirigir, inserindo elementos de cultura pop + otakices algo que soa como uma grande brincadeira e como tal, costumo achar divertido, quando não se perde na narrativa.