terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sasami-san@Ganbaranai (2013) – Tradições Desmotivadoras

Você está maluca? Eu não vou assumir os negócios da família nem formar uma família. Meu exílio, é o meu quarto. Essa foi uma tentativa de interpretar essa imagem que inicia o post!
Sasami-san@Ganbaranai (Sasami-san@Desmotivada) é o que a tradução do título indica, a falta de vontade e auto estima em se esforçar por aquilo que almeja, e não por acaso a protagonista é uma otaku em uma série que fala a língua otaku. Em meio à excentricidade criativa de Akiyuki Shinbo, a série oferece um cardápio recheado de fetiches e quotes; às vezes refinados outras vezes vulgares e que só devem soar engraçados para quem consegue se identificar e olhe lá, por serem diálogos e tirações de sarro que falam muito do dia a dia do fã hardcore.
Sasami Tsukuyomi (Kana Asumi) é uma hikikomori que há tempos não sai de casa nem vai às aulas, dependendo de irmão mais velho, Kamiomi Tsukuyomi (Houchu Ohtsuka), para lhe auxiliar nas tarefas mais impensáveis, como higiene pessoal. Eu suponho que para um irmão siscon (complexo incestuoso pela irmã), ajudar sua irmãzinha a tomar banho, vestir e lhe dar comida; nada disso deve ser um grande incomodo, de fato.  Aqui do meu esconderijo secreto eu consigo escutar pelo poder da minha mente, diversas pessoas que dariam tudo para estar no lugar de Kamiomi, mas você sabe, pessoas velhas fantasiando com garotinhas são algo que só dá certo em animes – nada mais engenhoso então que criar a figura de um homem adulto com uma irmã menor de idade, em situações em que ele nunca mostra o rosto. Sasami é uma otaku hardcore que passa seus dias entre a cama, as fanfics pervertidas que escreve, jogos e mangás. Suas únicas companhias é uma vasta coleção de figures de suas waifus. LOL
Só que as coisas tendem a ficar muito loucas, porque supostamente Sasami possui os poderes da deusa Amaterasu, mas não possui consciência deste fato, com seus desejos mais íntimos se tornando realidade e afetando todo o mundo lá fora. Um simples desejo de comer chocolate, de Sasami, pode transformar um mundo inteiro em chocolate pastoso.  Imagina se nós, mulheres, tivéssemos os poderes de Amaterasu durante a TMP?

Tudo fica ainda mais estranho porque existem algumas deidades xintoístas; Tsurugi Yagami (dublada pela espevitada Chiwa Saito e spoilers: que mais tarde se revela a verdadeira Amaterasu, a deusa do sol), Kagami Yagami (Kana Hanazawa como sempre muito doce – o nome da personagem é baseado no mito Yata no Kagami, um dos três tesouros sagrados do Japão e ligado à Amaterasu) e Tama Yagami (Ai Nonaka, que dá tom uma personagem bem diferente do que fizera com a Kyouko de Madoka Mágica – a Tama também tem o nome baseado em um dos três tesouros sagrado do Japão, Yasakani no Magatama), que sempre intervém fazendo com que o mundo volte à sua normalidade.
Sasami-san é uma adaptação de uma light novel que utiliza o mesmo conceito de Suzumiya Haruhi [insira aqui algum subtítulo], ao menos inicialmente, em que uma garota comum é dotada de poderes alheio a seu conhecimento, alterando o mundo conforme seus sentimentos internos. Porém, a temática e a sátira conceitual de Sasami-san misturando mitos folclóricos e subcultura é mais complexa e exige certo conhecimento principalmente da cultura xintoísta, para que algumas ações façam certo sentido. Por exemplo, Kagami é uma cyborg modificada, qual sua relação com Yata no Kagami? Talvez uma referência de estudos referente aos três tesouros sagrados, em que se acredita que o original da peça Yata no Kagami tenha sido incendiado por samurais e replicado posteriormente, usando suas cinzas, se tornando a simbologia máxima do animismo: espíritos que podem ser qualquer coisa.  Quem sabe? Do mesmo modo que se acredita que apenas a joia Yasakani no Magatama está em sua forma original, fazendo com que Tama seja retratada como uma personagem inocente e pura, a despeito de sua idade e corpão.

Essas são apenas conjecturas, analisar o lado xintoísta da série é algo que está além de minhas capacidades. Inclusive, o enredo traz diversas reviravoltas e inserções de divindades neste aspecto – infelizmente, a série acaba justamente quando a deusa da lua Tsuki-yomi (spoilers: o Kamiomi Tsukuyomi, eu me senti uma lesada por não ter percebido antes algo que estava tão na cara) faz sua aparição.
O autor original, que usa o pseudônimo de ‘Akira’, fez um trabalho exemplar ao entrelaçar misticismo com tramas mundanas – está tudo interligado engenhosamente – e desenvolver neste novelo um enredo sobre “crescer/amadurecimento” de um ponto de vista satírico, utilizando cultura folclórica e subcultura. A série chega a tocar em temas que atualmente está sendo bastante discutido aqui no ocidente, sobre a geração atual japonesa que vêm abdicando de tradições culturais e obrigatoriedades que são passados de pais para filhos a fim de manter a tradição e o país de pé – eles estão mais individualistas, pensando mais em si do que em famílias ou no sustentação do estado;  e a série faz um belo esboço desse tema, que comentei aqui no post Sasami-san@Ganbaranai – Filha de Amaterasu. Este aspecto representa o ponto forte da série, que mostrou saber dosar tramas conflituosamente dramáticas, com o humor satírico/debochado.

Na divisão do mundo, Izanagi (divindade responsável pela criação do mundo), deixou com Tsuki-yomi, o deus da lua, o comando do reino da noite; com Susanowo, deus da tempestade (infelizmente nem chegou a fazer a aparição no anime, ao menos que eu tenha boiado em alguma parte); o domínio dos mares, e Amaterasu, deus do sol; o reino do dia. Enquanto Amaterasu e Tsuki-yomi estavam contentes, Susanowo se revoltou por não querer o que lhe fora atribuído. Então, ele assusta Amaterasu, que se esconde dentro de uma caverna, recusando-se a sair. Com a ausência de Amaterasu, o mundo inteiro mergulhou na mais profunda escuridão, sem a luz da deusa do sol, nada nascia nem crescia. Os outros deuses, que temiam que o mundo se tornasse caótico, decidiram armar uma estratégia para tirar Amaterasu de seu esconderijo. Colocaram um grande espelho mágico (Yata no Kagami) nos galhos de uma árvore na entrada da caverna e fizeram com que todos os galos cantassem incessantemente para parecer que o dia raiava. Fizeram grandes fogueiras para iluminar o local providenciaram música e passaram a se divertir com a dança apresentada pela deusa Uzume. Eles riam tanto que Amaterasu se viu atraída pela curiosidade. Ela então afasta a pedra da caverna e pergunta o que está havendo, e Uzume lhe diz que estão comemorando a chegada da nova deusa da luz, que brilhava mais do que todos. Amaterasu, curiosa, começou a olhar pra fora da caverna, até que se deparou com o seu próprio reflexo no espelho. Fascinada e embevecida com tanta beleza, esplendor, nem percebeu que os deuses a puxavam para fora da caverna. E foi assim que a deusa Amaterasu voltou ao mundo, trazendo sua luz radiante e vitalizante.
O que tem haver tudo isso? Primeiro que Akira respeita a mitologia com a conexão existente entre esses personagens (Kamiomi, Tsurugi, Kagami, Tama), ainda que tomando certas liberdades. Tirando o aspecto alegórico, nunca entendemos o porquê de Kamiomi sempre esconder o rosto e mantê-lo protegido, o que provavelmente tem a ver com [spoilers >] o fato de ele ser o deus da lua, irmão de Amaterasu. Mas o mais interessante é como a mitologia de Amaterasu se encaixa no conflito de Sasami, que também se recusa a sair da caverna. A tentativa dos outros personagens de trazê-la de volta para o mundo cá fora, o mundo real, se assemelha ao gesto dos deuses na tentativa de trazer Amaterasu para fora. Sasami-san@Ganbaranei tem diversas camadas, a mais rica sem dúvidas são suas alegorias sobrepostas aos dilemas do hikikomori japonês. O ‘@Desmotivada’ do título sempre traz uma perspectiva de quem passa por este problema. Sua baixa estima faz com que se retraiam cada vez mais e quando percebem, suas capacidades de socialização estão completamente atrofiadas. Entre muitas causas, geralmente é sempre motivado pela dificuldade de se relacionar e quando se dá conta, está preso numa areia movediça que parece incapacitar qualquer reação. Além de tudo o que eu disse, ainda convém frisar que mesmo a figura de sua mãe, se assemelha bastante com a figura mitológica de Izanami, irmã e esposa de Izanagi, que acabara se perdendo no inferno – no inicio da criação, só havia os dois irmãos, que envolveram sexualmente e deram vida ao mundo. É um aspecto interessante da cultura japonesa que, que essencialmente é xintoísta – a religião oficial do país – que nutre tanto fascínio pelo romance incestuoso sem reprovações. A série inclusive pauta bastante esse tema.

Sobre a desmotivação da heroína, é interessante a forma como seu conflito é desenvolvido através de ciclos; passando por sua desmotivação e escapismo no entretenimento, seguindo para problema de dificuldade socialização, baixa estima, relacionamentos familiares, amigos, etc. e etc., culminando no aprendizado da importância de lidar com o problema ao invés de fugir dele. No segundo arco, com a introdução de novos personagens, Sasami já se encontra mais sociável, mas ainda há barreiras que parecem intransponíveis, como aumentar o círculo de amizade. É o arco mais leve em termos de mitologia e alegoria, embora com um humor pesado e carregado de otakices. Algo que me sinto sempre atraída em comédias nonsenses e aleatórias é como o humor consegue construir uma ligação entre personagem e espectador sem precisarem ir fundo no drama, se mantendo apenas na margem. É como encontrar uma amizade no período de férias e cada vez que se aproxima do período da partida, recebe uma pontada no peito, enquanto exibido um sorriso largo no peito, sem dizer nada. Ambos percebem, mas evitam o assunto. Comédias tem essa particularidade mágica, e em Sasami-san isso é perceptível, mesmo que predomine as situações absurdas.

Sasami-san, além de lembrar Haruhi no aspecto mitológico, também leva consigo um pouco das Monogatari Series no sentido de satirizar subculturas. Mas enquanto na série de Nisio Isin o que chama a atenção são o jogo de palavras e as desconstruções satíricas de gênero, a sátira imposta por Akira é na inserção de figuras de mitologias em um contexto que brinca com os mais famosos tropos otakus. Não sei dizer o quanto é da mente de Akira e o quanto é da mente maluca do Shinbo, mas o resultado é satisfatório, embora muito criticado; seja pelo caos narrativo, seja pela apelação dos tropos otakus. Shinbo continua um diretor admirável com sua destreza em dirigir séries caóticas e toxicamente confusas, colocando em cada uma sua visão muito particular. Em Sasami-san ele está um diretor melhor que em Maria Holic Alive ou Soredemo Machi wa Mawatteiru, porque há um bom casamento entre imagem e texto, timing, pacing. Não digo que seja mais digerível por isto, mas é sem dúvidas uma experiência interessante. Mas fica o pesar por ser uma obra adaptada de modo incompleto.

Nota: 07/10
Estúdio: Shaft
Diretor: Shinbo Akiyuki
Adaptação de Roteiro: Katsuhiko Takayama (Mirai Nikki/Ga-Rei-Zero)
Tipo: TV
Episódios: 12
ANN: http://goo.gl/5Avk2F
MAL: http://goo.gl/4iyH7M

Temas Relacionados:
-Little Witch Academia – De Gainax ao Trigger
-Análise: Sasami-san@Ganbaranai – Filha de Amaterasu
-Sugar Sugar Rune: Eu vou pegar, o seu coração!

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Shinbo é bastante criticado por isso, mas eu acho seu modo de dirigir, inserindo elementos de cultura pop + otakices algo que soa como uma grande brincadeira e como tal, costumo achar divertido, quando não se perde na narrativa.





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