terça-feira, 20 de maio de 2014

Revisitando: Azumi (2003) – Sanguinária

“A força não vem dos músculos, mas da agilidade” 
Não me lembro exatamente quantos anos eu tinha quando vi este filme, provavelmente entre 11 e 12 anos, junto com o meu pai que é um ávido consumidor de tokusatsus e filmes de artes marciais japoneses. Devo ter assistido dezenas ao lado dele, dos quais nem me recordo do nome. A maioria, eu tenho certeza, repletos de efeitos duvidosos e sequências de ação que divertem pela beleza da coreografia e violência, ou seja, chute na porta soco na cara! Trash, sem a menor pretensão de ter a leveza poética de um O Tigre e o Dragão (Wo hu cang long). Confesso que me divertia e grande parte do que sou e gosto foi moldado assistindo esse tipo de coisa. Azumi faz parte dessas boas memórias, tendo eu passado alguns anos sem conseguir me recordar do título, tudo o que eu conseguia me recordar era da figura da garotinha franzina, mas que matava com uma extrema facilidade várias pessoas de uma vez só. Azumi ficou mistificada em mim, não pude evitar ficar deslumbrada em ver uma garota em meio a tantos homens, demonstrando tanta técnica e independência. Imagino que meus olhos tenham brilhado, crianças se surpreende facilmente, rs.

Só recentemente por acaso, ao me deparar com uma notícia da obra original, que me lembrei. Botei o olho e tive a certeza de ter encontrado o que procurava. Mas a mente pode ser muito traiçoeira, principalmente uma que ainda estava em formação e que só retia o que lhe interessava (no caso, Azumi sendo foda!). A nostalgia pode ser tão inebriante quanto o ópio, daí a facilidade em misturar o que se viu com o momento. Se aquele momento foi bom, as impressões serão as melhores, se você tem nostalgia daquela época, também é algo que afeta. Realmente, nossos padrões de julgamento podem se transformar bastante de acordo com o contexto atual de sua vida.

Filmes de chambara já foram (ou se ainda são, não sei dizer) um dos gêneros cinematográficos mais populares do Japão, eles refletiam o zeitgeist da época, de um país ainda intensamente arraigado no espirito samurai. Era a expressão máxima para o dilema que o povo japonês passava, enfrentando novos dilemas contraditórios. Não apenas no que diz respeito a cinema, quadrinhos também – a quantidade de obras a abranger o tema é a se perder de vistas. Entre tantas, Azumi é um mangá premiado de Yu Koyama, tendo iniciado em 1994 e finalizado em 2009 com 48 volumes. Dirigido por Ryuhei Kitamura (Godzilla: Final Wars, Lupin III – live action), essa adaptação segue com uma composição um tanto quanto estilizada, o que se nota numa das primeiras sequências do filme, onde em meio a um treinamento numa floresta, a coreografia é entrecortada por uma chuva de papeis repicados de modo a emular a ação de folhas dançando junto com os passos alucinados de jovens assassinos. Essa estilização segue durante todo o filme, onde o cenário artificial não faz questão de esconder artificialidade, pelo contrário, o incorpora como uma linguagem própria. É difícil ignorar os trejeitos afetados da grande maioria dos personagens e o cenário apertado que mais se assemelha com uma fotografia de filmes de westerns spaghetti, que de samurais. Ryuhei Kitamura opta por essa linguagem por ser obviamente uma produção de baixo orçamento, e embora se assemelhe mais com uma produção televisiva do que cinematográfica, a fotografia não decepciona. A sequência final é de uma sujeira visual inquietante.

Com a idol Aya Ueto no auge dos seus 17 anos vivendo o papel principal, mais uma narrativa que ao invés de ofensiva quer ser entretenimento pipoca, Azumi apesar de sangue jorrando na tela se apresenta com uma história leve e que suaviza todos os tipos de violência inerentes da história original. Os mais sensíveis ainda podem achar o filme violento, mas em nenhum momento há uma sequer cena explicita. É só sangue voando e as espadas mal tocando no corpo das pessoas. 
O filme abre com Azumi chorando sobre o corpo de sua mãe em um local desértico, quando o mestre Gessai (Yoshio Harada) passa por ela com mais 9 garotinhos, e a recolhe. Eles serão treinados por Gessai para se tornarem exímios assassinos, com a missão de matar 3 senhores feudais que ameaçam a paz do Japão com planos de guerra e derramamento de sangue.

Azumi retrata um Japão feudal extremamente pobre, abandonado a própria sorte, violento e misógino, com assassinos e estupradores andando por todos os lados cometendo as maiores barbaridades. O filme passa a impressão de que não há qualquer civilidade, com uma atmosfera sempre hostil contrastando com a teatralidade dramática da montagem e interpretação – porém falta desenvoltura para dar gravidade a diversas cenas chaves, dificultando a absorção. Uma das sequências que gostei bastante inicialmente traz um ritual de sacrifício que reflete o espirito e a ética samurai; neste sequências, Azumi e os 9 garotos com que cresceu precisam formar uma dupla com a pessoa que mais gostam, para logo em seguida Gessai exigir que eles travem um duelo mortal onde apenas um poderá sair vitorioso. Ao matar seus irmãos e cumplices, enterrar seus corpos e queimar a casa onde cresceram, eles viram as costas para tudo o que um dia foram, abnegando de suas vidas e histórias particulares em prol de uma ideologia. A coreografia em que eles duelam entre si é deficiente, mas o argumento em si e o peso deles diante de suas vidas enterradas e queimadas, é impactante o suficiente para que não seja necessário colocar em palavras o que é tão explicito no vídeo.
Infelizmente os atores que dão vida aos 5 assassinos não sustentam tamanho conflitos com suas atuações caricaturais e pouco expressivas. Aya Ueto é linda, esteticamente ela encarna maravilhosamente uma garota frágil, mas com uma habilidade fora do comum, porém é insuficiente para transmitir o espirito icônico e conflituoso de uma personagem como aquela. Ela sofre, fica divida, se rebela, mas ainda é difícil comprar o drama da personagem. Falta ambiguidade necessária para que uma personagem que não hesitou em matar o seu quase irmão e namorado quando se viu ameaçada, jogar tudo por alto num momento definitivo por um acontecimento que não tinha mais volta. Gessai perde sua liderança e nem conflitos internos nem a ética samurai conseguem se entrelaçar num fio condutor sólido. Mais talvez o maior lapso, seja na figura de Azumi, que quando empunha a espada, não consegue passar a firmeza e segurança que a personagem pede. Se não fossem os cortes rápidos da câmera e (de)efeitos especiais, Ueto mal conseguiria suportar o peso da espaça sem tremer as mãos. Os antagonistas serem atores com boa desenvoltura cênica cria um contraste abissal durante os confrontos. Em uma das melhores sequências, Azumi precisa enfrentar sozinha 200 vagabundos numa cidade claustrofóbica repleta de obstáculos, e é claro que a cinética da ação não convence, é tudo muito tosco, porém divertido pelo bom trabalho de câmera e edição de vídeo. A sequência lembra uma cena emblemática de Kill Bill, mas sem o virtuosismo cênico de Uma Thurman nem tampouco a edição performática do filme. 
Quem rouba a cena é o andrógeno e afetado Bijomaru Mogami, interpretado de forma espetacular pelo ótimo Jo Odagiri. As suas nuances fazem com que o personagem vá da cordialidade insana a um louco espalhafatoso, sem perder o ponto. Na melhor sequência do filme, ele e Azumi travam o esperado duelo de katanas, numa frenesi visual tão intensa, que até mesmo a câmera enlouquece girando em ciclos vertiginosos de 360° vertical pans. Os efeitos razoáveis e o CGI de qualidade duvidosa ainda estão lá, mas não o suficiente para stragar a bela performance da dupla.
Azumi encarna o tema clássico do cinema de chambara, sob a persona paradoxal do espadachim; samurai, ronin em ruptura com a figura de um mestre, explorando o conflito da dualidade estabelecida entre a revolução do novo ofertado pelo ocidente e a manutenção do tradicionalismo nostálgico idealizado de um Japão que simplesmente não existe mais. A resposta não é tão simples, o estado miserável da população, um Estado conflituoso e o impasse entre virar as costas para seus líderes ou obedecê-los cegamente. Isto ganha força na passagem onde Azumi renegar suas origens e começar novamente, não conseguindo negar quem de fato é realmente, evidenciando o conflito da identidade que não se dissipará apenas com uma escolha pessoal. Azumi tem todas essa questões típicas em seu subtexto.

Enfim. Ao menos, saio com a certeza de que realmente gosto dessa habilidade caricatural da Azumi de se mover como o vento, planar pelo ar e cortar quem seja apenas com um gesto. É absurdamente apaixonante ver que não há limites para a fantasia. A sequência final com Azumi surgindo do vácuo para decapitar mais uma cabeça é o ápice da ousadia. Então, por mais que seja um filme facilmente esquecível, o conceito da Azumi ainda deve permanecer em mim por muito tempo. 

Nota: 05/10
Direção: Ryuhei Kitamura
Roteiro: Isao Kiriyama
Trilha Sonora: Taro Iwashiro
Estúdio: TOHO
Tipo: Filme

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