sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Tokyo Ghoul (2014) – Coma Meu Corpo e Beba Meu Sangue

Nas escrituras sagradas, o corpo e o sangue santo significa nascer de novo, enquanto no outro lado da linha se encontra a luxuria. Conseguirá o protagonista resistir aos desejos e ascender espiritualmente?
A primeira coisa a ser dita sobre Tokyo Ghoul (particularmente, eu traduziria como "Vampiros de Tokyo") é que se trata de uma série tão sutil quanto uma marretada nos dedos, mas que sabe bem aonde quer chegar e o quê alcançar, com um senso de humor que explora o que poderia ser considerado questionável caso a série levasse a sério demais certos maneirismos dos personagens. É a fórmula clássica de personagens sádicos e retorcidos que encontram justificativas de seus atos hediondos em um passado traumático ou numa ideologia Darwinista. São todos tão sérios ou muito sádicos em uma escala progressiva de descontrole mental, com rostos e olhos distorcidos, frases de efeito e agressividade – o cômico e o dramático formam uma mistura hemogenia e apesar de ser uma linha tênue, ao contrário dos OVAs de Corpse Party, funciona bem porque os personagens soam convincentes

Em um dos melhores momentos de Tokyo Ghoul, um personagem com trejeitos afetados chamado Shuu Tsukiyama (Mamoru Miyano) se sente deslumbrado e excitado pelo "cheiro" do protagonista Ken Kaneki (Natsuki Hanae), que ao se cortar, limpa o sangue num lenço, e então Tsukiyama passa a carregar este pedaço de pano encharcado de sangue no bolso e sempre que tem oportunidade o aspira como se fosse uma carreira de cocaína. Suas reações são hiper extravagantes, com maneirismos e espasmos visuais. É tosco e ridículo, tornando estas cenas hilariantes, mas a fixação pelo Kaneki, querendo comê-lo (a série faz questão de deixar estas linhas de texto repletas de malícia) a qualquer custo, soa verdadeiro. E por isto funciona. No caso deste personagem, ele é um excêntrico gourmet, com gosto alimentares peculiares, servindo uma clientela de Ghouls de "alta classe" com carne humana. 
Tokyo Ghoul está repleto de conotações sexuais, do primeiro episódio em que o canibalismo surge como o despertar sexual ao último onde pétalas de flores brancas são manchadas de carmesim quando o ingênuo protagonista enfim sede à tentação ao se alimentar do fruto pecaminoso, se tornando "consciente". Claro, o conceito da série bebe diretamente do folclore vampiresco, que é intimamente ligado a metáforas sexuais, sendo a violação e a homoafetividade questões presentes nestas obras – assim como o clássico dilema de ceder ou não à fome. Embora "vampiros" caiba bem para descrever os personagens, a série utiliza o termo "ghoul" (que pode ser traduzido como "vampiro"), que no folclore são descritos como espíritos malignos, que supostamente roubam túmulos e se alimentam de cadáveres. Este anime é adaptação de um mangá homônimo que acompanha a trajetória de Ken Kaneki, um leitor compulsório apaixonado pela misteriosa e sedutora Rize Kamishiro (Kana Hanazawa). Ele se sente deslumbrado ao descobrir que ambos compartilham o gosto pela leitura e até mesmo a paixão pelo mesmo autor. O que o ingênuo Kaneki não poderia desconfiar é que Rize era um ghoul, seres que se alimentam de carne humana e que transformaram o mundo em um lugar muito mais perigoso para se viver. 

Como bom cavalheiro que é e temendo a segurança da frágil donzela, Kaneki ao acompanhar Rize até em casa é surpreendido com as presas da garota cravadas em seu pescoço. Mas antes que pudesse comê-lo, ambos sofrem um suspeito acidente em que ela morre e Kaneki fica entre a vida e a morte, com o medico transportando parte dos órgãos de Rize nele, salvando sua vida. 
O problema é que essa cirurgia transformou Kaneki em uma especie de Frankenstein, meio-humano e meio-ghoul, tendo que conviver com a presença de Rize em seu interior, simbolizando seus instintos. Em meio ao desespero, ele irá conhecer a tsundere ghoul Touka Kirishima (Sora Amamiya) e a organização Anteiku, que irá ajudá-lo a se adaptar à nova vida. 

O conceito de ghoul e o mundo da série possuem uma estrutura bem vasta e tramas entrelaçadas que levam a um destino, o resultado é que nenhuma trama da série ou personagem se sente desconectado de sentido no enredo global, todos levam a historia a algum ponto. É o mínimo que se espera de qualquer obra, mas em Tokyo Ghoul isto acaba se destacando pelo modo compacto da história, que sendo tão dinâmica e uma adaptação, corria o risco de ter tramas e personagens não resolvidos, o que é bastante comum em adaptações. Aparentemente o anime cobre por volta de uns 80 capítulos do mangá em 12 episódios. É muita coisa. Apesar de não conseguir fugir da sensação de que determinados personagens poderiam ter um desenvolvimento maior, a construção que possuem é eficiente. A direção de Shuhei Morita (dos elogiados Freedom e Kakurenbo) impressiona pela consistência e fôlego ao condensar tantos capítulos, sem se perder ou desperdiçar screetime. Independente do material original ser superior ou não, é uma adaptação que funciona por si mesma e fascina pela composição orgânica. Ele conduz bem o roteiro do novato Chuji Mikasano, que não tem nada de particularmente atraente. 

Gosto bastante da estruturação do mundo de Tokyo Ghoul. Há os ghouls, que com Kaneki e Touka, acreditam na coexistência pacifica entre ghouls e humanos, há os que apenas querem viver na marginalidade devorado carne humana à noite enquanto se misturam durante o dia, e aqueles que possuem uma ideologia de existência Darwinista, onde só os fortes sobrevivem. O que torna o conflito dos ghouls pungente é a fome animal que se instaura neles, levando-os a agirem compulsivamente num extinto animalesco, como uma besta selvagem – e no quão difícil é lutar contra este instinto primitivo de sobrevivência, levando em conta que ghouls não conseguem apreciar ou se nutrirem com alimentação humana. Se quiserem continuar vivos, precisam comer pessoas. Levando Kaneki e a organização Anteiku a uma situação paradoxal. Mas eles resistem, o que nos leva à questão primordial da série. Há diversos núcleos; os Anteiku que acreditam na coexistência pacifica, os Aogiri Tree composto por ghouls que querem subjugar a raça humana e o CCG (Commission of Counter Ghoul), organização governamental que visa exterminar todos os ghouls.
Todos são motivados pelo desejo de sobrevivência e senso de justiça, afinal, tanto humanos quanto ghouls se ressentem das perdas provocadas pelo outro lado. É paradoxal quando vemos ambos os lados clamando por justiça. O tema central da série tem sido sobre o círculo de vingança que se abate sobre todos os personagens, um ciclo interminável e uma profunda incapacidade de se compreenderem. Tanto ghouls quanto humanos são seres com livre arbítrio, e o que os tornam dignos ou não de compartilharem o mesmo ambiente não é sua raça, mas o auto-controle, o respeito à lei para uma convivência sadia em sociedade e a tolerância. Mas a questão é mais complexa que isto, tendo em vista que ghouls necessitam se alimentar de carne humana, e ainda que se alimentem de pessoas que morrem naturalmente, não deixa de ser ultrajante para o ser humano, fazendo do sonho de coexistência uma fantasia quase utópica. Isto torna Tokyou Ghoul uma história diferente da que vemos em X-Men ou qualquer série do gênero que se utilize da metáfora do preconceito racial, porque a questão aqui envolve a seleção natural do darwinismo, com duas especies dividindo um espaço onde apenas uma pode prevalecer. Obviamente, a questão sócio-politica é mero pano de fundo e portanto nunca veremos um desfecho culminando na coexistência ou extinção, como ocorre em Shiki, pois o enfoque de Tokyo Ghoul é na cadeia de ódio e no embate que surge deste paradoxo, se estabelecendo como um "dark battle shounen" autêntico (a demografia da obra original ser seinen é puramente por se tratar de um material violento graficamente, não por se tratar de uma obra madura)

Assim, a luta contra a metamorfose de Kaneki vai cedendo e perdendo o foco pouco a pouco para a necessidade que ele tem de ficar mais forte para defender aqueles aos quais se importa, novamente um retorno ao darwinismo social, onde apenas os mais aptos e fortes irão sobreviver. Akame ga Kill, Elfen Lied, Deadman Wonderland, Mirai Nikki, Gantz, e outras milhares de séries se utilizam desta mesma ideologia, um conceito que dá forma à própria existência do que se convencionou a chamar de "battle shounen". Tokyou Ghoul faz um trabalho excepcional ao longo de 12 episódios em dar forma e consistência a esta mentalidade, com a verdadeira transformação de Kaneki residindo na capacidade ou não de se aceitar como é e defender aquilo com o qual mais se importa. É essencialmente aquele velho paradigma, de "com poderes, vem grandes responsabilidades". Assim, Kaneki cede à voz interior de Rize, mas ao invés de ser dominado, ele procura dominar sua emoções. É o que diferencia a nós dos outros animais. Você consegue controlar seus impulsos? Ter auto-controle não é o mesmo que fugir e se resignar sem lutar. É o conflito no qual Kaneki precisou lidar por 12 episódios, passando por diferentes estágios, da negação a aceitação. Viver sem se manchar é utópico, como querer tocar o recipiente do graal sem macular sua pureza.
O último episódio é o ponto alto desta evolução e luta interna do personagem, com uma magnifica metáfora visual, em um campo revestido de flores brancas; cravos (inocência), que são lentamente manchados de vermelhos, se transformando em higanbanas (Lírio-aranha), a flor venenosa da morte e a representação da união entre dois amantes. É uma sequência de tantos sentidos e tão bela a forma como se desenvolve, como a perda da inocência, o que podemos subtender com um sentido sexual; a necessidade de Kaneki em lidar com um passado que sempre fugiu, manchando aquelas memórias brancas de vermelho e, claro, a aceitação simbólica de Rize, com ele a devorando e manchando completamente todas as flores. A partir de então, Kaneki já não é o mesmo. Completamente alterado (seu cabelo branco denota o anti-heroismo e um espirito psicologicamente afetado), o anime termina em uma sequência emblemática. Seria um fim horrível, mas felizmente é apenas o fim da primeira parte. O que lhe garante uma boa pontuação para um anime bem conduzido, de boa trilha sonora, animação e composição visual. 

Tokyo Ghoul continua em Janeiro... 

Nota: 07/10
Direção: Shuhei Morita
Roteiro:  Chuji Mikasano
Episódios: 12
Trilha Sonora: Yutaka Yamada
Origem: Adaptação
Estúdio: Pierrot
Página: ANN

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