domingo, 4 de janeiro de 2015

Amagi Brilliant Park (2014) – Uma Fabula Nada Infantil

No novo anime do KyoAni, personagens folclóricos de fabulas infantis invadem o mundo real e como tudo na vida, eles não são nada parecidos com as descrições das histórinhas. 
Em Amagi Brilliant Park (ou simplesmente “Amaburi”, contração da forma vocal como os japoneses leem o título da série: Amagi Buririanto Paku) acompanhamos as desventuras do narcisista e egocêntrico Seiya Kanie (Koki Uchiyama), estudante do ensino médio e ex-estrela infantil que se vê coagido por sua colega, a virulenta Isuzu Sento (Ai Kakuma), a visitar o parque que dá nome à série, hoje decadente e sem muitos visitantes. Amagi Park não é o que parece, no entanto, é na verdade o recinto de diversas criaturas mágicas refugiadas de Maple Land, que usam o parque como uma forma de extrair a energia mágica de seus visitantes, emitida através da diversão, e assim se manterem existindo no mundo humano. Mas eles estão em sérios apuros, pois o parque recebe cada vez menos visitantes, diminuindo sua fonte de energia, e pra complicar ainda mais estão prestes a perder a área para uma agência imobiliária se não atingirem 250.000 visitantes dentro de três meses. Por meio de um contrato forçado com a princesa Latifah Fleuranza (Yukiyo Fujii), Seiya acaba se tornando o gerente incumbido de salvar o parque e seus habitantes nestes próximos meses, mas a tarefa não será fácil.

Dirigido por Yasuhiro Takemoto (Lucky Star, Hyouka, Haruhi Suzumiya the Movie) e com roteiro adaptado por Fumihiko Shimo de uma light novel homônima escrita por Shoji Gatoh, Amaburi é uma série distinta do que o estúdio KyoAni tem feito ultimamente, assim como Hyouka e Full Metal Panic! The Second Raid também o foram; verdade seja dita, é um estúdio que ocasionalmente sempre surge com algo diferente, há pouco tempo Free! foi uma série que quebra um paradigma e abrange uma nova faixa de público – ainda que genuinamente seja o velho moe de sempre, só que com personagens masculinos –, mas olhando para Amaburi, uma série com bichinhos  antropomorfizados é algo que não se vê sempre em animes, e apesar de vários personagens bonitinhas que o autor cria como atrativo para a fanbase masculina, se nota que o que desperta seu interesse mesmo é nas situações de humor nonsense e pastelão envolvendo aquelas criaturas estranhas e pervertidas, que contradizem mortalmente suas fisionomias bonitinhas e infantis.
É difícil olhar para Amaburi e ver na série potencial para uma explosão de vendas. Seu humor é bastante subjetivo e com referências muitas vezes obscuras, como por exemplo; Seiya Kanie ser um personagem que teve o nome inspirado no do cantor pop Kanye West (que, segundo dizem, é egocêntrico e narcisista, portanto, talvez as referências vão além do nome...); Isuzu Sento no do rapper 50 Cent (será que ela ser séria, durona e agressiva é também um reflexo da personalidade midiática de 50 Cent? Questões!); e Latifah Fleuranza na ídolo pop Queen Latifah. Há ainda outras referências a series e personagens da cultura pop, que passam quase despercebidas; creio que o mascote Moffle ser espelhado no Bonta-kun de Full Metal Panic seja a coisa mais obvia na série, principalmente pelo fato de serem obras do mesmo autor, que comenta no primeiro volume da light novel ter reutilizado o mesmo design (com a aprovação do ilustrador anterior, Shiki Douji) por gostar tanto de Bonta-kun, que não conseguia diferenciá-los, em sua cabeça. Uma divertida curiosidade é o fato de Bonta-kun ter sido roubado por Sosuke (FMP) em um parque de diversões, o mesmo ambiente de Moffle... essas coisas não instigam a imaginação?

Bom, de certo que há muitas referências que não pegamos, mas apesar das situações de humor serem subjetivas, geralmente são facilmente perceptíveis, pois fazem parte das próprias características dos personagens e o seu modo de agir bem particular, como a fadinha Salama (Minami Tsuda) viciada na internet que está sempre conectada no twitter através do seu celular, a lasciva Tirami (Ai Nonaka) que é uma fadinha em forma de uma cãozinha rosa extremamente pervertida que está sempre tentando tirar vantagens sobre mulheres jovens, ou o próprio Seiya que apesar do seu egocentrismo, é na verdade um garotinho tímido e complexado, que nunca sabe lidar com assuntos íntimos e emocionais, colocando sempre uma mascará sobre a face para lidar com isto.
Isso é Amaburi, não há realmente uma grande história de fundo, e sim situações cotidianas que envolvem aqueles personagens na tentativa de manter o parque funcionando, e que claro, sempre acaba em confusão – mesmo a trama principal que se torna a razão existencial do enredo e força motriz para o protagonista Seiya, é só mera distração. Na light novel, o objetivo é alcançado ao final do primeiro volume, e obviamente surgem novas situações de conflitos em volumes seguintes, mas novamente a sua resolução não é o grande objetivo, e sim as situações que se criam na vida diária daqueles personagens. No anime, apesar de adaptarem capítulos que ocorrem em volumes posteriores, a resolução do conflito só ocorre no penúltimo episódio, e o fato de o último episódio ser mais um aleatório na vida diária do parque e seus funcionários nada convencionais (lutadores de luta livre mascarados, uma foca pirata e outras criaturas de comportamento inusitados compõe o imaginário do de conto de fadas moderno do parque), demonstra o quanto Amaburi é uma série episódica e de tramas ordinárias.

Nem tudo funcionou comigo, e nem tudo irá funcionar com você, pois é assim que se dá este tipo de composição; há coisas que irão te pegar de cheio e outras que não, ainda mais se tratando de humor físico e piadinhas pré-escolares, mas de modo geral Amaburi foi uma experiência aprazível e divertida. Principalmente pelo fato de cada episódio acabar destacando determinado (ou determinados) personagem e sua peculiaridade, e saber explorar com larga imaginação as estruturas de um parque e a fantástica existência daquelas criaturas míticas na era moderna sob a ótica cínica de uma pessoa adulta, pois há esse choque de valores onde a caracterização típica de um conto para crianças é vista pelos olhos adultos. Por mais incrível que pareça, o desfecho do conflito da trama principal é um dos episódios menos surpreendentes e um dos mais fracos. Apesar de estar revestido daquele sentimento de recompensa final, ele não é só previsível, com também é fraco por ter uma catarse sem grande inspiração. Penso que isso ocorre pela ausência de uma ameaça que realmente despertasse certo temor e criasse uma situação genuína de suspense, ainda que a forma como tudo ocorreu seja correta, carece de algo a mais.
Falando dos personagens, ver grande parte do elenco que compõe a cena ganhando substancia e presença de cena foi grata surpresa (o episódio focado nas quatro fadinhas fora de sintonia foi um dos meus preferidos; Salama desde então tem estado no meu coração); a Sento não se resumir a uma personagem inexpressiva como sugeria o primeiro episódio, mas sim uma personagem com certa consciência foi algo que me surpreendeu um pouco, vê-la confusa sem saber lidar com os sentimentos recém-adquiridos por Seiya é muito legal e cria diversas boas situações. Sento é um personagem que aparentemente nunca viveu este tipo de emoção antes e, brocutu como é, não sabe lidar com seus sentimentos e muito menos com as pessoa à sua volta, motivo pelo qual é, dentro daquela fantasia, a personagem da guarda real. Seria bom ver um maior aprofundamento da personagem e seus sentimentos, mas talvez fosse pedir demais em um anime adaptado de uma obra aberta, e além do mais, tivemos boas pinceladas disto em diversos momentos e um episódio voltado especialmente para este seu conflito. Seiya cai no mesmo patamar. É um protagonista com mais camadas que se poderia esperar, é agressivo e impulsivo, criou uma camada egocêntrica para se proteger, é uma pena não vermos seu conflito explorado a fundo, mas estamos falando de uma obra em aberto. Até mesmo a doente princesa Latifah mostrou ser um pouco mais do que se poderia esperar, onde mesmo sendo colocada numa situação passiva, não se furtou de também se envolver em diversas situações. Só tenho pena dela que, perto da Sento, ela fica completamente desbotada.
Amagi Brilliant Park se destacou também por caracterizar o ero-fanservice mais descaradamente, tendência que já vinha sendo seguida desde Chunibyo, embora com mais sutileza, e que vem se tornando gradativo através de Tamako Market, Free! e Kyoukai no Kanata – inclusive, Amaburi faz uma caracterização do ero-fanservice de uma forma muito similar ao presente em Kyoukai, fazendo um ângulo fechado em certas poses ou situações de fetiche, só que com muito mais presença. A direção soube encaixar isso de modo que não destoasse da composição e com um apelo sensual que sabe instigar a imaginação, e claro, se trata de um tratamento voltado especialmente para o demográfico masculino (que se nota inclusive nas situações de humor, que por vezes tem haver com tentar ver mais do que se é permitido da intimidade de uma mulher).

Quanto aos valores de produção, mantém o padrão de solidez do estúdio, mas é uma daquelas séries mais baratas e sem grandes requintes visuais que o KyoAni as vezes entrega, facilmente perceptível nas partes de ação em que se exigiam maior fluidez, e, no entanto, havia grande economia e truques para compensar a ausência da mobilidade exibida. Nem se compara aos recursos de Kyoukai no Kanata e nem a riqueza visual de Tamako Market. Ainda assim, lindo character design, que se mantém sempre estável, e boa fluidez quando não há cenas de ação (há diversos momentos muitos suaves nos trejeitos minimalistas dos personagens que é tão agradável), e a integração do CGI + 2D é muito boa, com várias cenas que é impossível a olho nu distinguir efeito CGI de animação manual. KyoAni faz um dos melhores usos desta tecnologia na indústria. O único momento que meus olhos captaram que fica bem abaixo do padrão é numa cena rápida, de segundos, onde uma arvore é partida pela metade no cenário escolar, é realmente feinha e explicita.

Eu gostaria que fosse uma adaptação completa, que fechasse tudo e abordasse os conflitos dos protagonistas com maior profundidade, e não uma obra em aberto, mas no fim das contas, ainda foi algo que me agradou e funciona pelo foco ser na comédia de situação e nas confusões diárias. Destaque especial para Sento. É sempre um deslumbre para os olhos acompanhar os trejeitos dela, além de vê-la fantasiada de pirata, em trajes sociais e com mosquetes que surgem magicamente por baixo de suas saias, sempre com muito perigo – ao estilo Mami de Madoka Magica. Eu não deveria comentar essas coisas aqui, não é? Mas não posso deixar de ser honesta! A Sento é maravilhosa e isto é um fato. 

Nota: 07/10
Diretor: Yasuhiro Takemoto
Composição de Roteiro: Fumihiko Shimo
Scripts: Chika Ishikawa, Fumihiko Shimo, Maiko Nishioka, Shoji Gatoh,Yasuhiro Takemoto 
Estúdio: Kyoto Animation
Episódios: 13
Fonte: Adaptação de Light Novel
Tipo: TV

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