quinta-feira, 11 de junho de 2015

[+18] Barairo no Kaibutsu (1982): Rose Colored Monster

Primeira obra compilada de Suehiro Maruo traz autor já com uma visão definida em relação a assinatura autoral, com simbologias e atrocidades chocantes. 
Nascido em 1956 em Nagasaki – Japão, Suehiro Maruo é o irmão mais novo de 7 irmãos. Diz-se que era uma criança muito só, e que durante toda a vida, trocou poucas palavras com o seu pai. Ele pintava o tempo inteiro, copiando mangás. Em 1971 ele abandona a escola; de espírito inquieto, aos 15 passa a morar sozinho e se muda para Tóquio onde começa a trabalhar numa oficina de encadernações; passou duas semanas presos quando foi pego roubando discos do Santana e do Pink Floyd numa loja de discos do seu bairro; aos 17 ele projeta seu próprio mangá, e o envia para a consagrada revista para garotos Shounen Jump – que os editores rejeitam, obviamente – mas este parecia ser o ponto necessário em que Suehiro deveria alcançar, pois eles justificam a recusa em publicar seu mangá, dizendo que por ser graficamente muito violento, ele deveria procurar uma revista que fizesse mais esse estilo; no entanto, somente aos 24 anos, em 1980, publica seu primeiro trabalho, da forma que quis, sem fazer concessões em relação à sua visão artística, esperando que o mundo aceitasse seu olhar extremo. Claro que, sua estréia começou em uma revista que publicava trabalhos de cunho pornográfico, só depois que conseguiu chegar à conceituada Garo, conhecida por seus mangás undergrounds não-comerciais.

Bem, essa volta toda julguei ser necessária para apresentar-lhes Barairo no Kaibutsu (Rose Colored Monster; ou simplesmente o ‘Monstro Cor de Rosa’), o primeiro trabalho compilado do mestre e um dos pilares principais do que se entende pela escola ero-guro (erótico e grotesco). Nesta coletânea de 13 oneshots, estão os seus primeiros trabalhos curtos, publicados entre 1981 e 1982. Barairo no Kaibutsu entrega um Suehiro Maruo longe ainda da sua melhor forma, mas desde já com evidências irrefutáveis do seu gênio indomável e emblemático em relação aos quadrinhos adultos japoneses. Sua obra se confunde com o nascimento de um estilo, e mesmo que ainda não tivesse alcançando a maturidade intelectual da sua arte, demonstra maestria e criatividade, ora em relação ao texto; ora em relação à arte esboçada nas páginas. Há, evidentemente, a imaturidade artística; inconstância e a alternância entre razoável e charmoso, que se é de se esperar de um artista ainda sem o domínio da sua carpintaria, mas é interessante observar que mesmo quando visualmente sua narrativa não é grande em determinada trama, seu texto é mordaz [e como costumeiro corre-se o risco de ser eclipsado pelas atrocidades gráficas apresentadas]. Ou quando o texto traz apenas o lugar comum, o estilo visual demonstra uma técnica que envolve o olhar em um estilo gráfico de namoro envolvente. 
Observe algumas páginas de Cabinet of doctor Caligari (a primeira história), em que ele mistura o vermelho vivo de alerta e perigo; mas também de fulgor e paixão, sobreposto aos planos contrastantes de puro P&B (procure ver em uma edição com boa definição de imagem), é de uma beleza visual invulgar, uma poesia onde o onírico e mundo material passam a coexistir em uma harmonia improvável, que dá o tom de fabula da história. Ele continuaria investindo nesta combinação em diversas outras, inclusive dentro da própria coletânea, em Knight of the ribbon (segunda história), um exercício deveras criativo repleto de estilo, que abandona o tom perturbadoramente poético do conto anterior e abraça os impulsos animalescos do homem em busca de algo que sacie seus desejos e lhes distraia de suas dores. 

The secret and the sad story of the camellia girl (quarta história; A Menina das Camélias) é a prequel de Mr. Arashi's amazing freak show (A história de Midori: Shoujo Tsubaki, que recebeu uma adaptação indie controversa para animação – que já comentamos sobre) e conta com o charme e poesia de Cabinet of doctor Caligari, porém sem o mesmo graciosismo, pois o intuito aqui é ser desconfortavelmente brutal. É uma das melhores peças do mangá, ainda que com uma linha conclusiva não muito criativa, é a história que reúne a essência da obra de Maruo; a poesia, o lúdico inocente manchado pela violência do mundo cínico, o onirismo contrastado à realidade, a melancolia que faz reflexo nos sonhos, a imensa pobreza corruptora, a brutalidade que toma tudo e todos de assalto. A arte gráfica neste caso não está em seu primor, mas há uma técnica belíssima de luz e sombras, de planos e contra-planos; de narrativa visual estática que aos nossos olhos parece se deslocar sob a lente de uma câmera. E são detalhes visuais sutis, mas graciosos. 
 

Deve-se saber que todas as suas histórias transcorrem durante a Era Show, período histórico de maior concentração de deformidades pela guerra e doenças, pobreza, de miscigenação cultural, fascismo militar e violência. São recursos que Suehiro explora em todas as suas obras, com maior ou menor intensidade, colocando características culturais pelas quais ele mesmo chegou a testemunhar. Nesse sentido, é importante não se deixar cegar pela putrefação de Kawayanosuke, nona história, que narra a vida difícil e mulher que é obrigada a abandonar seu filho-recém nascido numa privada, para que pudesse ela mesma ter a chance de ter uma vida; o garoto cresce em um mundo de merdas, literalmente, e passa a assediar as garotas de um banheiro de escola feminina ao sair de dentro da privada (ou simplesmente puxando-as para lá), no entanto, não há nele a perversidade e malicia de um homem típico, porque ele é essencialmente uma criança; o que faz do final da história muito mais do que o puro fetichismo, mas um típico transtorno psicológico da ausência de ruptura materna, que Sigmund Freud adoraria discorrer sobre. Nesse sentido, o horror de Maruo é similar ao do igualmente mestre Hideshi Hino (Panorama do Inferno, publicado pela editora Conrad), pois seu horror advém do terror social. No entanto, a ótica de Maruo é a de um sadismo perverso, que pode se dizer teatralmente melodramático – referência obvia dos ukiyo-e e Muzan-E (o próprio Maruo tem uma obra sobre esse tipo de arte em parceria com o mestre do estilo, Yoshitoshi, que também já comentamos sobre).

O estilo de Maruo emprega surrealismo, expressionismo alemão, com múltiplas influências de escritores consagrados como Georges Bataille, Edgar Allan Poe, o fotógrafo-artista Hans Bellmer, o pintor Otto Dix, além de diversas referências cinéfilas consagradas como Frankestein; Drácula; Freaks de Tod Browning; O Gabinete do Dr. Doctor Caligari; The Blue Angel, etc. O horror pela ótica do autor possui um vies com o fantástico, o que faz de todas estas referências algo natural, pois, no entanto, suas raízes são profundamente realistas; é na mente que se encontra o estado de adulteração – como em Dr. Galigari, um jogo psicológico em que o mundo onírico dos pesadelos parece ter encontrado uma brecha para a realidade.  Com uma pitada de delicadeza e senso de contrastes, Suehiro Maruo mistura sexo e sangue, disseca homem-mulher, e desmembra as relações humano-animal. Seu universo retratam a dor, decadência, desvio moral. Ele encena o terror e a tortura, com um certo humor negro que parece fazer concessão às alegrias secretas do proletariado, com elegância. Assim, ele não poupa ninguém, esmiuçando costumes e relações estigmatizadas. Barairo no Kaibutsu concentra todas estas questões, em histórias mais ou menos elegantes, mais bobas ou mais significativas; e sempre ofensivas do ponto de vista moral, alternando entre a lisergia e realidade, o inferno e o pesadelo. A indiferença é improvável, e faz deste um cartão de visitas interessante para quem se interessa em se aventurar pelo universo de Maruo, mas tem certo receio de não agüentar o coice. Aqui, as pílulas são sortidas, mas não menos fortes.

Nota: 08/10
Autor: Suehiro Maruo
Volumes: 01 (finalizado)
Publicação original: Seirindo
Demográfico: Seinen

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