Requiem from the Darkness (2003) é um convite para a escuridão no interior dos homens

Sejam bem vindos ao Réquiem das trevas! 

Requiem from the Darkness (Réquiem das Trevas) é adaptação de uma série de romances de mistério do escritor Natsuhiko Kyogoku, estreou em 2003 e passou despercebido, e acabou esquecido com o tempo. Existem vários animes assim. Mas não é com menos surpresa que pensei nisto quando descobri a existência desta série. Por que uma série que tão visualmente deslumbrante e criativa, caiu completamente no ostracismo? Assistindo é fácil de entender o motivo, se trata de uma série que possui episódios incríveis com tramas repletas de tensão e tecidas de forma inteligente. E há outros que simplesmente... não. Além disso, a abordagem já é naturalmente antipopular – mas também não foi adotada por nenhum culto. Há de se falar também dos personagens, mas enquanto Enma Ai de Jigoku Shoujo (Mamiko Noto ) consegue cativar o publico com sua inexpressividade, Momosuke Yamaoka (Toshihiko Seki) com sua alta expressividade se torna aquele parente chato e indesejável que você não vê a hora de que ele vá embora.

A história se desenvolve num cenário que se situa no fim do período Edo (1603-1868), mais precisamente a partir de 1860 em meio a conflitos políticos e sofrimento humano. O jovem autor de histórias folclóricas de terror, Momosuke, está cansado de escrever livros de enigmas para crianças e decide sair atrás do seu grande objetivo de escrever um livro de 100 histórias sobrenaturais verídicas. Em sua jornada, seu caminho acaba cruzando com o do misterioso trio: Mataichi (Ryusei Nakao) uma espécie de monge exorcista, é o líder do grupo; a insinuante Ogin (Sanae Kobayashi) é a mestre das marionetes, forjando assombrações escabrosas; e Nagamimi (Norio Wakamoto), um ser metamorfo que ainda conta com as habilidades de controlar animais. Eles são uma espécie de “detetives espirituais”, investigando velhos casos que se tornaram lendas sobrenaturais, evidenciando a verdade por trás dessas fantasias. Os espíritos obsessivos e vingativos, assim como as criaturas místicas sobrenaturais são comuns neste universo, mas a verdade é que as emoções humanas, tais como ciúmes; egoísmo; ódio; ambição e cobiça são sempre a chave de todo o mistério. 

Inicialmente, o trio tenta afastar Momosuke de seu convívio, mas este se torna convicto a fazer amizade com eles, e a medida que ambos acabam interessados nos mesmos casos, seus caminhos se encontram e eles acabam desenvolvendo um laço de companheirismo e amizade. A estrutura narrativa de Requiem from the Darkness é clássica no Japão, exatamente por este fascínio deles por contos sobrenaturais trágicos de horror e vingança, que na sua essência são histórias que tratam da justiça cármica – o karma e a vingança sendo os elementos mais recorrentes e importantes na construção de tramas de terror e mistério japonesas –, a interpretação de justiça dos personagens que se colocam no posto de juízes sentenciadores geralmente soam pouco ortodoxas, mas na verdade revelam uma visão bastante tradicional em relação ao comportamento humano. O terror é tradicional. 

“Este mundo está cheio de reviravoltas estranhas. O que é certo e o que é errado não podemos dizer. A vida é um mistério.” 

– Mataichi

Jigoku Shoujo é o exemplar mais conhecido desse tipo de anime, que se estabelece de uma forma episódica com histórias de vingança e justiça cármica, com dois ou três episódios finais centrados em seus protagonistas. Requiem from the Darkness é funcional como antologia até certo ponto; os enigmas e as reviravoltas são engenhosas e charmosas, envolventes de uma forma que faz uma labareda despertar em seu interior, com tramas fortes e evocando terror e suspense no seu melhor. Há um par de episódios em Requiem que são terror e suspense em sua melhor forma quando falamos de animes, uma mídia onde o gênero culturalmente não se sai tão bem, exatamente pelo interesse oposto dos japoneses, que usa da plataforma do terror mais como recurso visual para ilustrar um conto folclórico do que algo atmosférico que deseja despertar a loucura e pavor em quem está do outro lado. 

Por outro lado, Requiem from the Darkness tem peças muito frágeis que tornam a série muito aquém do que poderia ser. A escrita dos personagens acaba sendo o ele mais fraco. É claro que eles são articulados mais como gatilhos, mas sempre que precisam mostrar algo, esse algo é fraco e desinteressante, assim com a escrita em cima deles. Enquanto desponta com total indiferença, Nagamimi por ser um personagem com poucas falas e basicamente fazer figuração em um papel icônico, não compromete – já o monge exorcista Mataichi acaba por se tornar o mais recorrente em seu papel de liderança, e funciona por todo o mistério que o cerca; ele não fala muito, senão por frases de efeito e repletas de sabedoria, o que lhe favorece. Ogin é a personagem feminina típica, está ali apenas para ser o elemento feminino atraente e responsável pelo fanservice, que na maioria das vezes é anticlimático e disfuncional. É a pior personagem com a pior escrita, uma versão pobre e apenas e somente masturbatória da magnifica Faye Valentine (Cowboy Bebop) do período Edo. Mas nenhum deles se compara ao protagonista Momosuke, um moleque com conflitos rasos e superficiais que não possuem qualquer ponto que o validem; o auge é o seu apelo romântico por Ogin – nada surpreendente, afinal, no entanto as situações em torno disto se tornam desconfortáveis e embaraçosas justamente pela ausência de uma ponte: tudo surge aparentemente do nada e desaparece do nada, apenas quando o roteiro acha conveniente para determinada situação. Ele ainda é bobo e claramente virjão. Nada de anormal ser virgem mesmo depois de certa idade, mas ele é esse tipo de personagem estereotipado, se é que me entende. 

Nesse tipo de história não se pede personagens extremamente moldados e etc, mas por mais caricatos que sejam se faz necessário que tenham presença forte, exatamente por serem personagens-gatilho, que estão ali apenas para conduzir o enredo. É por tal coisa que Jigoku Shoujo tem se mantido como o exemplar mais conhecido dessas histórias folclóricas com abordagem mais pro lado do terror/horror entre os consumidores de animes. 

Requiem from the Darkness é também uma mistura entre visualmente deslumbrante e previsivelmente barato, em termos de animação. O anime conta com uma animação limitada e recursos inexistentes de fluidez, mas consegue dar a volta por cima com criatividade. Funciona como exercício visual, um dos aspectos mais interessantes e chamados da série. Há um certo charme cativante que nos leva de volta a animações dos anos de 1990, onde o jogo de luzes e sombras, o design dos personagens, o design do cenário; tudo era moldado com bastante personalidade em alguns animes, exatamente pela falta de recursos e tecnologia ainda um tanto primitiva, ainda que já se note sinais de avanço. Quando se fala de personalidade, não é relacionando exatamente com o que é melhor ou pior, mas referindo-se a algo que se diferencia de tudo o mais (claro que hoje é fácil fazer essa comparação, já que vivemos uma era diferente para a animação, no entanto, mesmo nos anos 90, não se vê tão facilmente animações como a de Requiem from the Darkness). A utilização do CG é totalmente retrograda e vulgar, contrastando dissonantemente com a beleza dos quadros de animação desenhados a mão. Outra coisa característica desta série o uso amplo de sombras: sim, não se enganem, é criativo, mas nada mais serve para tampar os buracos de uma animação limitadíssima. Novamente, é funcional e belo, combinando com maestria singular com a temática da série. Acredite: dificilmente você verá uma animação com tantas bordas negras consumindo o cenário e quase que engolindo os personagens. Nem cores tão intensas e belamente contrastantes uma com a outra. Penso que, por menor que tenha sido a história no fim das contas, foi uma experiência que me proporcionou algo por seu apelo visual e visceralidade da violência. E nem tudo é somente efeito de causa por animação limitado, há uma variedade de frames que revelam inteligência na composição visual que independe da fluidez da animação. A variedade de técnicas de animação limitada utilizada aqui é digna de fazer parte de um livro sobre o estilo. 

Aliás, muitos consumidores casuais de animes colocam Requiem from the Darkness nas aturas por conta da violência, personagens adultos e suposta complexidade das tramas. São os mesmos que colocam coisas como Wicked City e Bio Hunter como as melhores coisas já produzidas no Japão. Não se deixem enganar por falsos profetas. Requiem from the Dakrness já valeria por sua singularidade, mas falta um montante para ser mais. Assim como os dois animes citados, que utilizam bem a forma na linguagem visual, mas ainda não entregam o suficiente para ser mais.

Dirigido por Hideki Tonokatsu, um dos veteranos do estúdio TMS, sua mão tem um grande peso na forma que Requiem from the Darkness ganhou em sua versão animada; o uso de cores fortes e produção pesada é uma de suas maiores características, como se nota nesta série. Coloração saturada, estilização da estética visual, notada principalmente nos quadros de fundo dos cenários, e as performáticas angulações de câmera tornam Requiem from the Darkness uma série pensadamente visual, daquelas que mostram para os detratores que há cérebro por trás das produções de anime, embora seja verdade que em muitos casos estes estejam em pleno piloto automático. Mais até do que Tonokatsu, o diretor de arte Takashi Miyano merece bastante crédito por dar forma à vontade de Tonokatsu. Já tendo trabalhado em diversas séries de Lupin III, não será surpreendente se sentir uma reminiscência de Lupin em Requiem, em relação a utilização de cores e formas da identidade visual.

Nota: 05/10

Fonte: Novel

Episódios: 13

Diretor: Hideki Tonokatsu 

Roteiro: Hiroshi Takahashi, Sadayuki Murai, Yoshinaga Fujioka, Yuu Kanbara

Música: Kuniaki Haishima

Diretor de Arte: Takashi Miyano

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