[+18] Hiroaki Samura: Hitodenasi no Koi ~ Isso É Arte!

Se existe um antônimo de Range Murata para mim, este é Hiroaki Samura. Sou muito fangirl do trabalho de ambos e cada um se destaca naquilo que faz de melhor, mas tanto um quanto o outro, fazem pinturas simplesmente embasbacantes. Não dá pra simplesmente passar pelas “telas”, tem que dar uma paradinha, apreciar e observar todos os ângulos e cada detalhe. O Hiroaki Samura é conhecido no ocidente devido a sua obra mais famosa, Blade – A Lâmina do Imortal (Mugen no Juunin - literalmente "habitante do infinito"), mangá ainda em andamento, publicado desde 1994 e que já conta com 27 volumes encadernados. Chegou a ser publicado aqui no Brasil, pela Conrad, mas atualmente se encontra no “limbo” da editora. Quem conhece esse mangá, sabe que Samura usa uma abordagem bem violenta. Como também é um ilustrador magnifico, sabe como poucos, alternar entre lápis e nanquim, e criar um ambiente extremamente natural, com imagens de forte impacto.

Eu já conhecia Blade, mas não era muito intima de seu autor. Foi só depois de ver essa matéria (O Grande Guia do Hentai e Fetiches) da Allena, em um dos seus momentos de inspiração, que me vi mais interessada por esse universo hardcore das parafilias. Obviamente, eu sou muito curiosa e de alguma forma, cheguei até o Samura, que é um autor bem prolifico. Paralelamente à Blade, ele foi produzindo outras histórias, normalmente de curta duração, indo de oneshots a volumes únicos. Acha o cumulo do contraste, um autor produzir uma comédia romântica seinen como Ohikkoshi, passando por uma comédia josei como A Happy Birthday from Paradise até Hitodenasi no Koi (The Love of The Brute)? Eu acho sensacional. Até mesmo porque, sua característica sempre se mantem. Mas não tenho a intenção aqui, de falar sobre o Samura em si, mas sobre uma de suas obras; Hitodenasi no Koi – Várias ilustrações que ele fez nesse período, para diferentes revistas pequenas com enfoque na subcultura “Erotic Grotesque”, no período entre 1998 a 2006, quando finalmente elas foram compiladas e lançadas em um artbook pela editora Izumi Comics.

As expressões são excelentes. Tão reais que impressionam

O Samura, em sua série principal chama a atenção pelo seu traçado ágil e detalhista, que espantam pela fotografia bem trabalhada. Entre outras coisas, outro ponto forte em Samura, são suas mulheres. Elas são fortes e atuantes, num universo predominantemente masculino. Ironicamente, aqui temos uma inversão. Em uma das esparsas entrevistas, ele teria dito que chama essas ilustrações de fotos S&M (sadismo e masoquismo), e depois de ter chegado a 100 imagens, ninguém queria publicar, ao ponto dele ter considerado investir seu próprio dinheiro em uma publicação.

Bem, o livro foi publicado e seu teor é altamente questionável, mas não há como negar que é a mais pura arte. Mais uma vez vou dizer que, ironicamente Hitodenasi no Koi começa com bando de garotas visualmente inocentes, rindo e dançando e quando se vira a página; “TCHABOOM”, a terra se abre perante seus pés.

As virgens, alheias ao apetite carnal

Se apenas conhece Blade, esqueça os guerreiros encantadores ou não espere uma história de ronins e samurais, essa é uma coleção de desenhos feitos a lápis, com um cenário repleto de violência e tortura. Obviamente, para quem está de fora desse mundinho de parafilias, isso pode soar bem doentio e perturbador. Na verdade, eu estou me questionando nesse momento por não estar perturbada ou com o estomago revirando. De qualquer forma, é sim misógino e fetichista, certamente é algo que fácil de causar repulsa em uma garota. Mas eu, apenas consegui ficar admirada com a arte e fitando as imagens por um bom tempinho. Afinal, adorado ou repudiado, não da pra simplesmente diluir o talento artístico de Samura. Aliás, dá pra sentir o tom de sadismo dele, aqui. Isso me faz lembrar da inquisição, onde as mulheres acusadas de serem bruxas, eram barbaramente torturadas, segundo consta nos livros sobre a Santa Inquisição.

Esteticamente, Hitodenasi no Koi é um dos artbooks mais brilhantes que já pude apreciar, onde há um confronto estético entre a arte e a imaginação. Olhando as imagens, nota-se que elas possuem um “quê” de Hieronymus Bosch (pintor neerlandês dos séculos XV e XVI), um importante artista do movimento fantástico. Veja que a característica dos trabalhos dele são as cenas de pecado e tentação, onde ele recorre à utilização de figuras simbólicas e obscuras. A fantasia de Samura toma forma em imagens idílicas, que se misturam com o horror e BDSM.

A criatividade de Samura é sem limites e os objetos de tortura ficam cada vez mais exóticos

É brutal e belo ao mesmo tempo. Samura é um sacana nesse sentido. Ele gosta de trabalhar esse lado de traição e abuso sexual, sendo a quebra de confiança, um tema recorrente. Em algumas imagens, se você quiser ver dessa forma, há como enxergar contornos assim. Nada mais do que resquícios, porque o prato principal reside no deliciosamente perturbador, Bradherley's Coach, onde Samura fica brincando incansavelmente em cima disso. Sua arte é bem niilista, mostra um apetite carnal satisfeito em detrimento do outro. Samura é da escola de Toshio Saeki, Suehiro Maruo e Hideshi Hino. E isso, diz muito.

Enfim, minha ideia era só descrever Hitodenasi no Koi em dois parágrafos, e soltar algumas imagens selecionadas (como fez o @JudeuAteu, aqui), mas acabei dando margem a divagações. De qualquer forma, a tensão entre imagens idílicas e corpos perecíveis é o que torna essas obras tão interessantes de serem visualizadas, onde esses artistas escolheram o mundo onírico para a expressão da sua arte, crítica e anseios infantis. Nesse sentindo, não há uma grande diferença entre um rabisco de um sol feito a giz na calçada por uma criança e as ilustrações de Samura. Estão apenas dando asas às suas imaginações.

Hiroaki Samura sempre soltam poemas nas orelhas de suas séries, vou escrever dois deles e logo abaixo, algumas imagens selecionadas; Clique pra ampliar.

“Se quiser redimir-se de seus pecados

Viva ao lado do seu pecado pela eternidade.

Se até os bons têm suas almas salvas

O que dizer dos pecadores.”