Em uma ilha paradisíaca, um casal resolve aproveitar a bela
paisagem para recomeçarem novamente depois de um grave trauma do passado. Na
escuridão de uma floresta mergulhada na noite, sob a chuva torrencial, um homem
determinado persegue uma vítima aterrorizada. A decisão é tomada por Seiichi
Kirishima: hoje à noite, ele vai matar sua esposa.
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A sinopse acima poderia ser de um thriller hollywoodiano ou
de um livro do Stephen King. A montagem da história reflete um filão já
explorado ha 3 décadas no cinema americano; Humanos perseguidos por criaturas bestiais.
Os primeiros nomes que vieram a minha mente foram à refilmagem “Viagem Maldita” e a trilogia “Olhos Famintos”. Em comum, ambos têm o
enredo centrado em famílias perdidas no meio do nada, emboscadas por monstros e
arrastadas pra suas “malocas”. Há
alguns que são bons, e outros que são... bem, vocês sabem. Mas, como comentei
no post de Hiki, o horror é apenas
um elemento. Assim como é um elemento em Gantz,
mas você não espera que aquilo seja assustador. Pensando nisso, é bem
conveniente que aqui no Brasil muitos veem o horror e terror como gêneros distintos
separados por uma linha tênue. Mas ainda que para as outras culturas só exista
uma palavra, o horror, conseguem fazer uma boa distinção.
Dito isso, Hideout (Esconderijo),
de Masasumi Kakizaki é um razoavelmente bom thriller psicológico. Digo isso porque falta nessa série um elemento essencial, que é a claustrofobia, a representação do medo e a emoção do
terror, a insanidade, a tensão climática e o drama do thriller psicológico. Há
claro esforço para isso, mas não convence, uma vez que você não sente empatia
ou repulsa por nenhuma das “vítimas”. Masasumi Kakizaki é coautor [no caso, ele
foi o responsável pelo desenho] do opressivo, dramático, trágico e violento Rainbow e atualmente ele é responsável
sozinho pelo bem criticado Green Blood
– Sua arte é genuína. É bruta. Bem angular, com bastante enfoque nas feições
dos personagens e principalmente; seu traço tem uma virilidade que certamente
espanta pra bem longe o típico fã da suavidade dos traçados típicos de mangás shoujos. Suas
personagens femininas não possuem o traço suavizado [de, por exemplo, as fortes
mulheres das histórias de Hiroaki Samura]
e longe de serem desenhadas com aparência frágil, o que normalmente se vê é um
toque de virilidade, como podemos notar na Miki, esposa de Seiichi. Sua arte é riquíssima em detalhes e Hideout não
mereceria metade da nota final se não fosse pelos desenhos e layout, que dão
sensação de estar assistindo a um filme. Sua arte é o que chamam de “emular um
estilo real” e a linguagem visual aqui é cinematográfica.
Eu sei, eu sei que o que se entende por mangá é justamente sua narrativa cinematográfica, onde sempre
está acontecendo alguma coisa, onde o visual e os diálogo são dinâmicos. Eu sei
disso. Mas aqui, a montagem é realmente similar a um filme e assim vai até o final.
Aliás, a side story presente no mangá, ajuda a passar esse feeling. Se por um
lado a história é um tanto quanto clichê e possivelmente previsível com o
passar dos capítulos, há aqui algumas surpresas realmente interessantes. No
primeiro momento nos é mostrado um prólogo de capítulos à frente, onde Seiichi se
encontra amarrado nu, torturado psicologicamente, e sendo observado por uma
criatura de olhos aterradores. Logo a narrativa corta para o que [aparentemente]
é o inicio da história, com Seiichi e Miki planejando um tour pela ilha paradisíaca.
É-nos revelado bem pouco, mas o suficiente para entendermos
que aquele casal tem um problema e uma grande sequela que os amarra ao passado.
Logo, temos mais um corte na narrativa que nos leva para a side story, que nada
mais é que um flashback sendo contado aos poucos a cada capítulo, sobre os
eventos que levaram os dois àquela ilha. Com o passar dos capítulos, as peças
vão se juntando e formando o quebra cabeça, enquanto você acompanha uma
violenta, instigante e repleta de reviravoltas fuga pela vida de Seiichi e
Miki emboscados numa caverna sinistra, tomada escuridão. Não é um enredo que provoque medo, arrepios ou capaz de envolver com o drama de Seiichi [nem mesmo quando
enfim a verdade dos acontecimentos da side story vem à tona], mas é uma
história que consegue instigar quem lê. É um exercício de curiosidade, afinal,
você quer saber o que aconteceu com Seiichi e Miki antes de chegarem a terrível
situação atual, quer saber como será o desfecho daquela perseguição e quais
segredos esconde aquela caverna. Acompanhar o monologo de dá uma excitação pelo que virá a seguir e o autor é hábil na narrativa em capturar a atenção de quem lê.
Mas, como toda história que é exercício de curiosidade e
pouca diversão no percurso, o final tende a decepcionar – Embora,
particularmente o ache bem feito, faltando apenas à catarse final, pelos
motivos citados a seguir. Miki é a típica mulher arquetípica com selo de vadia
na testa, onde a única função aparente nos filmes do gênero é ter uma “boa”
morte. Suiichi tem seus motivos expostos e faz se entender como ele chegou
àquilo, mas seu estagio de psicose não emerge com naturalidade, e o personagem é raso para o que
a série propõe, onde, como bem típico no horror pós-moderno, desintegram-se os
valores, com os monstros e homens se confundindo.
A exploração pelo desconhecido universo sombrio da caverna e
seus habitantes acabam parando no meio do caminho, provavelmente pela falta de
espaço para desenvolver isso, e faço novamente uma comparação com “Olhos Famintos”, que consegue ser um
filme muito bom até sua metade, com um suspense estonteante que te prende a
atenção, mas que decepciona quando o “monstro” é revelado. Masasumi Kakizaki tem como influência o o grande Stephen
King e, conta ao final do mangá, sobre a oportunidade que lhe foi dada [a seu
pedido] de escrever uma história de horror, gênero pelo qual ele sempre fora obcecado.
E realmente as referências são bem obvias e bebe diretamente da fonte
americana. Mas ao mesmo tempo em que pega elementos interessantes, acaba
trazendo também as mesmas falhas. Masasumi Kakizaki propõe um “estudo” da
psicologia que não funciona, mesmo sua belíssima arte não se enquadra com os
rumos que a história segue [sua arte fica bem melhor num estilo de história que
prima mais pela violência e ação, aliada a tons mais maduros do enredo]. Nota-se uma falta de intimidade com esse tipo de história que precisa dizer muito visualmente. Horror
precisa ser um casamento perfeito entre imagem e diálogos, você precisava
sentir a tensão exalando nas páginas. Hideout é uma peça curiosa, e só pela sua
distinção do que normalmente se vê [caramba, um horror tipicamente americano
ilustrado em mangá], já vale a audiência, mas um editor sensato, certamente não
deixará Kakizaki seguir novamente pelos caminhos do terror.
Nota: 06/10
Editora:
Shogakukan
Revista:
Big Comics Spirits
Ano: 2010
Volumes: 01
Demografia: Seinen
Onde encontrar: Editora Panini
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