sábado, 14 de julho de 2012

Hideout: Um Thriller à lá Stephen King de Masasumi Kakizaki

Em uma ilha paradisíaca, um casal resolve aproveitar a bela paisagem para recomeçarem novamente depois de um grave trauma do passado. Na escuridão de uma floresta mergulhada na noite, sob a chuva torrencial, um homem determinado persegue uma vítima aterrorizada. A decisão é tomada por Seiichi Kirishima: hoje à noite, ele vai matar sua esposa.
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A sinopse acima poderia ser de um thriller hollywoodiano ou de um livro do Stephen King. A montagem da história reflete um filão já explorado ha 3 décadas no cinema americano; Humanos perseguidos por criaturas bestiais. Os primeiros nomes que vieram a minha mente foram à refilmagem Viagem Maldita e a trilogia Olhos Famintos. Em comum, ambos têm o enredo centrado em famílias perdidas no meio do nada, emboscadas por monstros e arrastadas pra suas “malocas”. Há alguns que são bons, e outros que são... bem, vocês sabem. Mas, como comentei no post de Hiki, o horror é apenas um elemento. Assim como é um elemento em Gantz, mas você não espera que aquilo seja assustador. Pensando nisso, é bem conveniente que aqui no Brasil muitos veem o horror e terror como gêneros distintos separados por uma linha tênue. Mas ainda que para as outras culturas só exista uma palavra, o horror, conseguem fazer uma boa distinção.

Dito isso, Hideout (Esconderijo), de Masasumi Kakizaki é um razoavelmente bom thriller psicológico. Digo isso porque falta nessa série um elemento essencial, que é a claustrofobia, a representação do medo e a emoção do terror, a insanidade, a tensão climática e o drama do thriller psicológico. Há claro esforço para isso, mas não convence, uma vez que você não sente empatia ou repulsa por nenhuma das “vítimas”. Masasumi Kakizaki é coautor [no caso, ele foi o responsável pelo desenho] do opressivo, dramático, trágico e violento Rainbow e atualmente ele é responsável sozinho pelo bem criticado Green Blood – Sua arte é genuína. É bruta. Bem angular, com bastante enfoque nas feições dos personagens e principalmente; seu traço tem uma virilidade que certamente espanta pra bem longe o típico fã da suavidade dos traçados típicos de mangás shoujos. Suas personagens femininas não possuem o traço suavizado [de, por exemplo, as fortes mulheres das histórias de Hiroaki Samura] e longe de serem desenhadas com aparência frágil, o que normalmente se vê é um toque de virilidade, como podemos notar na Miki, esposa de Seiichi. Sua arte é riquíssima em detalhes e Hideout não mereceria metade da nota final se não fosse pelos desenhos e layout, que dão sensação de estar assistindo a um filme. Sua arte é o que chamam de “emular um estilo real” e a linguagem visual aqui é cinematográfica.


Eu sei, eu sei que o que se entende por mangá é justamente sua narrativa cinematográfica, onde sempre está acontecendo alguma coisa, onde o visual e os diálogo são dinâmicos. Eu sei disso. Mas aqui, a montagem é realmente similar a um filme e assim vai até o final. Aliás, a side story presente no mangá, ajuda a passar esse feeling. Se por um lado a história é um tanto quanto clichê e possivelmente previsível com o passar dos capítulos, há aqui algumas surpresas realmente interessantes. No primeiro momento nos é mostrado um prólogo de capítulos à frente, onde Seiichi se encontra amarrado nu, torturado psicologicamente, e sendo observado por uma criatura de olhos aterradores. Logo a narrativa corta para o que [aparentemente] é o inicio da história, com Seiichi e Miki planejando um tour pela ilha paradisíaca.

É-nos revelado bem pouco, mas o suficiente para entendermos que aquele casal tem um problema e uma grande sequela que os amarra ao passado. Logo, temos mais um corte na narrativa que nos leva para a side story, que nada mais é que um flashback sendo contado aos poucos a cada capítulo, sobre os eventos que levaram os dois àquela ilha. Com o passar dos capítulos, as peças vão se juntando e formando o quebra cabeça, enquanto você acompanha uma violenta, instigante e repleta de reviravoltas fuga pela vida de Seiichi e Miki emboscados numa caverna sinistra, tomada escuridão. Não é um enredo que provoque medo, arrepios ou capaz de envolver com o drama de Seiichi [nem mesmo quando enfim a verdade dos acontecimentos da side story vem à tona], mas é uma história que consegue instigar quem lê. É um exercício de curiosidade, afinal, você quer saber o que aconteceu com Seiichi e Miki antes de chegarem a terrível situação atual, quer saber como será o desfecho daquela perseguição e quais segredos esconde aquela caverna. Acompanhar o monologo de dá uma excitação pelo que virá a seguir e o autor é hábil na narrativa em capturar a atenção de quem lê.



Mas, como toda história que é exercício de curiosidade e pouca diversão no percurso, o final tende a decepcionar – Embora, particularmente o ache bem feito, faltando apenas à catarse final, pelos motivos citados a seguir. Miki é a típica mulher arquetípica com selo de vadia na testa, onde a única função aparente nos filmes do gênero é ter uma “boa” morte. Suiichi tem seus motivos expostos e faz se entender como ele chegou àquilo, mas seu estagio de psicose não emerge com naturalidade, e o personagem é raso para o que a série propõe, onde, como bem típico no horror pós-moderno, desintegram-se os valores, com os monstros e homens se confundindo.

A exploração pelo desconhecido universo sombrio da caverna e seus habitantes acabam parando no meio do caminho, provavelmente pela falta de espaço para desenvolver isso, e faço novamente uma comparação com “Olhos Famintos”, que consegue ser um filme muito bom até sua metade, com um suspense estonteante que te prende a atenção, mas que decepciona quando o “monstro” é revelado.  Masasumi Kakizaki tem como influência o o grande Stephen King e, conta ao final do mangá, sobre a oportunidade que lhe foi dada [a seu pedido] de escrever uma história de horror, gênero pelo qual ele sempre fora obcecado. E realmente as referências são bem obvias e bebe diretamente da fonte americana. Mas ao mesmo tempo em que pega elementos interessantes, acaba trazendo também as mesmas falhas. Masasumi Kakizaki propõe um “estudo” da psicologia que não funciona, mesmo sua belíssima arte não se enquadra com os rumos que a história segue [sua arte fica bem melhor num estilo de história que prima mais pela violência e ação, aliada a tons mais maduros do enredo]. Nota-se uma falta de intimidade com esse tipo de história que precisa dizer muito visualmente. Horror precisa ser um casamento perfeito entre imagem e diálogos, você precisava sentir a tensão exalando nas páginas. Hideout é uma peça curiosa, e só pela sua distinção do que normalmente se vê [caramba, um horror tipicamente americano ilustrado em mangá], já vale a audiência, mas um editor sensato, certamente não deixará Kakizaki seguir novamente pelos caminhos do terror.

Nota: 06/10
Editora: Shogakukan
Revista: Big Comics Spirits
Ano: 2010
Volumes: 01
Demografia: Seinen
Onde encontrar: Editora Panini

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