domingo, 22 de julho de 2012

Mardock Scramble - The First Compression: Sexo, Violência & Sci-Fi


Violência. Sexo. Universo utópico. Sci-Fi. E girl with gun. A receita de um bom filme de ação. Ou algo assim.

Por meio de flashbacks, aprendemos que Rune Balot é uma garota de 15 anos sem-teto, que depois de ser estuprada aos 12 anos por seu pai, vive se prostituindo pelos cantos da cidade, sem perspectiva de futuro, nem um motivo para continuar viva, embora intimamente ela saiba que não quer morrer. Sem família, amigos ou moradia fixa, Balot é uma garota vazia e carente. Vemos que ela é resgatada por Shell, um homem rico e poderoso que promete dar a ela toda a atenção que necessita. No tempo atual, após transarem, Shell mata a garota, explodindo o carro para queimá-la viva, num esqueminha bem do mau caráter. Pelo que o filme dá a entender, esse tal de Shell cata garotas vadias pela esquina e depois as mata, queimando-as e com suas cinzas, cria diamantes azuis. Esse Shell é um magnata e sabe tirar proveito de suas “aventuras” (!).


Esse é o conceito de Mardock Scramble. O corpo humano [entre outros compostos químicos] e os diamantes são compostos por carbono (c). E assim você tem o conceito de sua série Sci-Fi.

Balot acorda com um corpo novo, depois de ficar anos em estado vegetativo em uma câmera líquida, como se fosse um feto, onde foi realizado uma série de perguntas a seu subconscientemente, dando a ela a opção de morrer ou continuar viva devido a um decreto de emergência para preservar sua vida chamada Mardock Scramble 09. Subconscientemente ela escolhe continuar viva, não quer morrer e acorda com um novo corpo, totalmente restituído, transformado em um cyborg onde mesmo sua voz passa a ser robótica. E com um plus, agora ela tem a capacidade de manipular a eletricidade e qualquer objeto eletrônico ao seu redor.

Salva pelo Doutor Easter e o ser biológico Oeufcoque [que pode se transformar em qualquer objeto], é então dada a Balot a opção de acompanhar as investigações contra o homem que tentou matá-la. Mas Shell faz parte da Corporação Octuber, uma poderosa organização criminosa que realiza atividades ilegais, que tentará a todo custo silenciar a garota.


***

Depois de assistir à Mardock Scramble, você vai sair a com a impressão estranha de que o diretor Susumu Kudo tentou emular o feeling base das séries de ficção cientifica centrada em “Girl with Gun”, que se consiste basicamente numa trama com o cenário de fundo futurístico, com uma sociedade distópica e uma garota, expondo sexualmente seu corpo de forma atrevidamente sexy [seja com trajes apertadinhos, nu frontal ou pelo sexy appeal. Ou tudo junto], ao mesmo tempo em que possui uma personalidade fria, sempre com uma arma na mão. Sem rumo, sem sonhos, sem família, com um corpo desprovido de espírito. Uma heroína trágica. A outsider típica do cyberpunk.

O conceito do corpo como uma máquina é amplamente expressa através da arte e mídia visual, o advento da tecnologia revolucionou o pensamento moderno e alimentou as fantasias que os nossos corpos aparentemente frágeis e vulneráveis ​​podem ser facilmente reorganizados, transformados e corrigidos. A partir do século XVII vem se explorando bastante essa formula do corpo feminino agregado a uma maquina, podendo-se corrigir partes defeituosas com microcirurgia, transplante de órgãos e/ou órgãos artificiais. A mulher modificada e se tornando o ser ideal, é um fascínio japonês, mas que encanta todo o mundo [principalmente o foco dessas obras, que é a audiência masculina]. No Japão, essa idéia vem sendo explorada a exaustão, mas a partir da obra prima criada por Mamoru Oshii, Ghost in the Shell (GitS), o conceito da dualidade de gêneros explorado de forma fetichizada, com sua Motoko sexualizada e a exploração estética da franquia sintetizado através da nudez constante e violência explosiva acabou subvertido.


Claro, nada mais natural, tudo que faz sucesso, tudo que influência, não apenas uma mídia, mas também uma geração acaba sendo copiado e modificado para fins comerciais – Nem sempre de forma eficaz. Oras, foi assim com Neon Genesis Evangelion, com Gundam, e recentemente – de forma minimizada – Madoka Mágica [sim!!!].

É uma ficção científica feminizada ou sexista? Ambos. E embora eu não pretenda tratar deste assunto aqui, é extremamente válida a menção ao grito da ala esquerdista dos amantes de ficção cientifica sobre a "feminização da ficção científica" e como isso tem arruinado os roteiros e subvertendo o conceito da tecnologia [que é sempre deixado em segundo e até terceiro plano, como visto aqui em Mardock Scramble] em prol de sentimentos baratos e outros estereótipos.

Embora eu ache o discurso exagerado [não me importando tanto assim, desde que saia algo minimamente bom], devo concordar que a objetificação feminina tem reduzido o potencial de muitas séries, principalmente na ala otaku [que tem sua própria lógica comercial e até por isso, acaba delimitando bastante um universo tão vasto e denso como o da ficção cientifica em prol do status quo. O resultado é um mar de sci-fis com elementos otakus, nada mais do que mediano pra baixo]. Mesmo o clássico revolucionário Blade Runner de 1982 – inspirado num dos romances do mestre do Sci-Fi, Philip K. Dick – já expressava esse conceito de estereótipo femme fatale na ficção cientifica. O fanservice mainstrem sempre esteve presente na mídia, o ponto é sempre como isso é colocado no vídeo e com foco em qual público.


“Estou feliz em dizer que ele traz de volta um elemento infelizmente falta em filmes recentes, nudez gratuita. (...) Agora vemos os seios apenas em filmes sérios, para expressar razões.” – Roger Ebert sobre BlackDynamite. Que serve de paralelo para Mardock Scramble, que tenta mostrar o sexo de forma séria, mas acaba soando falso na tentativa de uma justificativa [este que por sua vez também falha em ser um bom filme de ação psicológica. Que é o que almeja]. 

Black Rock Shooter atualmente é o melhor exemplo e que sintetiza tudo o que eu disse, onde temos garotas com partes mecânicas, infantilizadas e sexualizadas, onde a manutenção do status quo, é o que mantém a série como um produto ainda válido – Mesmo não vendendo bem em discos de BD e DVD, os lucros provenientes do merchandising, torna os licenciamentos da série algo muito valorizado no mercado. Claro que Mardock Scramble enquanto narrativa se sai ligeiramente melhor, mas apenas o fato do material original ser uma light novel, já o coloca no mesmo quadro. Claro que focando em outros recursos, como sexo e violência, mas o público é o mesmo.

Mas não é esse o problema de Mardock Scramble. O problema é que a série não se assume como é, e tenta, desastrosamente, parecer algo Cult ao dar sustentabilidade à sua heroína de apenas 15 anos e o fato da série explorar seu corpo frágil por meio de violência e sexo – Tudo isso embasado por um cenário futurístico Sci-fi e pretensiosamente sério ao invés de divertido. O que não é um problema para Kite, que não tenta justificar o seu apelo, nem para Mohiro Kitoh (Narutaru, Bokurano) que faz uso descaradamente de garotinhas entre 13 e 15 anos, inserindo-as num universo violento e sexualizado. Ou mesmo para Gunnm (Battle Angel Alita).


O problema é que faltou carpintaria a Susumu Kudo em fazer de Mardock Scramble algo mais divertido, ao menos no audiovisual. Que apesar de não ser novo na função e ter experiência, claramente não manja em ser o sujeito que, coordenando os recursos criativos, realiza um filme divertidamente pipoca para os fãs do gênero. É nesta falta de tato e refinamento que o filme afunda em inconstância. Temos dois terços do tempo dedicados ao desenvolvimento do roteiro e a sustentação daquela premissa, assim como de sua protagonista Balot. 

Antes de chegarmos no clímax, toda essa embromação rende alguns momentos [teoricamente] bacaninhas, como Balot se descobrindo como um novo ser, seus conflitos, sua adequação àquele mundo e tecnologia – Balot descobrindo uma câmera no banheiro em que fazia necessidades fisiológicas, foi algo muito legal. Ao mesmo tempo em que a seqüência em si é interessante, também acrescenta ao roteiro e a sua construção como “girl with gun” para os próximos filmes. Balot ainda ta presa à sua antiga persona e seus conflitos. Ela não fica chateada porque está sendo filmada. Ela fica chateada porque normalmente um vídeo como aquele, poderia lhe render uma boa grana. Ainda temos mais duas sequências pontuais, como quando ela está no transito e começa a usar seus poderes para atravessar os sinais vermelhos com o carro. Ao ser chamada a atenção por Oeufcoque, ela fica chateada. Aqui nos temos uma Balot ainda infantil, que não vê as conseqüências que seus atos podem acarretar.

A outra sequência antes do clímax, a parte do tribunal, onde Bailot iria depor contra Shell e novamente seria obrigada a revisitar todas as suas trágicas memórias. Ela não Pode falar. Apenas acionar um dos três botões para sim, não e silêncio. Pela primeira vez no filme, o drama de ser estuprada por seu pai e ter sua família completamente destruída, é abordada com serenidade, sem apelar para o melodrama. Novamente, uma cena que acrescenta ao desenvolvimento de sua personagem, seu crescimento como protagonista badass e à narrativa.


O filme se arrasta pensadamente para construir um bom clímax que terminaria em clifhanger e assim na sequência, talvez poder explorar aquele universo com mais liberdade. Tudo é pensado parar ir nessa direção, mas a execução acaba sendo sem inspiração alguma e de forma até metódica. Há bons momentos no filme e idéias singulares, que leva a um resultado paradoxal. Mardock Scramble é cheio das boas idéias, mas não consegue encadeá-las por completo. E muito disso se deve a certas escolhas de roteiro, uma protagonista sem carisma algum e com um desenvolvimento que soa completamente deslocado, uma tentativa falha de romance não declarado e personagens secundários genéricos, onde mesmo o vilão é subdesenvolvido e não trás nenhuma sensação de perigo real.

Embora clichês possam ser bem vindos se bem utilizados, aqui acaba ajudando a arruinar o filme.


Assim, Mardock Scramble passeia de forma descompassada por todas essas idéias e clichês [entre referências obvias a GitS], não conseguindo estabelecer completamente seus nexos, além de fracassar em desenvolver seus personagens, que não conseguem dizer tudo o que deveria, mesmo com toda a exposição dada. Mas o filme só tem um arroz com feijão sem tempero pra apresentar, falhando mesmo em ser algo bom para o gênero [mesmo o feeling trash inserido no clímax do filme falha nesse quesito]. O que nos conduz a outro paradoxo:

Mardock Scramble é umas dessas séries próximas do mundo-cão, concentrando a maior parte de sua força em representar “a vida como ela é”, onde a humanidade é cruel com quem menos merece. Contudo, a história de Boilet nos é contada da forma mais sem graça possível, com um drama que não convence, embora palpável. Com personagens tão sem graça, nem mesmo o espírito de sadismo pode ser exercitado. O roteiro de Ubukata Tow é muito pobre.

Mardock Scramble é um projeto de trilogia que visa adaptar todas as três light novels escritas por Ubukata Tow entre 2003 e 2010, pelo estúdio GoHands. Possui uma paleta de cores fortes e um tom predominantemente escuro, bem típico em filmes do gênero, mas não chega a ser algo exagerado como acontecia com Fate/Zero em sua versão para TV. A animação é até muito boa, para um projeto desse nível. Mesmo os flagrantes 3DCG sendo vistos a olho nu e usados em muitas cenas como contenção de despesas, são minimamente bem feitos. Mas de uma forma geral, mesmo a fotografia, acaba sendo tudo muito sem graça e monótono, porque o diretor não consegue extrair o melhor do audiovisual do filme.


Destaque: o encerramento com Amazing Grace (versão japonesa) por Minako Honda. Casou com o conceito da série e me fez lembrar os bons tempos de encerramentos épicos de Kara no Kyoukai.

Uma palavra: Fraco
Nota: 05/10
Direção: Susumu Kudo
Roteiro: Ubukata Tow
Estúdio: GoHands
Ano: 2010
Duração: 1:09 minutos (versão do diretor)

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