segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Entrevista: As Espirais de Junji Ito


Olha só quem voltou a ser tema aqui no ELBR!

É uma entrevista antiga, de 2006, mas bem interessante para quem curte o estilo de Junji Ito, que como sempre se mostra uma figura simpaticíssima, tornando a entrevista muito proveitosa. Aliás, ao contrário de muitos outros artistas de mangás, os de horror parecem ser sempre afáveis e carismáticos. Aqui, ele comenta de suas influências e a forma como vê a sua receptividade no ocidente. Eu sinceramente fiquei muito contente, quando entre nomes como Kazuo Umezu e Lovecraft, que já são influências mais do que obvias, ele cita alguns nomes bem obscuros – Como também confirmar sua inspiração em Steven Spielberg. Como fã de ambos, isso sempre me pareceu bem evidente. Ele também comenta sobre não ter habilidade em prosseguir com séries longas, o que é um ponto bem interessante, pois sempre notei essa deficiência quando ele se vê obrigado por questões editoriais, a esticar alguma história. Uzumaki e Gyo, apesar de serem bons trabalhos, com excelentes argumentos, parecem se perder em algum ponto da história, para depois se encontrar novamente no seguimento final.

Yuukoku no Rasputin
Apesar disso, um dos seus mangás atuais, Yuukoku no Rasputin, baseado no romance de Masaru Satou, está sendo serializado desde 2010 na revista seinen Big Comic, da Shogakukan (editora para o qual ele escreve todos os seus trabalhos, desde 1998, com Uzumaki), e é bem diferente das coisas que ele faz normalmente, já contando com 3 volumes. Vale ressaltar que apenas a arte é de sua autoria, o roteiro é de Takashi Nagasaki, editor e autor de mangás, o braço direito de Naoki Urasawa, que contribuiu com, entre outras parcerias, Monster, 20th Century Boys, Pluto e é co-autor de Billy Bat (atual mangá de Urasawa). Infelizmente ainda não há tradução para Yuukoku no Rasputin, mas superficialmente, parece ser um grande trabalho, com o estilo artístico habitual de Ito, porém, sem aquelas obscuridades. Bom, este é um mangá que se passa no período da Guerra Fria, tendo como palco, Japão e Rússia. Agora chega de papo.

Créditos: 78magazine
Tradução: Mira Bai/ Miyako Takano
Tradução para português: Por mim mesma

P.s.: Entre parentes, alguns comentários tecidos por mim.

***

P: O que te inspira a escrever sobre terror?

R: Eu me inspiro em várias coisas que acontecem na minha vida diária. Eu vejo as coisas de ângulos diferentes, e muitas vezes eu tenho ideias interessantes dessa maneira.

Eu recebo inspiração principalmente de filmes de terror, histórias de mistério, e quadrinhos de terror. Cenas e sons naturais, tais como o crepúsculo e trovoadas também estimulam a minha criatividade.
Ultimamente, tenho me interessado em documentários sobre samurais antigos. Eu também estou muito interessado no trabalho de fantoches. Terras perdidas e culturas são uma grande fonte de inspiração também.

P: Você declarou que a arte de Kazuo Umezu é uma grande influência em seu trabalho. Como assim? O que sobre o trabalho dele que você gosta?

R: Kazuo Umezu tem sido o meu artista favorito em quadrinhos por quanto tempo eu consigo me lembrar. Seu trabalho é muito inspirador. Quando eu desenho quadrinhos eu sou influenciado por seu trabalho, mesmo sem perceber, e acredito que muitos outros artistas também o são. Seus quadrinhos deixam uma impressão duradoura devido à arte de alta qualidade e narrativa convincente. Eu não acho que qualquer quadrinhista de terror possa ultrapassá-lo no Japão. Meus quadrinhos favoritos de Umezu são "Drifting Classroom",  “Kyoufu” e “The Grave of Butterfly (Roberta: história da coletânea Scary Book)”.

P: O que inspirou o conto estranho e assustador de “Tomie’’?
Tomie

R: Comecei a escrever "Tomie", porque eu queria criar um conto bizarro de uma pessoa morta que volta à vida como se nada tivesse acontecido. Eu fui inspirado pelo fenômeno da regeneração da cauda das lagartixas. "Tomie" é uma história onde as pessoas são fascinadas com a beleza de uma garota, chegando ao ponto de matá-la, acelerando seu renascimento. A proliferação (Roberta: Imagem ao lado) de "Tomie" foi criada duranta a escrita do enredo da série, o que ajudou significativamente para transmitir o conceito de regeneração.

P: "Espirais" parecem ser um símbolo de destaque em muitos filmes japoneses, mangás e animes. O que é que a espiral representa na cultura japonesa, e o que te inspirou a escrever “Uzumaki”?

R: A "espiral" não é normalmente associada com a ficção de terror. Normalmente, o padrão é que espirais marquem as bochechas de personagens nos desenhos animados japoneses de comédia, o que representa um efeito de excitação. No entanto, eu pensei que poderia ser usado em história de terror se eu desenhasse de uma maneira diferente. Espirais são um dos padrões japoneses mais populares, desde há muito tempo, mas eu não sei o que o símbolo representa.
Uzumaki

Acho que espirais podem ser o símbolo do infinito. As diferentes fases da espiral (em "Uzumaki") foram definitivamente inspiradas nos romances misteriosos de HP Lovecraft. Seu expressionismo em relação à atmosfera inspira muito o meu impulso criativo.

P: Em muitos de seus contos os cabelos das personagens femininas parecem assumir uma vida própria. Por que isso? O que isso representa? Caso represente algo.

R: Historicamente, longos cabelos negros têm sido símbolos das mulheres japonesas, e a maioria das mulheres valoriza esta imagem. O cabelo longo de uma mulher é comum no terror japonês, porque transmite uma sensação envolvente do movimento. Eu acho que evoca o medo nas pessoas inconscientemente. Por exemplo, sabemos o que as cobras são, mas elas ainda evocam sentimentos assustadores dentro de nós, e por razões semelhantes, o cabelo traz o mesmo sentimento no terror japonês.

P: Muitas de suas histórias como "Uzumaki" e "Tomie" tornaram-se filmes de sucesso. O que você acha das adaptações cinematográficas de seu trabalho?

R: A produção de um filme não é tão fácil quanto criar quadrinhos. Cinema envolve muitas pessoas, e bastantes responsabilidades, como os programas de produção e orçamentos. Meus quadrinhos originais são criados exclusivamente por mim, por isso é feito da maneira que eu vislumbro isso.

Comics utilizam-se de imagens, ângulos e sentimentos que são difíceis de criar no mundo real. Eu acho que é difícil de reproduzir a atmosfera de uma história em quadrinhos para o cinema, porque um filme tem de utilizar atores reais e atrizes que não são perfeitamente compatíveis com o meu trabalho original.

Eu sempre procuro ver o que um cineasta faz com minhas histórias originais, e eu realmente acho que um grande diretor possa fazer um bom filme ao fundir seu próprio estilo com o meu trabalho.

P: Quais quadrinhos americanos, filmes ou cineastas que você gosta?

R: Eu não sei muita coisa sobre quadrinhos norte-americanos, mas eu realmente amo os cineastas americanos. É difícil dizer quais os filmes que eu mais gosto, mas "O Exorcista" e "Operação Dragão" são dois dos meus favoritos. Eu amo filmes de monstros, bem como, e eu tenho um grande respeito por Wills O'Brien (Roberta: Willis H. O'Brien. Mestre do Stop Motion, que inovou a cena de efeitos especiais em Hollywood, criando uma nova linguagem de efeitos especiais, embora permaneça sob a obscuridade até hoje, foi ele criou a imagem que temos na mente de King Kong, como igualmente a idealizou as trucagens necessárias para a sua mobilidade ao longo de todo o filme, assim como o cenário), e Ray Harryhausen (Roberta: Outro grande diretor americano de efeitos especiais, sendo reconhecido por suas animações). Eu também gosto de Hitchcock, Spielberg, e Chaplin.

P: Você sente falta odontologia?

(Roberta: Como você pode conferir neste post, antes de iniciar na carreira de mangaká, Ito trabalhou com odontologia)

R: Odontologia exige habilidade de um artesão, e eu estou muito orgulhoso por eu ter trabalhado como técnico de prótese dentária. Havia mais habilidades que eu precisava desenvolver, e por algum tempo eu tinha um pouco de arrependimentos sobre não ter seguido essa carreira. No entanto, a criação de histórias em quadrinhos é muito mais emocionante do que a odontologia, e eu não me arrependo de nada agora.

Gyo, em referência obvia ao filme de Spielberg

P: O que o inspirou a escrever "Gyo”?

R: "Gyo" foi definitivamente inspirado por Steven Spielberg, com o filme "Tubarão". Ele magistralmente captou a essência de medo na forma de um tubarão canibal. Eu pensei que isso ficaria ainda melhor para capturar esse medo em um tubarão canibal provocando o terror na terra, bem como do mar.

P: O que o levou a se envolver com o filme de terror independente “Marronnier”?

Junji Ito, no filme Marronnier
(Roberta: De 2004, dirigido por Hideyuki Kobayashi, é a história de um artista que trabalha criando bonecas. Ele percebe que existe tem um jeito de deixar as bonecas mais perfeitas, usando garotas reais como cobaias – Junji Ito faz uma aparição como um pintor, e o filme trata de um universo mais cômico, diferente de Uzumaki e Tomie. Ele diz ali abaixo que foi um sucesso, mas o mais provável é que esteja se referindo ao sucesso pessoal, já que os idealizadores nunca almejaram um grande sucesso comercial)

R: Fui convidado para projetar um personagem original para a "Koganemushi Companhia Teatral", por Hideyuki Kobayashi, que é um dramaturgo de marionetes, que também é o presidente do meu próprio fã-clube. Eu projetei uma personagem feminina e um membro do fã-clube teve a ideia de chama-la de “Marronnier”. Depois o Sr. Kobayashi queria fazer um filme, criando uma boneca com base nos meus projetos. Eu só contribuí para o projeto de Marronnier e fiz algumas aparições no filme. Foi o trabalho duro do Sr. Kobayashi e dos outros artistas que mais contribuíram para o sucesso do filme.

P: Mangás e animes têm crescido imensamente e se tornado populares nos Estados Unidos ao longo dos últimos anos (Roberta: Embora os mangás tenham sofrido uma queda vertiginosa depois de chegar a ameaçar os comics americanos, se instabilizou e possuem vendagens consideradas muito boas para a atual economia. Por outro lado, o número de títulos licenciados de animes, aumentam a cada ano). O que você gostaria de dizer aos seus fãs americanos?

R: Desde a infância eu sempre realmente gostei de filmes americanos, então eu fiquei agradavelmente surpreso quando meus quadrinhos viajaram por todo o Oceano Pacífico para alcançar o público americano (Roberta: Ao contrário de outros títulos de mangakás de terror famosos, como Kazuo Umezu, os mangás de Junji Ito venderam substancialmente bem. Acredito que pela identificação do estilo artístico de ito). Eu sempre acreditei que havia algo em comum entre os meus quadrinhos e o terror americano. Recentemente têm chegado muitas cartas de fãs internacionais. Isso me faz perceber que existem muitos fãs fora do Japão que gostam do meu trabalho. Vou continuar meu trabalho, esperando que todos possam continuar a desfrutara-lo no futuro.

P: Que conselho você pode dar à mangakás jovens e artistas de quadrinhos que trabalham no mercado de hoje?

R: Mantenha o seu próprio ponto de vista, mas os conselhos são sempre bem vindos.

P: No que você está trabalhando agora? O que os fãs podem esperar no futuro?

The Human Chair
R: Agora, eu estou desenhando uma história curta para uma revista em quadrinhos chamada "Nemuki". Está nos planos para que eu desenhe quatro histórias curtas para esta série de quadrinhos, e então eu vou fazer uma história sobre o escritor de mistério japonês, Ranpo Edogawa (Roberta: 1894 – 1965, Escritor e crítico, um dos alicerces na história de ficção detetivesca japonesa. Esse mangá ao qual ele se refere se chama The Human Chair). No entanto, não está claro quanto tempo esta história irá durar. Eu acho que vai ser longa, mas eu não sou muito bom em fazer histórias longas. Mesmo que este não seja o meu estilo habitual, vou tentar torná-lo tão apetitoso quanto possível para todos os meus fãs.

***


Dicas de Leitura: