Este post era pra ter sido uma extensão para critica feita pelo Critico Nippon do filme Ookami Kodomo no Ame to Yuki (Wolf Children), de Mamoru Hosoda, mas só agora tive vontade de montá-lo. É uma entrevista bem legal onde
ele comenta um pouco sobre sua cinegrafia, animação americana e aspirações,
você pode vê-la no vídeo (abaixo) ou lê-la em inglês, aqui.
Bem, antes uma introdução.
Hosoda começou como animador na Toei Animation, de 2005 a
2011 trabalhou nos estúdios Madhouse, onde concebeu em 2009 The Girl Who Leapt
Through Time (A Menina que Saltou no Tempo), já comentado aqui no ELBR pelo Critico Nippon, e Summer Wars em 2009. Sua carreira como cineasta começou
produzindo os filmes de One Piece e de Digimon, sendo que foi em The Girl Who
Leapt que se lançou como autor como diretor de filmes autorais. Após o grande
sucesso de Summer Wars, inclusive no ocidente, ele abre seu próprio estúdio, Studio
Chizu, lançando Wolf Children. Atualmente, estão todos com muitas expectativas
em torno dele, e atualmente creio que seja seguro afirmar que ele seja o grande
diretor de longas animados, do Japão, desbancando Makoto Shinkai.
Durante o texto, farei algumas observações em negrito.
***
Q: Este não é o
primeiro projeto de longa metragem animado que você tenha feito sendo uma
criação sua. Antes disso, você fez Summer Wars, e antes deste você fez The Girl
Who Leapt through Time, que foi adaptado de outro material. Você pode nos dar
algumas de suas impressões sobre as diferenças entre esses dois tipos de
projetos?
Mamoru Hosoda: No Japão, há uma série de romances de grande
sucesso e publicações que são adaptados para filmes. Mas para mim, nem todos
esses romances de sucesso e materiais originais são adequados para filmes. Se
há materiais que eu ache que se traduziriam bem em filmes, eu o faria, mas se
não, eu prefiro fazer uma produção original.
P.S.: Summer Wars que
possui muitos elementos do universo de Digimon, muito provavelmente fruto de
quando esteve envolvido com as versões animadas da franquia: ele dirigiu um
episódio para tv e um filme.
Q: Além de The Girl
Who Leapt through Time, existem outras obras que você gostaria de adaptar?
Mamoru Hosoda: Eu me deparei com alguns materiais que são
interessantes, e acho que dariam bons filmes — algo como No Longer Human seria um
material muito bom de adaptar! Mas alguém já fez isso.
P.S.: Consagrado
best-seller Osamu Dazai, publicado originalmente em 1948. O romance recebeu
adaptação para live action e em quatro episódios (do primeiro ao quarto) do
anime Aoi Bungaku (Madhouse), que é muito bom por sinal, trazendo várias adaptações
de obras literárias clássicas do Japão. Também ganhou uma adaptação em mangá
pelo celebrado Usamaru Furuya, lançado pela editora americana Vertical, Inc.
Há uma outra versão em mangá chamada
Ningen Shikkaku Kai pelas mãos de Yasunori Ninose, recomendadíssimo.
Q: Você pode nos
contar um pouco sobre a gênese de Wolf Children?
Mamoru Hosoda: Eu fui casado por cerca de cinco ou seis
anos, e Summer Wars foi baseado em como, logo depois que me casei, percebi que
meus parentes, a minha família, havia crescido duas vezes, dobrou, ao me casar
com alguém. Então é assim que a ideia começou em Summer Wars. Antes de Wolf
Children, quando eu casei, nós queríamos ter filhos logo, mas foi difícil para
nós. E todos os meus amigos começaram a ter filhos a nossa volta, e podíamos
ver como eles estavam criando suas crianças, e foi aí que a ideia original
começou — quão formidável deve ser poder ter filhos e cria-los. E agora nós
temos um bebê! Ele está agora com 5 meses — nasceu logo após o filme ter sido
finalizado. Demos-lhe o nome de "Ko" [escrito como parte do ideograma
chinês para a palavra "saúde"].
Nós pegamos emprestado o nome de um personagem do autor
original em The Girl Who Leapt through Time [Yasutaka Tsutsui], porque eles
tinham a mesma data de aniversário!
P.S.: Na adaptação de
The Girl Who Leapt through Time, Hosoda opta por personagens originais, utilizando
apenas a espinha dorsal da obra. No filme, a protagonista do livro é tia de uma
garota que vive as mesmas experiências que ela viveu.
Q: Uma das pessoas com
quem trabalhou em Wolf Children foi o character designer Yoshiyuki Sadamoto
[Neon Genesis Evangelion]. Como ele chegou ao projeto, o que foi que você
queria dele que não pudesse ser qualquer outra pessoa?
A Garota que Saltou no Tempo |
P.S.: YoshiyukiSadamoto, embora seja mais conhecido por aqui pelo seu character designer em
Evangelion, ele é muito prestigiado por lá, e também um dos fundadores do
estúdio Gainax. O bacana do Sadamoto, além do traçado exótico e cheio de
personalidade, é o fato dele ser um autor que em suas adaptações de obras
famosas (Evangelion e Summer Wars), ele sempre coloca a visão dele da história,
não sendo somente maaais uma adaptação. Eu gosto muito mais do mangá de Summer
Wars, e tem muita gente (não são poucos) que preferem a versão mangá de
Evangelion, por ser mais direta e menos subjetiva. A adaptação de Summer Wars
também é mais direta, e pra mim, com um melhor desenvolvimento dos personagens :)
Q: E dado que esta
história tem elementos fantásticos e realistas, a fantasia é que as crianças
são parte lobo e a realidade é que eles são crianças...
Mamoru Hosoda: Eu acho que a fantasia parece irreal, não
parece "real", mas dentro dessa fantasia, há sempre um elemento que
se aproxima da realidade de sua vida, e isso faz você perceber o que é
importante em sua vida, que é a vida naquela fantasia. Então, eu acho que é a
mesma coisa que está em contos infantis, como [Hans Christian] Andersen, dentro
dessa história há sempre uma história da vida real. É a mesma coisa para este
filme, também.
P.S.: Hans Christian
(1805/ 1875), consagrado autor de contos de fadas, como O Patinho Feio, O
Soldadinho de Chumbo e A Pequena Sereia. Apesar das transformações que estes
contos tiveram com o passar das décadas, assimilando valores sociais de cada período,
seu engajamento politico social transmitido através dessas histórias, são as
que a tornam únicas, frente a diversas versões.
Q: Uma coisa que eu
descobri enquanto pesquisava para esta entrevista foi como Wolf Children bateu
Brave da Disney/PIXAR nas bilheterias no Japão. Geralmente é o contrário! Isso
deve ter sido uma grande emoção para você.
Mamoru Hosoda: Ambos os filmes estreou no Japão no mesmo
dia, e ambos são filmes sobre mães e crianças. São dois filmes muito
diferentes, mas com o mesmo tema, e foi muito interessante o fato deles terem
estreado juntos. É muito surpreendente para mim — eu amo os filmes da PIXAR —
mas estreando coincidentemente no mesmo dia e, então, o meu filme vencendo
Brave na bilheteria é muito surpreendente, e ao mesmo tempo me faz muito feliz.
Eu visitei os estúdios Pixar, em agosto, e eles sabiam que iriamos nos enfrentar
nas bilheterias, e eles ficaram surpresos também! Mas Brave foi um filme muito
maior, em todo o mundo.
Q: Antes de você se
tornar conhecido em seu próprio país, você trabalhou como animador nos estúdios
MADHOUSE [Ninja Scroll, Vampire Hunter D, Paprika, REDLINE]. Eu me encontrei
com o [fundador do estúdio] Masao Maruyama algumas vezes antes, ele é um
grande personagem. Eu queria saber o foi para você ter trabalhado lá por tanto
tempo.
Mamoru Hosoda: O Madhouse que existia quando eu trabalhava
lá realmente reflete o gosto do Sr. Maruyama. Ele realmente gostava de ter algo
novo e diferente das outras pessoas. Eles gostavam de um desafio, coisas novas.
Mas agora o Sr. Maruyama deixou o estúdio e se mudou para outro, e assim a
cultura da empresa pode ter mudado um pouco. Ele fez muitos animes
revolucionários, e sem ele provavelmente não é mais possível produzir esses
tipos de filmes.
P.S.: O Muruyama é
realmente uma grande figura, espero que ele consiga finalizar Dreaming Machine,
filme inacabado de Satoshi Kon, antes de morrer. E coitado do Yuasa e
provavelmente o Satoshi Kon, se vivo, também encontraria muita dificuldade em
emplacar projetos originais sem a antiga mentalidade do Madhouse.
Q: Eu acho que em algum
momento o pessoal da PIXAR disse algo no sentido de, "Nós não apenas fazemos
filmes para crianças, fazemos filmes para todos". Essa foi a mesma
sensação que senti com The Girl Who Leapt through Time e Summer Wars: estes não
eram apenas "filmes infantis" ou mesmo "filme de adolescentes",
mas filmes que tinham potencial para atrair a todos, de todas as idades. Isso
parece algo que você está deliberadamente buscando.
Mamoru Hosoda: É porque eu quero expressar o que a vida oferece.
Não apenas para crianças, mas algo que é universal para todas as gerações. Eu
costumava trabalhar em programas infantis como Digimon, e as pessoas que
costumavam assistir Digimon agora estão crescidas, em seus vinte e poucos anos,
mais ou menos, e eles vêm até mim e dizem: "Eu gostei muito de assistir
Digimon". Eles vão lançar um novo filme de Dragonball este ano, e acho
que o público-alvo está na casa dos trinta!
Então, as pessoas naturalmente crescem, e ter um tema que
agrade a todos ao longo de gerações é o que tenho tentado fazer, e isso é
inegavelmente um valor universal contido dentro do filme. Isso é o que eu estou
buscando.
Q: Na indústria de
animação dos EUA, CG é visto como uma forma completa do começo ao fim para
criar um projeto de animação. No Japão, parece que CG é todo um arsenal de
ferramentas, e não apenas a única maneira de fazer as coisas acontecerem.
Mamoru Hosoda: A diferença entre CG e animação desenhada à
mão... Eu não acho que há uma. É apenas uma diferença estilística, assim como
você pode estar usando um lápis para desenhar alguma coisa ou utilizando uma
pintura a óleo. É apenas uma questão de método que você está usando para uma
expressão de arte. CG não está substituindo arte desenhadas a mão ou animações.
Eu acho que é incrível o que CG pode fazer, e ao mesmo tempo eu acho incrível
ver uma linha desenhada à mão, apenas uma única pessoa desenhando uma linha é
uma tarefa incrível. Quando eu olho para a velha Disney com animações desenhadas
à mão, eu não acho que é inferior ao GC em tudo. Às vezes eu até acho que as
animações têm melhores expressões e perícia.
Eu me sinto um pouco decepcionado que a Disney e animação
americana começaram a ficar longe de muitas coisas desenhadas à mão. Eu
gostaria que eles pudessem fazer as duas coisas, produzir tanto animações
desenhadas à mão e CG. Por exemplo, como o curta animado "Paperman”, que
ganhou um prêmio da Academia, que filme foi feito com CG, mas por amor à
animação também foi desenhado à mão. Eu acho que é assim que começa.
P.S.: O último filme
100% animação da Disney foi A Princesa e o Sapo, isso depois de muitos anos sem
produzir animação tradicional para o cinema, mas acabou ficou aquém das
expectativas do estúdio. Frente aos enormes sucessos de bilheteria e critica
que suas animações CG vinham recebendo, a Disney que não já via muito lucro no
2D (é mais caro, mais trabalhoso e com retorno inferior durante a década de
2000), chutou o balde depois dos recentes relançamentos de seus longos animados
em versão 3D não terem tido uma boa arrecadação. Em 2013 eles demitiram muitos
animadores, alguns antigos e praticamente decretaram o fim de filmes com a
velha técnica. E Paperman (assistam) é muito lindinho, um hibrido entre 2D e
CG. Será o futuro?
***
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