terça-feira, 14 de maio de 2013

Entrevista Com Mamoru Hosoda, de Wolf Children


E aí, já assistiu a Crianças Lobo?

Este post era pra ter sido uma extensão para critica feita pelo Critico Nippon do filme Ookami Kodomo no Ame to Yuki (Wolf Children), de Mamoru Hosoda, mas só agora tive vontade de montá-lo. É uma entrevista bem legal onde ele comenta um pouco sobre sua cinegrafia, animação americana e aspirações, você pode vê-la no vídeo (abaixo) ou lê-la em inglês, aqui.


Bem, antes uma introdução.

Hosoda começou como animador na Toei Animation, de 2005 a 2011 trabalhou nos estúdios Madhouse, onde concebeu em 2009 The Girl Who Leapt Through Time (A Menina que Saltou no Tempo), já comentado aqui no ELBR pelo Critico Nippon, e Summer Wars em 2009. Sua carreira como cineasta começou produzindo os filmes de One Piece e de Digimon, sendo que foi em The Girl Who Leapt que se lançou como autor como diretor de filmes autorais. Após o grande sucesso de Summer Wars, inclusive no ocidente, ele abre seu próprio estúdio, Studio Chizu, lançando Wolf Children. Atualmente, estão todos com muitas expectativas em torno dele, e atualmente creio que seja seguro afirmar que ele seja o grande diretor de longas animados, do Japão, desbancando Makoto Shinkai.

Durante o texto, farei algumas observações em negrito.

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Q: Este não é o primeiro projeto de longa metragem animado que você tenha feito sendo uma criação sua. Antes disso, você fez Summer Wars, e antes deste você fez The Girl Who Leapt through Time, que foi adaptado de outro material. Você pode nos dar algumas de suas impressões sobre as diferenças entre esses dois tipos de projetos?

Summer Wars
Mamoru Hosoda: No Japão, há uma série de romances de grande sucesso e publicações que são adaptados para filmes. Mas para mim, nem todos esses romances de sucesso e materiais originais são adequados para filmes. Se há materiais que eu ache que se traduziriam bem em filmes, eu o faria, mas se não, eu prefiro fazer uma produção original.

P.S.: Summer Wars que possui muitos elementos do universo de Digimon, muito provavelmente fruto de quando esteve envolvido com as versões animadas da franquia: ele dirigiu um episódio para tv e um filme.

Q: Além de The Girl Who Leapt through Time, existem outras obras que você gostaria de adaptar?

Mamoru Hosoda: Eu me deparei com alguns materiais que são interessantes, e acho que dariam bons filmes — algo como No Longer Human seria um material muito bom de adaptar! Mas alguém já fez isso.

P.S.: Consagrado best-seller Osamu Dazai, publicado originalmente em 1948. O romance recebeu adaptação para live action e em quatro episódios (do primeiro ao quarto) do anime Aoi Bungaku (Madhouse), que é muito bom por sinal, trazendo várias adaptações de obras literárias clássicas do Japão. Também ganhou uma adaptação em mangá pelo celebrado Usamaru Furuya, lançado pela editora americana Vertical, Inc. Há uma outra versão em mangá chamada Ningen Shikkaku Kai pelas mãos de Yasunori Ninose, recomendadíssimo.

Q: Você pode nos contar um pouco sobre a gênese de Wolf Children?

Mamoru Hosoda: Eu fui casado por cerca de cinco ou seis anos, e Summer Wars foi baseado em como, logo depois que me casei, percebi que meus parentes, a minha família, havia crescido duas vezes, dobrou, ao me casar com alguém. Então é assim que a ideia começou em Summer Wars. Antes de Wolf Children, quando eu casei, nós queríamos ter filhos logo, mas foi difícil para nós. E todos os meus amigos começaram a ter filhos a nossa volta, e podíamos ver como eles estavam criando suas crianças, e foi aí que a ideia original começou — quão formidável deve ser poder ter filhos e cria-los. E agora nós temos um bebê! Ele está agora com 5 meses — nasceu logo após o filme ter sido finalizado. Demos-lhe o nome de "Ko" [escrito como parte do ideograma chinês para a palavra "saúde"].

Nós pegamos emprestado o nome de um personagem do autor original em The Girl Who Leapt through Time [Yasutaka Tsutsui], porque eles tinham a mesma data de aniversário!

P.S.: Na adaptação de The Girl Who Leapt through Time, Hosoda opta por personagens originais, utilizando apenas a espinha dorsal da obra. No filme, a protagonista do livro é tia de uma garota que vive as mesmas experiências que ela viveu.

Q: Uma das pessoas com quem trabalhou em Wolf Children foi o character designer Yoshiyuki Sadamoto [Neon Genesis Evangelion]. Como ele chegou ao projeto, o que foi que você queria dele que não pudesse ser qualquer outra pessoa?

A Garota que Saltou no Tempo
Mamoru Hosoda: Ele é o número um para design de personagens em animação no Japão. Ele desenha personagens que têm "glamour", mas ao mesmo tempo possuem "realidade", e eu não acho que muitas pessoas podem fazer isso. Ele é o único que pode criar um personagem e desenhar um personagem que tem ambos os elementos.

P.S.: YoshiyukiSadamoto, embora seja mais conhecido por aqui pelo seu character designer em Evangelion, ele é muito prestigiado por lá, e também um dos fundadores do estúdio Gainax. O bacana do Sadamoto, além do traçado exótico e cheio de personalidade, é o fato dele ser um autor que em suas adaptações de obras famosas (Evangelion e Summer Wars), ele sempre coloca a visão dele da história, não sendo somente maaais uma adaptação. Eu gosto muito mais do mangá de Summer Wars, e tem muita gente (não são poucos) que preferem a versão mangá de Evangelion, por ser mais direta e menos subjetiva. A adaptação de Summer Wars também é mais direta, e pra mim, com um melhor desenvolvimento dos personagens :)

Q: E dado que esta história tem elementos fantásticos e realistas, a fantasia é que as crianças são parte lobo e a realidade é que eles são crianças...


Mamoru Hosoda: Eu acho que a fantasia parece irreal, não parece "real", mas dentro dessa fantasia, há sempre um elemento que se aproxima da realidade de sua vida, e isso faz você perceber o que é importante em sua vida, que é a vida naquela fantasia. Então, eu acho que é a mesma coisa que está em contos infantis, como [Hans Christian] Andersen, dentro dessa história há sempre uma história da vida real. É a mesma coisa para este filme, também.

P.S.: Hans Christian (1805/ 1875), consagrado autor de contos de fadas, como O Patinho Feio, O Soldadinho de Chumbo e A Pequena Sereia. Apesar das transformações que estes contos tiveram com o passar das décadas, assimilando valores sociais de cada período, seu engajamento politico social transmitido através dessas histórias, são as que a tornam únicas, frente a diversas versões.

Q: Uma coisa que eu descobri enquanto pesquisava para esta entrevista foi como Wolf Children bateu Brave da Disney/PIXAR nas bilheterias no Japão. Geralmente é o contrário! Isso deve ter sido uma grande emoção para você.

Mamoru Hosoda: Ambos os filmes estreou no Japão no mesmo dia, e ambos são filmes sobre mães e crianças. São dois filmes muito diferentes, mas com o mesmo tema, e foi muito interessante o fato deles terem estreado juntos. É muito surpreendente para mim — eu amo os filmes da PIXAR — mas estreando coincidentemente no mesmo dia e, então, o meu filme vencendo Brave na bilheteria é muito surpreendente, e ao mesmo tempo me faz muito feliz. Eu visitei os estúdios Pixar, em agosto, e eles sabiam que iriamos nos enfrentar nas bilheterias, e eles ficaram surpresos também! Mas Brave foi um filme muito maior, em todo o mundo.

Q: Antes de você se tornar conhecido em seu próprio país, você trabalhou como animador nos estúdios MADHOUSE [Ninja Scroll, Vampire Hunter D, Paprika, REDLINE]. Eu me encontrei com o [fundador do estúdio] Masao Maruyama algumas vezes antes, ele é um grande personagem. Eu queria saber o foi para você ter trabalhado lá por tanto tempo.

Mamoru Hosoda: O Madhouse que existia quando eu trabalhava lá realmente reflete o gosto do Sr. Maruyama. Ele realmente gostava de ter algo novo e diferente das outras pessoas. Eles gostavam de um desafio, coisas novas. Mas agora o Sr. Maruyama deixou o estúdio e se mudou para outro, e assim a cultura da empresa pode ter mudado um pouco. Ele fez muitos animes revolucionários, e sem ele provavelmente não é mais possível produzir esses tipos de filmes.

P.S.: O Muruyama é realmente uma grande figura, espero que ele consiga finalizar Dreaming Machine, filme inacabado de Satoshi Kon, antes de morrer. E coitado do Yuasa e provavelmente o Satoshi Kon, se vivo, também encontraria muita dificuldade em emplacar projetos originais sem a antiga mentalidade do Madhouse.

Q: Eu acho que em algum momento o pessoal da PIXAR disse algo no sentido de, "Nós não apenas fazemos filmes para crianças, fazemos filmes para todos". Essa foi a mesma sensação que senti com The Girl Who Leapt through Time e Summer Wars: estes não eram apenas "filmes infantis" ou mesmo "filme de adolescentes", mas filmes que tinham potencial para atrair a todos, de todas as idades. Isso parece algo que você está deliberadamente buscando.

Mamoru Hosoda: É porque eu quero expressar o que a vida oferece. Não apenas para crianças, mas algo que é universal para todas as gerações. Eu costumava trabalhar em programas infantis como Digimon, e as pessoas que costumavam assistir Digimon agora estão crescidas, em seus vinte e poucos anos, mais ou menos, e eles vêm até mim e dizem: "Eu gostei muito de assistir Digimon". Eles vão lançar um novo filme de Dragonball este ano, e acho que o público-alvo está na casa dos trinta!

Então, as pessoas naturalmente crescem, e ter um tema que agrade a todos ao longo de gerações é o que tenho tentado fazer, e isso é inegavelmente um valor universal contido dentro do filme. Isso é o que eu estou buscando.

Q: Na indústria de animação dos EUA, CG é visto como uma forma completa do começo ao fim para criar um projeto de animação. No Japão, parece que CG é todo um arsenal de ferramentas, e não apenas a única maneira de fazer as coisas acontecerem.

Mamoru Hosoda: A diferença entre CG e animação desenhada à mão... Eu não acho que há uma. É apenas uma diferença estilística, assim como você pode estar usando um lápis para desenhar alguma coisa ou utilizando uma pintura a óleo. É apenas uma questão de método que você está usando para uma expressão de arte. CG não está substituindo arte desenhadas a mão ou animações. Eu acho que é incrível o que CG pode fazer, e ao mesmo tempo eu acho incrível ver uma linha desenhada à mão, apenas uma única pessoa desenhando uma linha é uma tarefa incrível. Quando eu olho para a velha Disney com animações desenhadas à mão, eu não acho que é inferior ao GC em tudo. Às vezes eu até acho que as animações têm melhores expressões e perícia.

Eu me sinto um pouco decepcionado que a Disney e animação americana começaram a ficar longe de muitas coisas desenhadas à mão. Eu gostaria que eles pudessem fazer as duas coisas, produzir tanto animações desenhadas à mão e CG. Por exemplo, como o curta animado "Paperman”, que ganhou um prêmio da Academia, que filme foi feito com CG, mas por amor à animação também foi desenhado à mão. Eu acho que é assim que começa.

P.S.: O último filme 100% animação da Disney foi A Princesa e o Sapo, isso depois de muitos anos sem produzir animação tradicional para o cinema, mas acabou ficou aquém das expectativas do estúdio. Frente aos enormes sucessos de bilheteria e critica que suas animações CG vinham recebendo, a Disney que não já via muito lucro no 2D (é mais caro, mais trabalhoso e com retorno inferior durante a década de 2000), chutou o balde depois dos recentes relançamentos de seus longos animados em versão 3D não terem tido uma boa arrecadação. Em 2013 eles demitiram muitos animadores, alguns antigos e praticamente decretaram o fim de filmes com a velha técnica. E Paperman (assistam) é muito lindinho, um hibrido entre 2D e CG. Será o futuro? 

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