quarta-feira, 19 de junho de 2013

Black Paradox (2009): O Paradoxo de Cada Um


E quando você precisa lutar contra você mesmo?

Muitos fãs dizem que Junji Ito se cansou de desenhar histórias sombrias e claustrofóbicas de terror; eu não penso assim. A atmosfera, a estética e o flerte com o sobrenatural continuam intimamente ligados ao terror, mas é verdade que desde HellStar Remina (2005) suas histórias estão mais leves, menos densas e mais diversificadas. Natural, Ito é um autor de muitas ideias e muito criativo em retratar um mundo excentricamente estranho muito particular de cada um. Uma fixação com a goteira do chuveiro ou com a torneira da pia pingando à noite pode ser algo enlouquecedor pra uma pessoa, enquanto pra mim, o medo extremo de sair à noite sozinha pode fazer com que eu veja sombras me perseguindo que na realidade não existem.  Junji Ito é um mestre em pegar esses nossos complexos internos e transformar em algo alucinante e aterrador, sempre com pitadas de humor negro – acontece que, enquanto vitimas, dificilmente percebemos o quanto fazemos gestos, expressões e atos bizarramente engraçados ou constrangedores.

Em Black Paradox tem tudo isso, mas não é harmônico e coeso em suas ideias. É caótico. As histórias de Ito sempre o foram, mas o autor sempre esteve no controle absoluto na fluidez dessas ideias, elas nunca soavam descompassadas. Assim como acontece em  HellStar Remina, Ito se mostra incapaz de guiar um enredo grande com diversas tramas entrelaçadas, um elenco de personagens fixos [além da protagonista babyface], sem que a certa altura a leitura se torne maçante. Claro, mesmo um Junji Ito abaixo da média, ainda é interessante o suficiente pra manter o mínimo de interesse em continuar seguindo adiante com a leitura. As ideias soltas de Black Paradox são criativas; é na execução e contexto geral do enredo que sua desconexão não consegue deixar nenhuma marca definitiva após o término.


Black Paradox é o nome de um site onde as pessoas se conhecem e planejam suicídio coletivo. Taburou, Piitan, Barachi e Marisol se reúnem em determinado ponto e partem junto rumo ao local que planejaram o suicídio. Barachi sofre com um tumor que lhe desfigurou metade do rosto, sendo atormentada sempre que se olha no espelho. Taburou se diz frequente perseguido por alguém que é igual a ele; sua própria imagem. Piitan é um cientista que ao ter um androide projetado à sua imagem e semelhança, não recebe mais a mesma atenção que antes e concluí que é melhor se matar já que todos só têm olhos para o robô.  E Marisol, que se sente atormentada pela perspectiva de um futuro desconhecido; eu não quero chegar em determinada idade estando na mesma mediocridade que agora, então é melhor eu me matar, ela deve pensar. Fora Barachi e Taburou, os motivos que levam Piitan e Marisol a querer se suicidar são muito frívolos, mas nenhum dos quatros parecem realmente resolutos a se matarem. O ponto alto é quando dois deles começam a suspeitar que os outros dois estão na verdade atentando contra suas vidas (!) e então começam a fugir, porque morrer, de repente começou a parecer muito assustador. Que trágico!

Não importa o quão frívolo possa parecer o motivo que leva a alguém atentar contra sua própria vida, é no interior que reside o verdadeiro conflito. Alguém se assustar frente à face da morte é natural, ainda que estivessem resolutos anteriormente, o simples fato de precisar planejar suicídio coletivo para ganhar coragem, já denota uma ausência interna de convicção. Ito peca ao não substanciar esse conflito psicológico, fazendo dessas contradições esquetes de humor, não sei se intencional, mas não funciona de uma forma ou de outra. É algo que funciona efetivamente numa leitura trash, mas que soa deslocado devido ao timing mais sério aplicado por Ito à narrativa. Kazuo Umezu é um autor que consegue alinhar com maestria trash e drama sem perder o tom adequado. O drama em suas histórias mais absurdas é genuíno por ser trabalhado com seriedade, enquanto tudo em volta é muito absurdo, asqueroso, trash, os sentimentos dos personagens são verdadeiros e tal qual, podemos nos conectar a eles nos casos em que esses personagens são o centro do enredo. Neste aspecto, uma sátira consiga te tocar mais fundo que uma peça dramática. Já Ito, ainda está com o pensamento muito preso em suas histórias curtas, que não exigem um maior aprofundamento justamente pelos personagens serem meros fantoches do enredo (Gyo é a história onde ele melhor consegue expressar os sentimentos dos personagens, embora o foco narrativa seja no mundo, assim como em Uzumaki: aquele mundo é quem impressiona e assusta). Ainda assim, nessas histórias abundam uma climática incrível que não se vê aqui.


A partir do segundo capítulo, depois da apresentação dos personagens, a história passa a se concentrar na trama da “Noite dos Paradoxos”, que são estranhas pedras brilhosas que começam a vazar da barriga de Piitan. Logo os outros personagens, com exceção de Marisol, começam a ambicionar e almejar riquezas com esses minerais. Logo se descobre que essas pedras são espíritos e que há uma ligação na barriga de Piitan que conecta este mundo ao sobrenatural. Não é de se estranhar, que os outros personagens também comecem a botar pedras para fora através dessas cavidades sobrenaturais; Marisol tem uma entrada ao outro mundo em um tumor no cérebro, Taburou pela sombra que o perseguia é capaz de ter livre acesso a este outro mundo, Barochi pelo tumor em seu rosto, e Piitan pela barriga. A noite dos paradoxos são incidentes que acontecem quando esses personagens tentam comercializar essas pedras como minerais valiosos, o que acaba atraindo o interesse da ciência e a história ruma para uma nova trama com desfecho inesperado. Mesmo.

Isso é Black Paradox, muitas tramas, reviravoltas e pouca coesão. Pouco feeling. É como se Junji Ito tivesse 10 ideias por segundo e as tivesse jogado todas nessa história. Porém, e fácil perceber do que se trata Black Paradox: é sobre pessoas e dicotomia. O duplo que há em cada um. No decorrer dos capítulos e tramas, os personagens dão voltas a esmo, deixam a luxuria falar mais alto, se apaixonam, são traídos, se separam. Voltam a se encontrar. Acima de tudo, eles nunca se sentem bem consigo mesmos, eternamente insatisfeitos e perseguidos por seus duplos, ou seja, aquilo que são e o que almejam.

Caso se permita olhar um pouco mais fundo, se trata de uma história sobre amadurecimento, de lidar com seus conflitos ao invés de fugir, essas coisas. Marisol tem o tumor e a entrada para o mundo sobrenatural no cérebro; pode-se dizer que é sobre o medo de um futuro que só depende dela para ser bom e estar sempre a pensar negativamente, sendo a mente a sua pior inimiga. Barachi tem no tumor em seu rosto e tão ligada que é à aparência física, se transforma na fonte do seu infortúnio e infelicidade; tem através dele o acesso a outro mundo e quão irônico é ela perceber que sua vida não melhorara mesmo depois de determinado desfecho. Taburou se diz perseguido por sua imagem, mas podemos supor que na verdade teme a si mesmo, se encontra quando se permite mergulhar dentro de si. E Piitan acaba por se transformar naquilo que mais invejava, mas não parece que as coisas vão bem para ele... Viver para sempre pode ser algo assustador.

Essas cavidades que se transformam em uma entrada para um mundo sobrenatural exatamente na maior ferida de cada um nada mais é que a resposta para seus problemas. A paz de espirito que tanto almejam é algo que só encontraram ao se voltarem para dentro de si e encararem o problema. O desfecho da história é catártica a este respeito e responsável pela linha de raciocínio neste texto. É o que torna o pesar por essa história não ter se encontrado ainda maior, Ito infelizmente não conseguiu aplicar uma atmosfera adequada aqui, fazendo desta a história mais lamentável que já li do autor. Seja como for, é sempre ótimo ver um artista se empenhando para evoluir ao invés de se manter na sua zona de conforto. E Ito sempre terá minha atenção ;)

Nota: 05/10
Ano: 2009
Volumes: 01
Revista: Big Comic Spirits
Editora: Shogakukan
Demográfico: Seinen



Extras: Black Paradox traz duas oneshots

The Licking Woman

Fantástica! Fantástica! WOW! Vai entrar pro hall das minhas preferidas. Junji Ito fazendo aquilo que faz de melhor sempre: horror e repulsa, torção psicológica, criaturas bizarras e feelings. Nessa história, tem uma louca com uma língua enorme que sai lambendo todos na rua. Logo depois, essas pessoas começam a apresentar sintomas degenerativos e morrem. Isso acontece com o namorado de Miku e sua vida acaba virando de ponta à cabeça, atormentada continuamente. O desfecho é incrível, tão trágico que sinto vontade de rir. Indispensável, ainda que em uma leitura à parte. É curioso vê-la como uma anexo à Black Paradox; a climática que tanto sentimos falta na história principal, jorra em cachoeiras aqui. Sobre o teor dessa trama, é um ponto de vista interessante que ajuda em sua compreensão se a olharmos como repressão homossexual... [spoilers, selecione para ler>>] Fica implícito que era a amiga de Miku a mulher linguaruda que atacava os transeuntes, mas aí fica a questão do porque ela ter fornecido o veneno para si mesma. Ito já fez isso diversas vezes em suas histórias, em que suas vitimas simplesmente não tinham consciência no que se transformavam, não raramente, sendo a transformação física, uma resposta para o desejo do subconsciente (de culpa ou de posse). Por isso usei a expressão 'repressão homossexual'. Essa mulher ataca Miku em duas situações e mantêm um interesse mais intenso por ela, além de ter contaminado seu namorado. Oh, bem, não tenho certeza se seria isto, mas é a unica coisa que me surgiu. 31 páginas.

Na lição de hoje, aprenderemos que: em um relacionamento lésbico, é importantíssimo saber usar a língua


Mystery Pavillion

O último extra possui apenas 4 páginas e a síntese da parte técnica de Black Paradox. A arte de Ito está bem peculiar com relação aos outros, usando guaxe e deixando seu característico estilo estilizado de lado. Ele também traz novos tipos de personagens, embora ainda seja possível notar os característicos de sempre, como a usual protagonista babyface (é como se fosse a mesma atriz fazendo diferentes papeis, alguns de cabelo curto e outros com longas madeixas hahahaha. Gosto desse padrão estabelecido pelo Ito, mas a Marisol é uma das mais chatinhas babyface do seu catálogo). Sobre a história, eu não sei se entendi bem, mas funciona como uma extensão da história principal, se passando no futuro. Fala sobre uma criação que revela o lado obscuro da sociedade e a moral da história não poderia ser outra: mesmo daqui a centenas de anos, continuaremos a cometer os mesmos erros. Em cores.