sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Nerawareta Gakuen (2012): Psychic School Wars


Alterar o passado para mudar o futuro? O futuro só pode ser salvo com pequenas ações no presente que irão moldá-lo, mas o ser humano está sempre buscando o caminho mais fácil.

Eu ouvi em algum lugar, que, você sabe que está embarcando em uma jornada pretensiosa quando um anime decide fazer de Clair de Lune de Claude Debussy a sua trilha sonora. Eu diria que não apenas animes, heh. A principio, Nerawareta Gakuen (que eu chamarei a partir de agora de NeraGakuen) não estava em meus planos, mas acabei atraída como uma mariposa pela lâmpada quando começaram a pipocar comentários negativos sobre o filme e que ele era de difícil compreensão. Como eu adoro essas coisas loucas e pretenciosas, fui lá conferir pra ver de qualé que é.

Nerawareta Gakuen pode ser traduzido para o inglês como ‘The Targeted School’ (‘A Escola Destinada’? Acho que é a tradução pt/BR que melhor se encaixa), mas em solos americanos acabou ganhando a leviana tradução de ‘Psychic School Wars’  em um daqueles momentos de rara genialidade de marqueteiros. É um título equivocado e que não diz nada do que realmente a obra é.

Este é um filme do diretor em ascensão Ryousuke Nakamura (Aoi Bungaku Series, Moryo no Hako, Aiura), para o Studio 8 do Sunrise – aquele sub-studio que nasceu com o proposito de adaptar séries com garotas bonitas em tramas pseudocientíficas. E Nakamura continua acertando da cadeira do diretor, só que aqui se trata de um conteúdo pouquíssimo favorável para o público ocidental e ele não considerou muito os marinheiros de primeira viagem. Não se trata de uma simples adaptação do clássico romance YA (literatura Young Adult) japonês com mesclas de sci-fi do autor Taku Muyumura, NeraGaken está mais para uma reinterpretação, se colocando como uma sequência espiritual. O que lembra bastante o que Mamoru Hosoda fez em seu ótimo Toki wo Kakeru Shoujo (já resenhado aqui no ELBR), utilizando o mesmo cenário numa ambientação futura, com novos personagens, que de alguma forma, possuem um intrínseca ligação com os da trama original.


Na história original há um garoto ESP (habilidades psíquicas em que os poderes são sobrenaturais, mas dentro de um contexto pseudo cientifico), controlando um conselho estudantil com seus poderes psíquicos, fazendo com que todos os alunos se rebelem contra eles. Nakamura agora insere conflitos atuais gerados pelo uso extensivo de telefones celulares. No romance, uma garota acaba suicidando pela pressão dos colegas que escreviam insultos em um quadro negro nos anos 70, agora ela é igualmente vítima de bullying, mas sai o quadro negro e entra o celular como a figura central desse drama, que algo é extremamente atual no Japão onde jovens são alvo de atrocidades por momentos íntimos contidos no celular ir parar na mão de todo mundo. Enquanto no original o protagonista era um adolescente, aqui ele acaba exercendo a figura do avó. É por ai.

NeraGakuen é um drama romântico adolescente, ao menos no primeiro olhar, de um triangulo amoroso não correspondido por cada uma das pessoas envolvidas. Natsuki Ryouura (Mayu Watannabe) é apaixonada pelo amigo de infância Kenji Seki (Yutaro Hanjo), que é apaixonado pela colega de classe Kahori Harukawa (Kana Hanazawa), que por sua vez vai se apaixonar pelo misterioso aluno transferido Ryouchi Kyougoku (Daisuke Ono), sendo prontamente correspondida (ufa~). É ele o responsável pela volta de 90 graus na vida pacata desses adolescentes. Ele veio do futuro com a intenção de despertar dons mediúnicos nos estudantes, começando com o conselho estudantil, a fim de construir um futuro melhor para a humanidade. Ele identifica na falta de comunicação entre os adolescentes [em uma idade complicada de grandes transformações na formação de cada individuo], uma das grandes causas do futuro da humanidade não ser um dos melhores. Como pode ser encarada como uma sequência espiritual, você sente que pegou o bonde andando quando o personagem explica que seu pai também já fez essa viagem do futuro ao passado, envolvendo um conflito com o protagonista anterior que aqui desempenha o papel do avô. O plano é se aproveitar do incidente com uma aluna por causa dos celulares e bani-los da escola, com aqueles despeitarem a decisão sendo duramente coagidos. Para isso, ele pretende trazer o conselho estudantil para seu lado, obrigando que todos na escola busquem entender a si mesmos, a se comunicarem e usarem o dom da telepatia para conseguirem entender um ao outro. Porém, o plano começa a sair de controle quando Kyougoku não consegue despertar Natsuki nem Kenji, que se voltam contra ele e seus seguidores psíquicos ao perceberam que a escola acabara de mergulhar numa ditadura, além de alunos desaparecendo um após o outro.


A fantasiosa trama pseudocientífica é apenas uma ferramenta para entregar a mensagem do filme, que se trata de conexões e comunicação, algo muito comum no Japão. No mundo, né? Mas historicamente mais pantanoso por lá por ser um país que historicamente as pessoas mantêm uma postura muito individualista, oriundo principalmente da postura de extrema educação que vem desde os primórdios da fundação daquela sociedade [que aos poucos vai se desfragmentando nesta nova geração, mas a História se move com lentidão]. De repente estão todos tão ocupados atualizando suas redes sociais e se lamentando por seus sentimentos não alcançarem o outro, por sua solidão, que desaprendem o modo de se fazerem transparecer. Mas e se... E se a telepatia pudesse revelar o que se encontra nas almas de cada pessoa? Não seria mais fácil de todo se entenderem e se tornarem mais íntimos? NeraGakuen neste ponto carrega muito de Toki wo Kakeru Shoujo e Kotonoha no Niwa (também já resenhado no ELBR, imperdível, confira se ainda não o fez). Do primeiro; o crescimento pessoal, do segundo; O Jardim das Palavras – um título cheio de malícia onde as palavras residem nas ações silenciosas, com o filme abordando justamente isto, duas pessoas com inadequações sociais e frustrações que se sentem solitários e encontram um no outro, o auxilio para caminharem com as próprias pernas. O texto de NeraGakuen brilha ao tentar cortar a influência corrosiva dos telefones com internet que distraem e afastam as pessoas de quem está ao seu lado; e na tentativa de encontrar na telepatia um paliativo para esta dificuldade de comunicação. Mas como se nota em ‘O Jardim das Palavras’ do Makoto Shinkai, você só poderá superar o problema e começar a andar com as próprias pernas, encarando o problema de frente ao invés de ficar eternamente dependente de muletas (simbolizado pelo desfecho dado por Shinkai em seu filme).

E dá lhe referências a Shakespeare, música clássica ao fundo, pétalas de cerejeira caindo e os personagens dialogando numa mise-en-scène digna de estúdio Shaft. Teve um momento que eu jurei que um dos personagens iria inclinar a cabeça para o lado!

Nakamura brinca bastante com as expectativas do espectador, leva um tempo considerável construindo as bases (porra, são duas horas!) da narrativa e entrega um clímax surpreendente que é uma verdadeira bifurcação. E como tal, é como se tivesse uma broca ligada à sua cabeça, exigindo de quem assiste, mais do que o simples ato de sentar e assistir, mas tentar juntar as peças do quebra-cabeça espalhados em fragmentos durante a narrativa, com algumas sendo passíveis de terem passado despercebidas. Nakamura não facilita nem mesmo no último segundo, é preciso assistir todo o crédito e o que virá depois dele. Para então digerir tudo o que aconteceu e interligar todos os eventos.


Mas até chegar lá, o percurso é lento e cotidianamente mundano, retratando basicamente a vida diário e os sentimentos reprimidos daqueles personagens em seus relacionamentos uns com os outros. Sim, um slice of life. Os passeios de Kenji e seu cachorro pela praia logo cedo e os inesperados encontros com Kahori surfando no mar, uma bela metáfora levando em conta a história da personagem, sendo ali o local onde se sentia completamente livre e em total paz de espirito, quase um encontro consigo mesma. O dia a dia de Natsuki e suas investidas em Kenji, assim como seu degrativo recolhimento em sua concha ao se dar conta de que ele era incapaz de perceber seus sentimentos. No centro, Ryouichi observando a todos. E sendo observado... por Kahori. Ele parece se divertir ao perceber seus sentimentos, jogando indiretas que a deixam desconfortável, para então sorrir graciosamente e tecer algum diálogo poético entrecortado por uma chuva torrencial de pétalas de cerejeiras e um trem cortando o cenário. Alguém vai se perguntar, o porquê diabos ninguém se entender ou conseguir expressar seus verdadeiros sentimentos numa história que fala justamente da comunicação e conexão interpessoal. Mas é exatamente neste erro, que os personagens conseguem crescer no vídeo e suas tramas serem atraentes. 

O trabalho de Nakamura como roteirista e diretor, mostrou que ele tem pericia e sabe lidar com o tempo que tem a seu dispor, o texto consegue tirar o melhor de seus personagens (é preciso levar em conta o cenário school life, que torna o filme muito similar em estrutura de personagem a uma serie de anime tv) e apresentar uma curva interessante no desfecho. A narrativa é forte e os conflitos dos personagens convencem porque ele nos dá tempo para que possamos entender cada um. O drama é empático, o clímax é eficaz em despertar emoção, mas o mesmo não pode ser dito sobre o enredo chave da obra pelo modo displicente que Nakamura o trata. Não que seja um ponto falho, mas que dificilmente vai funcionar como deveria para nós. É como você estar numa praça de alimentação e de repente começarem a atirar de todos os lados.

Okay, uma pequena pausa para uma pequena seleção de imagens. Eu amei acabei frame de imagens desse filme, poderia fazer um post só com elas e ficaria plenamente satisfeita comigo mesmo. 














Visualmente, é um filme lindo. A fotografia exala romantismo e faz qualquer pessoa mais sensível suspirar diante de tão belos quadros paisagísticos. A paleta de cores é intensa, as cores são vivas, a fotografia é pulsante e se torna um personagem à parte durante o filme. O enredo se passa numa cidadezinha costeira à beira mar. A vegetação ganha um sentido metafórico por unir tudo o que há naquela cidade, fazendo uma ponte silenciosa com o enredo. Os fundos lembram os trabalhos de Makoto Shinkai, especialmente o seu cínico ‘Jardim das Palavras’, mas para quem já conhece Ryosuke Nakamura, sabe em como ele é chegando a pétalas de cerejeira e tudo o que vem na bagagem de uma narrativa romanticamente agridoce: trens cortando a narrativa e esplendorosos pôr-do-sol. 

A animação é linda e enche os olhos, com movimentos graciosos, furiosos, cartunescamente plásticos, com uma fluidez que excita. Especialmente as cenas de palhaçadas envolvendo Natsuki e Kenji, desafiando a lei da física. Nakamura usa de muita de liberdade visual, fazendo com que esta seja uma animação para quem gosta de ver o que uma animação pode oferecer de melhor. Kenji está sempre correndo, Natsuki sempre dando cambalhotas e batendo nele, juntos, eles fazem qualquer coisa e sobrecarregam a narrativa com elementos cômicos. Pulam e giram por onde passam. Por outro lado, o casal Kahori e Ryouichi dão combustível para os românticos suspirarem em tomadas estáticas e um lindo cenário ao fundo. Infelizmente, não há o controle necessário sobre os filtros e efeitos, que contrastam negativamente diversos momentos divertidos. O que é uma pena. NeraGakuen é um filme bonito, com uma trilha sonora com sonoridade pop (pudera, tem a presença de Supercell) que suaviza bastante sua narrativa.

Não se esqueça de assistir os créditos ;)

Nota: 07/10
Direção: Ryousuke Nakamura
Roteiro: Ryosuke Nakamura, Yuko Naito
Estúdio: Sunrise
Tipo: Fime
Duração: 110 min.
Onde encontrar: Aenianos

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Linha do tempo em NeraGakuen (spoilers):

-O avô de Kenji percebendo em seu nascimento a existência de poderes psíquicos nele, sela essas habilidades no cachorro Shiro para que ele possa crescer como uma adolescente normal. Diversas obras que lidam com o sobrenatural utilizam animais como receptáculo, a raposa e o cachorro são os mais utilizados para este fim (se for um mahou shoujo, provavelmente será um gato ou algum corvo negro malévolo).

-Kenji e Natsuki sempre foram vizinhos e amigos. Utilizam aqueles telefones artesanais de copos para se comunicarem de suas janelas (provavelmente durante a noite). Enquanto ainda criança, numa dessas conversas, por algum motivo ele se desequilibra e cai de sua janela e morre.

-Natsuki, que é revelado ter um poder dormente, volta inconscientemente no tempo para salvá-lo. Mas suas habilidades não suficientes para ultrapassar as linhas do tempo, por isso que em alguns flashbacks ela tem uns fragmentos de memória borrados em um tempo suspenso todo colorido.

-É implícito que alguém a ajudou, salvando-a de se apagada, e que este alguém seria o avô de Kenji.

-Para reestabelecer a ordem natural das coisas, Natsuki sofre o acidente no lugar de Kenji, simbolizado pela troca do corpo de ambos no leito naquele mundo suspenso. Só que ao invés de morrer, ela apenas quebra a perna. Sua memória desses eventos é parcialmente apagada, mas sobre esses pequenos fragmentos de outra vida, fazendo com que tenha essas pequenas lembranças em torno de Kenji. Ela que tinha habilidade psíquica de ser clarividente, perde este poder, novamente, uma consequência do seu sacrifício.

-Kyogoku viaja para a linha de tempo do Kenji para dar sequência aos planos de seu pai (que está representado em consciência na forma daquela raposa, já que não poderia viajar), que como explicado, não poderia realizar a mesma viagem temporal duas vezes.

-Kyogoku, por fim, opta por não dar cabo do plano do pai (de apagar permanentemente a existência de Kenji e Natsuki – como se pode ver, eles voltaram para a linha em que Natsuki havia viajado na infância para salvar Kenji, se colocando no lugar dele – e pegar suas habilidades ESP para salvar o futuro. O plano original consistia em levar vários estudantes ESP para o futuro) e Kenji triunfa, mas também impede que ele volte ao seu cronograma de tempo original quando ambos dão as mãos simbolicamente e se conectam com a pequena Natsuki do passado. Este gesto significa a conexão de Kenji e Kyogoku àquele mundo.

-Claro que isso representa um problema, afinal, Kyogoku ignorou o tempo limite de permanência naquele mundo e pela lógica das leis do tempo neste filme, o que não existe ali originalmente é apagado para estabelecer as leis naturais e uma substituição só é possível com uma troca equivalente, mas Kenji intervém.

-Kyogoku não pode retornar para seu cronograma de tempo original nem existir ali (“não posso mais existir nesta era. Também não poderei retornar. Serei simplesmente apagado-“), mas Kenji diz “eu vou redesenhá-lo” o que significa, que ele vai tornar possível seu retorno ao mundo original a que pertence. Para isso, ele precisa embarcar para outa viagem temporal.

-Mas recém-saído de uma viagem anterior em curto prazo, Kenji não tem força suficientes.

-Seu avô novamente intervém para ajuda-lo, e por isto tem uma parada cardíaca, mas pelos créditos, parece que ficou tudo bem. Como mostrado, a irmãzinha de Kenji também tem habilidades psíquicas. Uma terceira geração? Huehuehueuehehu \o/

-Kyogoku então é redesenhado, com tudo o que ele fez, sendo revertido e suas memórias na mente daquele que conheceu sendo apagadas. Kenji consegue retornar e reestabelecer os laços com Natsuki, embora, aparentemente a troca equivalente para retornar Kyogoku ao seu mundo tenha sido o fato do próprio Kenji ser redesenhado naquele mundo, agora sendo um estudante transferido.

-A raposinha ao lado dele é Kyogoku, que parece retornar virtualmente na consciência de um anime, rapidamente para ver pela última vez a sua amada. E então desaparece. O interessante, é que mesmo que Kahori não tenha consciência, o seu corpo se lembra, resultando em um estranho desconforto em diversas ocasiões, como quando passeia ao luar com Natsuki ou vê a raposa.

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