Cada vez que eu revejo algum episódio de Cowboy Bebop, eu
reafirmo mais o meu 10 absoluto na série.
Okay, three,
two, one, let’s jam. Dessa vez não é só uma cena isolada, porque é impossível separar Mushroom Samba do contexto.
Agora eu vou falar daquele que é o meu episódio preferido da
série. Ou um dos meus preferidos. Ele não é o melhor, mas é inegavelmente um
dos melhores. E o que me fez rir mais. Não há nenhum motivo complexo por trás
disto não, é só que eu me diverti tanto assistindo na primeira vez, que ficou
marcado. Ou talvez seja porque é a Ed e o Ein no centro de toda a ação. Ou
porque ele incorpora a faceta que eu mais gosto na série, que é a do nonsense
bem pensado. Mesmo com tons cômicos, Cowboy Bebop ainda mantém uma áurea melancólica
ao fundo (que soa até poética se
pensarmos que se trata de uma série que homenageia a cultura pop e foi produzida
na virada do século!). É muito trágico. E essa é toda a beleza, transformar
tragédia em algo divertido, ao menos para nós, enquanto os personagens se mantêm
o que sempre foram, fieis à sua caracterização.
E essa não foi a primeira vez que a tripulação Bebop teve
que enfrentar o drama pela falta de comida, o primeiro, o quarto, o sexto e o
décimo primeiro episódio também retratam isso, embora não com tanto peso como
aqui, há de se aplaudir o senso de continuísmo de Shinichiro Watanabe, provando
que [somando outras evidências] nada em CowBe é gratuito e todas as diversas
linhas do enredo estão belissimamente amarradas. A narrativa da série é
cotidiana e mundana, retratando o dia a dia de todas aquelas pessoas, o que
reverbera em um episódio final muito forte e marcante, depois de dois episódios
anteriores muito densos emocionalmente que já insinuava que o desfecho não
seria nada fácil para nós – centrando-se principalmente nas mulheres da série,
a sequência final é arrepiante com Jet e Spike, silenciosamente aceitando que
dessa vez os outros três membros não iriam retornar para o navio. Depois de uma jornada tão intensa entre indivíduos
tão diferentes, quando deram por si,
estavam se comportando como uma família.
Episódios como esse aqui tem o seu papel, em que a sintonia
de todos traz a tona um desfecho impagável. Estão todos famintos, Deus então do
auto de sua misericórdia ou simplesmente porque estava querendo se divertir,
faz com que alguém bata no navio espacial Bebop, resultando num pouso forçado
em um deserto. Spike e Jet tentam concertar o navio, enquanto Faye enfrenta um
caso de diarreia explosiva (HUHUEHUEHUEHUEHUE
Ouvir ela gemendo no banheiro, desmitifica o mito de que mulher bonita não
caga), logo, sobra para Ed ir atrás de comida. Como se pode imaginar, ÉÉÉÉÉÉ
CLAAAAARO que isso não foi uma grande ideia. A Ed é maluca e vive em um
universo próprio.
A Ed puxa um scooter elétrico para fora do porão, e parte com
Ein na bagagem (uma das melhores
participações do Ein em todo o anime, fazendo uma dobradinha sensacional com Ed)
atrás de comida. Como já de praxe, o problema aparece através de pessoas que
surgem em seus caminhos, neste caso, depois de uma série de coincidências
malucas com Ed alterando sensivelmente os rumos de todas as tramas do episódio.
Ela termina por se encontrar com um contrabandista de cogumelos ilegais que havia
aportado ali – sim, justamente ele que bateu na Bebop, pra se ter uma ideia de
como tudo está entrelaçado neste episódio. O clímax é em uma sequência efervescente
bem animada que desafia os limites plásticos de uma boa animação num trem em
movimento, com tomadas cinematográficas.
Mushroom Samba foi ao ar em 19 do 02 de 1999, roteirizado
por Michiko Yokote, e é um episódio que traz algumas curiosidades e se
interliga aos demais de algum modo através de certas ações. Por exemplo, marca
a primeira e única vez que vemos Ed usar qualquer coisa sob seus pés, quando
ela tenta vestir um par de meias e logo em seguida desiste, chicoteando-as para
longe. LOL
Também é a primeira aparição dos três velhinhos, Antonio,
Carlos e Jobim (homenagem de Watanabe à
música brasileira, segundo o próprio), que apareceriam no filme da série [‘Knockin'
on Heaven's Door’]. Aliás, a aparição desses velhinhos está sempre envolto em certa
melancolia. No episódio 22 [Cowboy Funk], Antônio é visto brevemente sem Carlos
e Jobim perto de uma fonte de água, e no episódio 23 [Brain Scratch] o mesmo
Antônio é visto morto ao lado de outros caçadores de recompensa. O filme
acontece entre os episódios 22 e 23. Particularmente, o que eu acho disso, é
que Watanabe quis retratar com a morte de Antônio, a morte do homem por trás da
lenda, enquanto a lenda Tom Jobim, permanecera viva no imaginário de todos (“Breve
é o dia, breve é a vida/De breves flores na despedida/ Longa é a arte, tão
breve a vida”). Mesmo que não seja isso, ainda é uma interpretação bonita,
penso eu.
Esse episódio traz uma das facetas que mais gosto na Ed, que
é a crueldade embutida na ingenuidade infantil. Ela pega os cogumelos alucinógenos
que ganha e começa a testar em todos da Bebop para ver se são comestíveis, o
mais legal é que ela não demonstra nenhuma aparente maldade no semblante, nem
um sorriso cruel e troll, nada disso, ela apenas vira para Ein e diz algo como “É, acho que não estão bons pra comer”,
HAHAHAAHAH! Ouso a dizer, a desperto do
belo timing no desfecho final, que as alucinações de Jet, Spike e Faye são o
ponto alto do episódio. Os devaneios desses personagens tem um toque psicodélico
genial no sentido mais clássico da palavra. Watanabe não recorre a calidoscópios,
mas efeitos de profundidade que também enganam a nossos olhos. As sequências se
tornam melhores ainda quando podemos perceber o comportamento ridículo dos
personagens. Em especial a de Spike, em uma referência à clássica composição de
Bob Dylan, com o sapo dizendo algo como “Esta
é uma escada para o céu. Você sabe disso, né?” (Knock,knock,knocking on heaven's door). O que pode ser mais incrível que uma
referência a musica cantada por diversos interpretes conhecidos pelo uso
indiscriminado de alucinógenos?
O título do episódio ser ‘Mushroom Samba’ (O Samba do Cogumelo) em mais uma ponte referencial do carinho do diretor pela musicabilidade brasileira. Neste aspecto, o ritmo do episódio não deixa de surpreender por ser levado num timing do gingado do samba; cadenciado neste episódio especialmente por personagens de pele escura, num ritmo alucinante, com certa malandragem, descontraído, e com um molejo caracterizado principalmente pelas múltiplas tramas do episódio, sem perder o ritmo da melodia. Dá pra colocar aqui também o fato de o samba ter sido considerado um gênero musical “maldito” em sua gênese, sendo perseguido como “caso de polícia” justamente por estar identificado com as camadas mais populares, caso da personagem negra não nomeada aqui, tudo fluindo com uma ótima harmonia, porque esta é uma referência à outra vertente presente no episódio. A direção dessa vez cai para um quê mais genérico (no sentido daquilo que abrange várias coisas), inevitavelmente, diferindo consideravelmente das abordagens anteriores, refletindo a própria abrangência do samba [que determina vários estilos sincopados].
O título Mushroom Samba faz alusão à música brasileira; tem
a musicabilidade inspirada no funk e no soul com toques percussionistas de
samba; e o enredo dos filmes blaxploitation dos anos 70 com toques de western
spaghetti. Mas não para por ai, o Blaxploitation foi um movimento cinematográfico
americano da década de 70 que dava voz a artistas negros tendo como publico
alvo principalmente os negros. Um gênero que foi entrando em queda vertiginosa,
até desaparecer e ressurgir novamente através de uma abordagem em tons de
paródia e comédia de ação, única forma de obter êxito novamente nos dias de
hoje. E é exatamente essa a abordagem do episódio, que se utiliza do cenário western
spaghetti, que dizem ser uma paródia do western (em oposição aos westerns românticos, alegres e gloriosos, o spaghetti
é mais sínico, sujo e sisudo). Vocês estão entendendo a mistureba que o
Watabanabe fez aqui? Agora, sua direção não se perde nem por um segundo sequer,
o que não é somente fruto da sua competência técnica, abrange também seu
conhecimento prático sobre o assunto.
A estrutura desse episódio é maravilhosa, há diversas tramas
acontecendo simultaneamente unidas por um único fio condutor (Ed em sua busca por comida), seguindo
em uma linha de tempo circular, começando pela busca de Ed por comida, cruzando
com a personagem não nomeada que procura por um homem, alterando o seu destino e
só por conta deste percurso, Ed viria a se encontrar mais a frente com um homem
buscando por vingança enquanto arrasta um caixão atrás de si [nomeado como o
mais novo dos irmãos Shaft] e o vendedor de cogumelos tóxicos ilegais [nomeado
Dominó], que teria os vendido para o seu irmão provocando a sua morte. Tanto
ela, como ele, procuram por vingança. E pelo mesmo homem. Watanabe brinca tanto
com a narrativa, que em determinado ponto, Ed também parte atrás do homem [por
causa do que ocorreu com todos da Bebop quando ela os fez experimentar os
cogumelos sem ao menos sonharem do risco que corriam] com uma pistola
fedorenta, procurando vingança (!).
O enredo culmina no encontro de todas as tramas, ou, todos os personagens atrás
do vendedor de cogumelos ilegais em uma fuga que representa uma das melhores
sequências de ação da série. Em linguagem cinematográfica, Watanabe faz uso
aqui de grandes planos em variadas dimensões e dos planos gerais, evidenciando
a fotografia da pequena cidade abandonada no vazio de uma imensidão do deserto
árido.
Ao contrário de Dominó, os outros personagens nunca são nomeados,
mas dá pra sacá-los através das referências. O primeiro caso é o mais fácil, do
irmão Shaft puxando um caixão, se trata de uma referência direta à Django (1966), um clássico do spaghetti western,
onde há um personagem puxando um caixão [com uma metralhadora dentro] pela
primeira meia-hora do filme. A mulher seria a personagem título de Coffy (1973) interpretada por Pam Grier, que
parte em busca de vingança ao narcotráfico devido ao vicio da irmã mais nova. Este
é um clássico do Blaxploitation, o interessante é que também rola uma
referência a Shaft (1971), outro
consagrado do blaxploitation.
Com certeza essas homenagens referenciais devem fazer os fãs
desses gêneros surtarem a louca, mas não é simplesmente isto que faz Mushroom
Samba ser um dos melhores episódios de CowBe, e sim o fato dele manter uma
estrutura sólida e áudio-visualmente divertido com personagens que vão sendo
apresentados como que num carrossel, de encontros e desencontros que gira e
gira e termina no ponto inicial que começou, com Ed trazendo a comida para casa
(Os cogumelos inofensivos shitake. Eles
terem tanto cogumelos – e só cogumelos – pra comer é de um timing foda afiado
que contrasta com a fome deles no inicio do episódio). Claro que dá pra
questionar a fé dessas pessoas em atribuir importante tarefa a uma garotinha
mentalmente instável (huehuehuehuehueheuehuehu),
mas Ed já se mostrou muito competente durante a série, além do que, nada melhor
que uma criança pra buscar comida quando não se tem dinheiro, rs. O soul/funk
de Mushroom samba reflete bem a natureza excêntrica, violenta e inquietante de
uma personagem como Ed.
Trivia
Ed originalmente havia sido planejada para ser um personagem
masculino, mas na ultima hora optaram por ser uma garota para balancear em
termos de gênero. Ainda assim, ela mantêm traços muito típicos de um guri (nem mesmo pelo modo que ela se veste, dá
pra dizer num primeiro olhar desconhecido que se trata de uma garota). A
sua versão masculina aparece uma vez em ‘Ballad of Fallen Angels’, no episódio
05.
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